O Jubileu e práticas devotas para a visita das igrejas. Diálogo
São João Bosco compreendeu profundamente a importância dos Jubileus na vida da Igreja. Se em 1850, devido a várias vicissitudes históricas, não foi possível celebrar o Jubileu, o Papa Pio IX convocou um extraordinário por ocasião da proclamação do dogma da Imaculada Conceição (8 de dezembro de 1854). Este Jubileu teve a duração de seis meses, de 8 de dezembro de 1854 a 8 de junho de 1855. Dom Bosco não deixou passar a oportunidade e publicou, precisamente em 1854, o volume “O Jubileu e Práticas devotas para a visita das igrejas”.
Com a promulgação da encíclica “Quanta Cura” [Com quanto cuidado] e do “Syllabus errorum” [Lista dos Erros], o Papa Pio IX convocou outro Jubileu extraordinário, novamente com a duração de seis meses, de 8 de dezembro de 1864 a 8 de junho de 1865. Também nessa ocasião, Dom Bosco propôs, nas Leituras Católicas, os “Diálogos sobre a instituição do Jubileu”.
Visando o Jubileu ordinário de 1875, Dom Bosco republicou seu texto com o título “O Jubileu de 1875, sua instituição e práticas devotas para a visita das Igrejas”, sempre atento a oferecer aos fiéis um auxílio para essas celebrações ricas em graças extraordinárias.
Apresentamos aqui precisamente a última versão, datada de 1875.
DIÁLOGO I. Do Jubileu em geral
Juliano — Meus respeitos, senhor Padre, estou aqui para lhe fazer exercitar um pouco de paciência.
Preposto — Bem-vindo, caro Juliano, fico sempre contente quando você vem me visitar; e, como já disse várias vezes, estou sempre à sua disposição em tudo que posso fazer para a utilidade espiritual de todos os meus paroquianos e especialmente para você, que, tendo abraçado há pouco a fé católica, tem maior necessidade de ser instruído em muitas coisas.
Jul. — Disseram-me que o Papa concedeu o Jubileu; eu nunca o fiz, gostaria agora de ser instruído sobre a maneira de fazê-lo bem.
Padre — Sabiamente você pensou em buscar se instruir a tempo, pois desde que você se tornou católico, não houve ainda nenhum Jubileu; e na circunstância da sua abjuração, não tendo falado a respeito dessa prática da Igreja Católica, é de temer que você tenha em mente não poucos erros. Diga-me, portanto, o que mais lhe interessa saber, e eu tentarei satisfazê-lo fazendo-lhe aquelas observações que me parecerem úteis para seu benefício espiritual.
Jul. — Antes de tudo, eu precisaria que o senhor me dissesse de maneira fácil e clara o que significa a palavra Jubileu e qual o sentido que os católicos dão a ela, porque quando, infelizmente, era protestante, ouvia falar de todas as formas contra o Jubileu e contra as Indulgências.
Padre — Duas coisas, Juliano, você deseja de mim: a explicação da palavra Jubileu e em que sentido a tomamos como prática religiosa proposta pela Igreja Católica.
Quanto ao significado da palavra, não preciso me deter muito, pois deve bastar saber o que se quer significar com ela. No entanto, citarei as principais explicações que os santos Padres dão.
São Jerônimo e outros dizem que a palavra Jubileu deriva de Iubal, inventor dos instrumentos musicais, ou de Iobel que significa chifre, porque o ano do Jubileu entre os hebreus era proclamado com uma trombeta feita à maneira de chifre de carneiro.
Alguns outros fazem derivar Jubileu da palavra Habil, que significa restituir com alegria, porque naquele ano as coisas compradas, emprestadas ou penhoradas eram devolvidas ao primeiro proprietário; o que causava grande alegria.
Outros dizem que a palavra Jubileu deriva de Iobil, que também quer dizer alegria, porque nessas ocasiões os bons cristãos têm graves motivos para se alegrar pelos tesouros espirituais dos quais podem se enriquecer.
Jul. — Esta é a explicação da palavra Jubileu em geral, mas eu gostaria de saber como é definido pela Igreja na medida em que é uma prática de piedade, à qual estão anexas as Indulgências.
Padre — Eu o satisfarei de bom grado. O Jubileu tomado como prática estabelecida pela Igreja é uma Indulgência plenária concedida pelo Sumo Pontífice à Igreja universal com plena remissão de todos os pecados àqueles que dignamente a adquirem, cumprindo as obras prescritas.
Primeiramente, chama-se Indulgência plenária, para distingui-la da Indulgência parcial que costuma ser concedida pelos Sumos Pontífices a certos exercícios de piedade cristã, a certas orações e a certos atos de religião.
Esta Indulgência é chamada extraordinária, porque costuma ser concedida raramente e em casos graves, como quando ameaçam guerras, pestes e terremotos. O Sumo Pontífice Pio IX concede neste ano o Jubileu ordinário, que costuma ocorrer a cada vinte e cinco anos, a fim de incitar os fiéis cristãos de todo o mundo a rezar pelas necessidades presentes da religião e especialmente pela conversão dos pecadores, pela extirpação das heresias e para afastar muitos erros que alguns tentam disseminar entre os fiéis com escritos, livros ou outros meios que, infelizmente, o demônio sabe sugerir em detrimento das almas.
Jul. — Fico muito contente com a definição que me dá do Jubileu, mas ele é chamado com tal diversidade de nomes, que eu fico bastante confuso — Ano santo, ano centenário, secular, jubilar, Jubileu particular, Jubileu universal, grande Jubileu, Indulgência em forma de Jubileu — aqui estão os nomes com os quais ouço o Jubileu ser chamado de forma mista; tenha a bondade de me dar a explicação.
Padre — Esses nomes, embora às vezes sejam usados para expressar a mesma coisa, no entanto têm significados um tanto diferentes entre si. — Darei uma breve explicação.
O Jubileu é chamado ano Jubilar, ano santo porque naquele ano (como direi depois) os hebreus deviam cessar de todo tipo de trabalho e se ocupar exclusivamente em obras de virtude e santidade. A isso são igualmente convidados todos os fiéis cristãos, sem que, por outro lado, sejam obrigados a abandonar suas ocupações temporais ordinárias. Também é chamado centenário ou centésimo ano, porque em sua primeira instituição era celebrado a cada cem anos.
O Jubileu, então, é chamado parcial, quando é concedido apenas em alguns lugares determinados, como seria em Roma, ou em Santiago de Compostela na Espanha. Este Jubileu é também chamado geral, quando é concedido aos fiéis em qualquer lugar da cristandade.
Mas é dito propriamente Jubileu Geral ou Grande Jubileu, quando é celebrado no ano que é fixado pela Igreja. Entre os hebreus ocorria a cada cinquenta anos; entre os cristãos no início era a cada cem anos, depois a cada cinquenta e agora a cada vinte e cinco.
O Jubileu é chamado extraordinário e também Indulgência em forma de Jubileu, quando por alguma grave razão é concedido fora do ano santo.
Os Sumos Pontífices, quando são elevados à sua dignidade, costumam solenizar este acontecimento com uma Indulgência plenária, ou seja, um Jubileu extraordinário.
A diferença entre o grande Jubileu e o Jubileu particular consiste no fato de que o primeiro dura um ano inteiro, e o outro dura apenas uma parte do ano. Aquele, por exemplo, que o Papa Pio IX, gloriosamente reinante concedeu em 1865 durou apenas três meses, mas estavam anexados os mesmos favores do presente Jubileu, que dura por todo o ano de 1875.
A breve explicação que lhe dei sobre essas palavras, creio que será ainda melhor esclarecida pelas outras coisas que espero poder expor em outros encontros. Enquanto isso, caro Juliano, convença-se de que o Jubileu é um grande tesouro para os cristãos, de modo que com muita razão o erudito Cardeal Gaetani em seu tratado sobre o Jubileu (c. 15) escreveu estas belas palavras: “Bem-aventurado aquele povo que sabe o que é o Jubileu; infelizes aqueles que, por negligência ou por inconsideração, o negligenciam, com a esperança de alcançar outro” (Quem desejar mais informações sobre o que foi brevemente mencionado acima, pode consultar: MORONI: Ano santo e Jubileu — BERGIER artigo Jubileu — A obra: Magnum theatrum vitae humanae, artigo Iubileum. — NAVARRO de Iubileo nota 1° Benzonio lib. 3, cap 4. Vittorelli — Turrecremata — Sarnelli tom. X. Santo Isidoro nas Origens lib. 5.).
DIÁLOGO II. Do Jubileu entre os Hebreus
Jul. — Ouvi com prazer o que me disse sobre os vários significados que costumam ser dados à palavra Jubileu, e sobre os grandes benefícios que dele podem ser extraídos. Mas isso não me basta, caso eu deva dar uma resposta aos meus antigos companheiros de religião; porque eles, tomando apenas a Bíblia como norma de sua fé, estão firmes em afirmar que o Jubileu é uma novidade na Igreja, da qual não existe traço na Bíblia. Portanto, gostaria de ser instruído sobre este assunto.
Padre — Quando seus antigos ministros e companheiros de religião afirmavam que na sagrada Escritura não se fala de Jubileu, eles tentavam esconder a verdade de você, ou eles mesmos a ignoravam.
Antes de expor o que a Bíblia diz sobre o Jubileu, convém que lhe faça notar como existe na Igreja Católica uma autoridade infalível, que vem de Deus, e é dirigida pelo próprio Deus. Isso aparece em muitos textos da sagrada Bíblia e especialmente nas palavras ditas pelo Salvador a São Pedro quando o estabeleceu como chefe da Igreja, dizendo: — Tudo o que ligares na terra, será ligado no céu; tudo o que desatares na terra, será também desatado no céu (São Mateus 18). Portanto, podemos admitir com certeza tudo o que essa autoridade estabelece para o bem dos cristãos sem temor de errar. Além disso, é uma máxima aceita por todos os católicos que, quando encontramos alguma verdade acreditada e praticada em todos os tempos na Igreja, e não se pode encontrar nenhum tempo ou lugar em que tenha sido instituída, devemos crer que é revelada pelo próprio Deus e transmitida por palavras ou por escritos desde o princípio da Igreja até os nossos dias.
Jul. — Isso eu também creio; pois, estabelecida a autoridade infalível da Igreja, não importa que ela proponha coisas escritas na Bíblia ou transmitidas por tradição. No entanto, eu gostaria muito de saber o que há na Bíblia a respeito do Jubileu; e isso desejo ainda mais, porque há pouco tempo um antigo amigo meu protestante começou a zombar de mim sobre a novidade do Jubileu, da qual, ele dizia, não existe menção na Bíblia.
Padre — Estou pronto para satisfazer esse seu justo desejo. Vamos abrir juntos a Bíblia e ler aqui no livro do Levítico no capítulo XXV, e encontraremos a instituição do Jubileu, como era praticado entre os hebreus.
O texto sagrado diz assim:
Contarás sete semanas de anos, ou seja, sete vezes sete anos, o que dará quarenta e nove anos. Então farás soar a trombeta no dia dez do sétimo mês. No dia do Grande Perdão fareis soar a trombeta por todo o país. Declarareis santo o quinquagésimo ano e proclamareis a libertação para todos os habitantes do país. Será para vós um jubileu. Cada um de vós poderá retornar à sua propriedade e voltar para sua família. O quinquagésimo ano será para vós um ano do jubileu: não semeareis, nem colhereis o que a terra produzir espontaneamente, nem fareis a colheita da videira não podada. Porque é o ano de jubileu, sagrado para vós. Mas podereis comer o que produzirem os campos não cultivados. Neste ano de jubileu, cada um poderá retornar à sua propriedade [Lv 25,8-13].
Até aqui são palavras do Levítico, sobre as quais creio que não é necessária uma longa explicação para compreender quão antiga é a instituição do Jubileu, ou seja, desde os primeiros tempos em que os hebreus estavam prestes a entrar na Terra Prometida, cerca do ano do mundo 2500.
Do Jubileu se fala ainda em muitos outros lugares da Bíblia; como no mesmo livro do Levítico, no cap. XXVII; no livro dos Números, no cap. XXXVI, no de Josué no cap. VI. Mas basta o que já dissemos, que é por si muito claro.
Jul. — Fiquei muito contente em ver essas palavras da Bíblia, e fico muito feliz que a Bíblia não só fale do Jubileu, mas ordene a observância a todos os hebreus. Desejo, por outro lado, que me explique um pouco mais detalhadamente as palavras do texto sagrado, para saber qual foi o propósito de Deus ao ordenar o Jubileu.
Padre — Na Bíblia aparece claramente qual foi o propósito de Deus ao ordenar a Moisés a observância do Jubileu. Em primeiro lugar, Deus, que é todo caridade, queria que aquele povo se acostumasse a ser benigno e misericordioso para com o próximo; por isso, no ano do Jubileu, todas as dívidas eram perdoadas. Aqueles que haviam vendido ou penhorado casas, vinhedos, campos ou outras coisas, naquele ano recuperavam tudo como primeiros proprietários; os exilados retornavam à sua pátria, e os escravos, sem qualquer resgate, eram deixados em liberdade. Dessa maneira, impedia-se que os ricos fizessem aquisições desmedidas, os pobres podiam conservar a herança de seus antepassados, e impedia-se a escravidão tão praticada naqueles tempos entre as nações pagãs. Além disso, devendo o povo cessar as ocupações temporais, podia se ocupar livremente durante um ano inteiro nas coisas referentes ao culto divino, e assim ricos e pobres, escravos e senhores se uniam em um só coração e em uma só alma para bendizer e agradecer ao Senhor pelos benefícios recebidos.
Jul. — Talvez não seja apropriado, mas me surge uma dificuldade: se no ano do Jubileu não se semeava, nem se colhiam os frutos dos campos, do que as pessoas podiam se alimentar?
Padre — Nessa ocasião, ou seja, no ano do Jubileu, ocorria um fato extraordinário, que é um verdadeiro milagre. No ano anterior, o Senhor fazia produzir da terra tal abundância de toda sorte de frutos, que bastavam para todo o ano 49 e 50 e parte do 51. No que devemos admirar a bondade de Deus, que, enquanto ordena que nos ocupemos das coisas que dizem respeito ao seu culto divino, pensa ele mesmo em tudo o que pode nos ser necessário para o corpo. Essa máxima foi depois confirmada várias vezes no Evangelho, especialmente quando Jesus Cristo disse: Não queirais estar ansiosos pelo amanhã, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Com que nos cobriremos? Quaerite primum regnum Dei et iustitiam eius et haec omnia adiicientur vobis. Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, e as outras coisas vos serão acrescentadas.
Jul. — Outra dúvida me surge neste momento: o ano do Jubileu ainda é atualmente precedido por aquela abundância em algum lugar da terra?
Padre — Não, Juliano, a abundância material do Jubileu hebraico durou para aquele povo apenas até a vinda do Messias; a partir de então, tendo-se realizado o que figurava o antigo Jubileu, cessou aquela abundância material para dar lugar à abundância de graças e bênçãos, que os cristãos podem desfrutar na santa Religião Católica.
Jul. — Estou bastante satisfeito com o que me disse (Sobre este assunto, pode-se consultar CALMET DELL’AQUILA Dicionário Bíblico no artigo Jubileu. — MENOCHIO: Do quinquagésimo ano do Jubileu dos Hebreus).
DIÁLOGO III. O Jubileu entre os Cristãos
Jul. — Procurarei lembrar como o Jubileu era praticado entre os hebreus e como ele é fonte de bênçãos celestiais em tempos determinados. Agora gostaria de saber se no Novo Testamento há menção ao Jubileu; porque, se existir algum texto a esse respeito, os protestantes estão em apuros e terão que concordar que os católicos praticam o Jubileu seguindo o Evangelho.
Padre — Embora para cada cristão baste que uma verdade esteja registrada em qualquer parte da Bíblia para que seja para ele uma regra de fé, neste caso podemos estar amplamente satisfeitos tanto com a autoridade do Antigo quanto com a do Novo Testamento.
São Lucas, no capítulo quarto (v. 19), relata o seguinte fato do Salvador. Tendo Jesus ido a Nazaré, sua pátria, foi-lhe apresentada a Bíblia para que explicasse algum trecho ao povo. Ele abriu o livro do profeta Isaías e, entre outras coisas, aplicou a si mesmo as seguintes palavras: O espírito do Senhor me enviou para anunciar aos cativos a libertação e aos cegos a recuperação da vista, para pôr em liberdade os oprimidos, para pregar o ano aceitável do Senhor e o dia da retribuição.
Dessas palavras, Juliano, vocês conhecem como o Salvador lembra o antigo Jubileu, que era todo material, e o nobilita em sentido moral, dizendo que ele anunciava o verdadeiro ano da retribuição, um ano agradável no qual, com seus milagres, com sua paixão e morte, ele daria a verdadeira liberdade aos povos escravizados pelo pecado, com a abundância de graças e bênçãos que se têm na religião cristã (V. MARTINI em São Lucas).
Também São Paulo, na segunda carta aos Coríntios, fala deste tempo aceitável, do tempo da salvação e da santificação (c. 6, 2).
Dessas palavras e de outros fatos do Novo Testamento, chegamos à conclusão: 1° Que o antigo Jubileu, que era todo material, passou de fato na nova lei, que é todo espiritual. 2° A liberdade que o povo de Deus dava aos escravos figurava a completa libertação que nós adquiriremos pela graça de Deus, pela qual somos libertados da dura escravidão do demônio. 3° Que o ano da retribuição, ou seja, do Jubileu, foi confirmado no Evangelho, recebido pela Igreja e praticado conforme a necessidade dos fiéis e conforme as oportunidades dos tempos permitiam.
Jul. — Estou cada vez mais convencido de uma verdade que acredito firmemente, porque está registrada no Antigo e no Novo Testamento. Agora gostaria de saber como essa prática religiosa foi conservada na Igreja Católica.
Padre — Isso é uma questão de grande importância, e eu procurarei satisfazê-lo. Assim como o ano do Jubileu entre os hebreus era um ano de remissão e perdão, assim também foi instituído o ano do Jubileu entre os cristãos, no qual se concedem grandíssimas indulgências, ou seja, remissão e perdão dos pecados. Daí surgiu que o ano do Jubileu entre os cristãos foi chamado de ano santo, tanto pelas muitas obras de piedade que os cristãos costumam exercer nesse ano, quanto pelos grandes favores celestiais que, em tal ocasião, cada um pode obter.
Jul. — Não é isso que quero dizer; eu gostaria de ouvir contar como esse Jubileu foi introduzido entre os cristãos.
Padre — Para compreender como o Jubileu foi introduzido e conservado entre os cristãos, é necessário que eu mencione uma crença religiosa seguida desde os primeiros tempos da Igreja. Ela consistia em uma grande veneração de que, no ano do Jubileu, chamado no Evangelho ano de retribuição, e por São Paulo ano aceitável, tempo de salvação, se poderia adquirir uma indulgência plenária, ou seja, a remissão de toda satisfação devida a Deus pelos pecados. Acredita-se que o primeiro Jubileu foi concedido pelos próprios santos Apóstolos no ano 50 da era comum (V. Scalígero e Petávio).
Os primeiros Pontífices que sucederam a São Pedro na governança da Igreja continuaram a manter viva essa prática religiosa, concedendo grandes favores àqueles que, em determinados tempos, se dirigissem a Roma para visitar a igreja onde estava sepultado o corpo de São Pedro (V. Rutilio, De Iubileo. Laurea, Navarro, Vittorelli e outros).
Pois sempre foi a crença entre os cristãos, mesmo nos primeiros séculos, que em determinados tempos, visitando a igreja de São Pedro no Vaticano, onde estava sepultado o corpo daquele príncipe dos Apóstolos, se ganhariam favores espirituais extraordinários, que chamamos de indulgências.
Os favores celestiais que se esperavam, o grande respeito que todos os católicos nutriam pelo glorioso São Pedro, o desejo de visitar a igreja, as cadeias e o sepulcro do príncipe dos Apóstolos, atraíam pessoas de todas as partes do mundo. Em certos anos, viam-se velhos, jovens, ricos e pobres partindo de países muito distantes, superando os mais graves desconfortos das estradas para ir a Roma, na plena convicção de obter grandíssimas indulgências.
São Gregório Magno, desejando apoiar o espírito religioso nos cristãos e ao mesmo tempo regular o seu frequente concurso em Roma, no século VI estabeleceu que a cada cem anos se poderia ganhar a Indulgência plenária, ou seja, Jubileu, por todos aqueles que, no ano secular, também chamado ano santo, se dirigissem a Roma para visitar a Basílica Vaticana, onde estava sepultado o príncipe dos Apóstolos.
Jul. — Aqui encontro uma dificuldade: li em alguns livrinhos que o Jubileu foi instituído somente no ano de 1300 por um Papa chamado Bonifácio VIII; e, segundo o que o senhor diz, seria muito mais antigo.
Padre — Eu também sei que existem alguns livretos impressos que afirmam que Bonifácio VIII é o autor do Jubileu; mas isso dizem de forma imprecisa, pois este Pontífice foi, na verdade, o primeiro a publicar com uma Bula o ano santo, ou seja, a Indulgência plenária do Jubileu; mas nesta mesma Bula ele assegura que não fez outra coisa senão estabelecer por escrito o que já se praticava universalmente entre os cristãos.
DIÁLOGO IV. Primeira publicação solene do Jubileu, ou seja, ano santo
Jul. — Esta primeira publicação do Jubileu ou do ano santo é um fato tão grave e solene que eu gostaria de ouvi-lo contar acompanhado das suas mais notáveis circunstâncias.
Padre — Como você gosta de histórias, creio oportuno expor as razões que levaram o Pontífice Bonifácio VIII a publicar com solenidade especial uma Bula sobre o primeiro Jubileu solene. — Era o ano 1300, quando uma quantidade extraordinária de gente do Estado Romano e estrangeira acorreu a Roma em tal número que parecia que as portas do céu haviam se aberto ali. No início do mês de janeiro havia tal multidão de pessoas pelas ruas daquela cidade que mal se podia caminhar. Diante desse fato, o Pontífice ordenou que se buscasse o que se pudesse encontrar a esse respeito nas memórias antigas; e então fez chamar alguns dos mais velhos que ali haviam chegado para saber o que os havia movido. Entre outros, havia um nobre e rico saboiano de cento e sete anos. O Papa, na presença de vários Cardeais, quis interrogá-lo assim: Quantos anos você tem? — Cento e sete. — Por que você veio a Roma? — Para ganhar as grandes Indulgências. — Quem lhe disse? — Meu pai. — Quando? — Há cem anos meu pai me trouxe consigo a Roma e me disse que a cada cem anos em Roma se podiam obter grandíssimas Indulgências, e que se eu ainda estivesse vivo dali a cem anos, não deveria deixar de ir visitar a Basílica do príncipe dos Apóstolos.
Depois dele, também foram trazidos outros indivíduos, velhos e jovens de várias nações, que, interrogados pelo mesmo Sumo Pontífice, todos concordavam em afirmar que sempre ouviram dizer que a cada ano secular, indo visitar a Basílica de São Pedro, lucrariam grandes Indulgências com a remissão de todos os pecados. Em vista daquela persuasão universal e constante, o Papa promulgou uma Bula com a qual confirmava o que até então havia sido praticado por tradição oral. Um escritor daquelas épocas, familiarizado com o Pontífice Bonifácio, assegura ter ouvido aquele Papa dizer que ele foi movido a publicar sua Bula pela crença divulgada e aceita em todo o mundo cristão, ou seja, que desde o nascimento de Cristo se costumava conceder uma grande Indulgência a cada ano secular (João Cardeal Mônaco).
Jul. — Já que vejo que o senhor leu muito, traga-me algum trecho daquela Bula, para que eu possa ser bem instruído sobre essa prática universal da Igreja.
Padre — Seria muito longo trazê-la toda; eu trarei o princípio e creio que será suficiente para você. Eis as palavras do Pontífice: «Uma fiel e antiga tradição de homens que viveram há muito tempo assegura que àqueles que vêm visitar a honrosa Basílica do príncipe dos Apóstolos em Roma são concedidas grandes Indulgências e remissão dos pecados. Nós, portanto, que por dever do nosso ofício desejamos e nos esforçamos com todo o ânimo para procurar a salvação das almas, com nossa autoridade apostólica aprovamos e confirmamos todas as Indulgências mencionadas, e as renovamos autenticando-as com este nosso escrito.» Depois disso, o Papa expõe os motivos que o levaram a conceder tais Indulgências e quais são as obrigações a serem cumpridas por aqueles que desejam adquiri-las.
Conhecida a Bula do Papa, é incrível o entusiasmo que se despertou de todos os lados para fazer a peregrinação a Roma. Da França, da Inglaterra, da Espanha, da Alemanha, vinham em multidão os peregrinos de todas as idades, condições, nobres e soberanos. O número de estrangeiros em Roma chegou a dois milhões simultaneamente. O que teria causado uma grave carestia, se o Papa não tivesse providenciado a tempo, trazendo alimentos de outros países.
Jul. — Agora compreendo muito bem quão antiga é a prática do Jubileu na Igreja, mas o que celebramos hoje me parece muito diferente; tanto porque se fala mais frequentemente, quanto porque não se vai mais a Roma para adquiri-lo.
Padre — Você faz uma observação oportuna; e a esse respeito, direi que o Jubileu, segundo a Bula do Papa Bonifácio, deveria ocorrer a cada cem anos; mas como esse intervalo de tempo é muito longo e a vida do homem é muito curta para que todos possam se beneficiar, assim, um Papa chamado Clemente VI, reduziu para cada cinquenta anos, como era o dos hebreus. Depois, outro Pontífice chamado Gregório XI restringiu para cada trinta e três anos em memória dos trinta e três anos da vida do Salvador; finalmente, o Papa Paulo II, para que aqueles que também morrem jovens possam adquirir a Indulgência do Jubileu, estabeleceu que ocorresse a cada vinte e cinco anos. Assim, na Igreja, foi praticado até hoje. Além disso, a obrigação de ir a Roma impedia que muitos, seja por distância, seja por idade, seja por doença, pudessem se beneficiar dos favores espirituais do Jubileu. Por isso, os romanos Pontífices concederam a mesma Indulgência, mas em vez da obrigação de ir a Roma, costumam impor algumas obrigações a serem cumpridas por aqueles que desejam fazer o santo Jubileu.
Já temos na história eclesiástica registrados 20 anos santos, ou seja, vinte anos em que os Pontífices publicaram o favor do Jubileu em tempos diferentes.
O último dos que foram celebrados, foi promulgado por Leão XII no ano de 1825. Deveria igualmente ser publicado no ano de 1850, mas as turbulências públicas daquela época não permitiram que isso fosse feito. Agora estamos celebrando o do Sumo Pontífice Pio IX, que é verdadeiramente o ano santo de 1875.
Jul. — Por que o presente Jubileu foi concedido pelo Papa?
Padre — O que o Papa concede atualmente é um Jubileu ordinário. Os motivos deste Jubileu são a conversão dos pecadores, e particularmente dos hereges; a paz entre os príncipes cristãos e o triunfo da santa Religião Católica sobre a heresia; e, além disso, o santo Padre também se propôs o objetivo de obter de Deus luzes particulares para conhecer muitas proposições errôneas que, há algum tempo, estão se espalhando entre os fiéis, com grave dano da fé e com perigo de eterna condenação para muitos. O Papa, em sua Encíclica, justifica o que faz; e, por fim, prescreve as obras a serem realizadas para a aquisição das santas Indulgências.
Jul. — Parece-lhe, senhor Padre, que as coisas da religião vão tão mal? Os hereges se convertem de vez em quando em grande número à Religião Católica; o Catolicismo triunfa e progride muito nas missões estrangeiras.
Padre — É verdade, meu bom Juliano, que a Religião Católica prospera bastante nas missões estrangeiras; é verdade também que, há alguns anos, muitos judeus, hereges, particularmente protestantes, renunciaram aos seus erros para abraçar a santa Religião Católica, e justamente por esses progressos o demônio faz todos os seus esforços para sustentar e espalhar a heresia e a impiedade. Além disso, de quantas maneiras hoje em dia a religião é desprezada em público e em privado, nos discursos, nos jornais, nos livros! Não há coisa santa e venerável que não seja alvo de críticas e não seja censurada e zombada. Pegue, eu lhe dou a carta que o Papa escreve a todos os Bispos da cristandade, leia-a com calma; nela estão mencionados os esforços que o inferno faz contra a Igreja nestes tempos, quais favores podem ser desfrutados na ocasião do Jubileu e o que deve ser feito para adquiri-los. Enquanto isso, você deve ter em mente que o Jubileu foi uma instituição divina; foi Deus quem o ordenou a Moisés. Esta instituição passou para os cristãos e foi praticada nos primeiros tempos da Igreja com algumas modificações, até que Bonifácio VIII a estabeleceu regularmente com uma Bula. Outros Pontífices depois a reduziram à forma com a qual é observada hoje. Portanto, praticamos algo que foi ordenado por Deus, e o fazemos porque é ordenado pela Igreja para nossas necessidades particulares; assim, devemos estar atentos para nos beneficiarmos e professar sentimentos de suma gratidão a Deus, que de tantas maneiras demonstra seu vivo desejo de que aproveitemos de seus favores e que pensemos na salvação de nossa alma; e devemos, ao mesmo tempo, professar viva veneração ao Vigário de Jesus Cristo, cumprindo com a máxima diligência o que ele prescreve, a fim de alcançarmos os favores celestiais (Tratam mais amplamente o que foi exposto acima o Card. GAETANI: Do centésimo ano. — MANNI: História do ano santo — ZACCARIA: Do ano santo).
DIÁLOGO V. Das Indulgências
Jul. — Estamos em um ponto difícil, do qual os antigos companheiros de heresia sempre falaram mal, quero dizer, das Indulgências. Portanto, gostaria de ser instruído sobre elas, esclarecendo as dificuldades que surgirem em minha mente.
Padre — Não me surpreende que seus antigos companheiros de heresia tenham falado e falem até hoje com desprezo das Indulgências, pois delas os protestantes tiraram pretexto para se separarem da Igreja Católica. Quando você, caro Juliano, tiver uma ideia justa das Indulgências, certamente ficará satisfeito e bendirá a divina misericórdia, que nos oferece um meio tão fácil para conquistarmos os tesouros divinos.
Jul. — Então me explique o que são essas Indulgências, e eu me esforçarei para tirar proveito delas.
Padre — Para que você compreenda o que significa Indulgência, é bom que retenha como o pecado produz dois efeitos amarguíssimos em nossa alma: a culpa que nos priva da graça e da amizade de Deus, e a pena que dela resulta, e que impede a entrada no paraíso. Essa pena é de duas espécies: uma eterna, a outra temporal. A culpa junto com a pena eterna nos é totalmente remida, mediante os méritos infinitos de Jesus Cristo, no Sacramento da Penitência, desde que nos aproximemos para recebê-lo com as devidas disposições. Como a pena temporal não nos é sempre toda remida neste Sacramento, assim permanece em grande parte para ser satisfeita nesta vida por meio de boas obras e da penitência; ou na outra, por meio do fogo do purgatório. É sobre essa verdade que se fundamentavam as penitências canônicas tão severas que a Igreja, nos primeiros séculos, impunha aos pecadores arrependidos. Três, sete, dez, até quinze e vinte anos de jejum a pão e água, de privações e humilhações, às vezes por toda a vida; eis o que a Igreja impunha por um único pecado, e ela não acreditava que essas satisfações superassem a medida que o pecador devia à justiça de Deus. E quem pode medir a injúria que a culpa faz ao sumo Deus e a malícia do pecado? Quem pode penetrar os profundíssimos segredos eternos e saber quanto a justiça divina exige de nós nesta vida para satisfazer nossas dívidas? Quanto tempo teremos que passar no fogo do purgatório? Para abreviar o tempo que teríamos que permanecer naquele lugar de purificação e aliviar a penitência que deveríamos fazer na vida presente, é que tendem os tesouros das santas Indulgências: e estas são como uma troca das severas penitências canônicas que, por muitos anos, e às vezes por toda a vida, como disse, a Igreja nos primeiros tempos costumava impor aos pecadores arrependidos.
Jul. — Parece-me razoável que, após o perdão do pecado, ainda permaneça a necessidade de satisfazer a divina justiça por meio de alguma penitência; mas o que são propriamente as Indulgências?
Padre — As Indulgências são a remissão da pena temporal devida pelos nossos pecados, o que se faz por meio dos tesouros espirituais confiados por Deus à Igreja.
Jul. — O que são esses tesouros espirituais da Igreja?
Padre — Esses tesouros espirituais são os méritos infinitos de nosso Senhor Jesus Cristo, os da santíssima Virgem Maria e dos Santos, como professamos no Símbolo dos Apóstolos, quando dizemos: Eu creio na Comunhão dos Santos. Sendo infinitos, os méritos de Jesus Cristo, superabundante os de Maria santíssima, que, concebida sem mancha e vivendo sem pecado, nada, portanto, devia à divina justiça por seus pecados; os Mártires e outros Santos, tendo com seus sofrimentos, em união com os de Jesus Cristo, satisfeito mais do que o necessário por conta própria: todas essas satisfações diante de Deus são como um tesouro inesgotável, que o Sumo Pontífice dispensa conforme a oportunidade dos tempos e as necessidades dos cristãos.
Jul. — Aqui estamos diante da grande dificuldade: a Sagrada Escritura não nos fala de Indulgências. Quem, então, pode conceder as Indulgências?
Padre — A faculdade de dispensar as santas Indulgências reside no Sumo Pontífice. Pois em toda sociedade, em todo governo, uma das mais nobres prerrogativas do Chefe de Estado é o direito de conceder graças e de comutar penas. Agora, o Sumo Pontífice, representante de Jesus Cristo na terra, Chefe da grande Sociedade Cristã, sem dúvida tem o direito de conceder graças, de comutar, de remir total ou parcialmente as penas incorridas pelo pecado, em favor daqueles que de coração se voltam para Deus.
Jul. — Sobre quais coisas se fundamenta esse poder do Sumo Pontífice?
Padre — Esse poder, ou seja, a autoridade do Sumo Pontífice em dispensar as Indulgências, é apoiado nas mesmas palavras de Jesus Cristo. No ato em que ele designou São Pedro para governar a Igreja, disse-lhe estas palavras: «Eu te darei as chaves do reino dos céus; tudo o que ligares na terra será também ligado no céu, e o que desatares na terra será igualmente desatado no céu.» Essa faculdade abrange sem dúvida um direito de poder conceder aos cristãos tudo o que pode contribuir para o bem de suas almas.
Jul. — Mas essas palavras me parecem mágicas; elas constituem São Pedro chefe da Igreja, dão-lhe a faculdade de remir os pecados, a faculdade de fazer preceitos, de conceder as Indulgências, e tudo isso em poucas palavras!
Padre — As palavras ditas por Jesus Cristo a São Pedro conferem um poder pleno e absoluto, e esse poder pleno e absoluto constitui São Pedro Chefe da Igreja, Vigário de Jesus Cristo, dispensador de todos os favores celestiais, portanto também das santas Indulgências. Isso se evidencia desde que o Senhor lhe deu as chaves do reino dos céus: Tibi dabo claves regni coelorum; e pelas palavras com que ordenou a São Pedro que apascentasse, ou seja, que dispensasse aos cristãos o que as pessoas e os tempos exigiriam dele para o bem espiritual e eterno: estas palavras do Salvador concluem que o poder dado a São Pedro e a seus sucessores exclui toda dúvida sobre a faculdade de conceder as Indulgências.
Jul. — Compreendo muito bem que com essas palavras o Salvador tenha dado especialmente a São Pedro grandes poderes, entre os quais a faculdade de remir os pecados; mas não consigo entender que tenha sido dada a faculdade de dispensar as Indulgências.
Padre — Se você compreende muito bem que com aquelas palavras o Salvador tenha dado especialmente a São Pedro (como com outras semelhantes também deu aos outros Apóstolos) a faculdade de remir os pecados, ou seja, de perdoar a pena eterna, devemos dizer que não foi dada a faculdade de remir a pena temporal por meio das Indulgências, que em comparação com aquela pode-se dizer infinitamente menor?
Jul. — É verdade, é verdade: diga-me apenas se aquelas palavras foram entendidas nesse sentido pelos Apóstolos.
Padre — Isso é certo, e posso apresentar mais fatos notados na Bíblia; limito-me a mencionar apenas um. Este é de São Paulo, e diz respeito aos fiéis de Corinto. Entre aqueles fervorosos cristãos, um jovem cometeu um pecado grave, pelo qual mereceu ser excomungado. Ele logo se mostrou arrependido, expressando vivamente o desejo de fazer a devida penitência. Então os coríntios pediram a São Paulo que o absolvesse. Este Apóstolo usou de indulgência, ou seja, o liberou da excomunhão e o restituiu ao seio da Igreja, embora pela gravidade do pecado, e segundo a disciplina em vigor na época, ele devesse permanecer ainda muito tempo separado da Igreja. Pelas palavras dele e por outras do mesmo São Paulo, aparece que ele mesmo ligava e absolvia, ou seja, usava rigor e indulgência, conforme julgava ser mais vantajoso para as almas.
Jul. — Estou muito satisfeito com o que o senhor me contou sobre as Indulgências, como está contido na Sagrada Escritura. Estou plenamente seguro e tranquilo em crer que Deus deu à Igreja a faculdade de dispensar as Indulgências. Além disso, gostaria muito que me dissesse se a dispensa dessas sempre ocorreu na Igreja, pois os protestantes dizem que nos primeiros tempos não se falava de Indulgências.
Padre — Também nisso os protestantes estão errados, e a História eclesiástica está cheia de fatos que demonstram a divina instituição das Indulgências e o uso constante delas desde os primeiros tempos da Igreja. E como sei que você gosta muito de fatos, quero contar alguns em confirmação do que digo.
Jul. — Eu gosto muito de fatos, ainda mais do que de razões, e se o senhor contar muitos, ficarei muito contente.
Padre — Após o tempo dos Apóstolos, continuou o uso das Indulgências. No primeiro século da era comum temos o fato mencionado; no segundo século lemos que, no tempo da perseguição, quando algum pecador retornava à Igreja, primeiro era obrigado a confessar seus pecados, então lhe era imposto um tempo durante o qual, exercitando-se fervorosamente em obras de penitência, obteria Indulgência, ou seja, seu tempo de penitência seria abreviado. Para obter isso com maior facilidade, recomendava-se àqueles que eram conduzidos ao martírio que orassem ao bispo, ou que lhe escrevessem um bilhete, suplicando-lhe que quisesse usar de indulgência em vista dos sofrimentos dos mártires e assim conceder-lhes paz com Deus e com a Igreja (Tertuliano, Ad maj. 1, I).
No terceiro século, São Cipriano, escrevendo aos fiéis detidos na prisão, os avisa a não intercederem muito facilmente a Indulgência para aqueles que a pedem, mas a esperar que eles demonstrem sinais suficientes de dor e arrependimento por suas culpas. Pelas palavras dele, aparece que nos tempos de São Cipriano as Indulgências estavam em uso, e que o santo recomendava aos mártires que fossem cautelosos em não interpor sua mediação junto aos Bispos, exceto para aqueles que se mostrassem sinceramente arrependidos (Ep. 21, 22, 23).
No quarto século, no ano 325, foi convocado um Concílio geral na cidade de Niceia, onde se trataram várias questões referentes ao bem universal da Igreja. Ao se falar das Indulgências, estabeleceu-se que aqueles que fazem penitência possam obter Indulgência do Bispo; e que os mais negligentes devem fazer sua penitência pelo tempo estabelecido. O que não é outra coisa senão conceder a Indulgência a uns e negá-la a outros (Concílio de Niceia, cânon 11, 12).
Nos tempos posteriores, os fatos são sem número. São Gregório Magno, em uma carta escrita ao Rei dos Visigodos, enviou uma pequena chave que havia tocado o corpo de São Pedro, e tinha dentro de si um pouco de limalha das correntes com as quais aquele santo Apóstolo havia sido preso, para que, diz o Papa, aquilo que serviu para prender o pescoço do Apóstolo quando ia ao martírio, o absolva de todos os seus pecados. O que os santos Padres interpretam no sentido de Indulgência plenária, que o Papa enviava junto com aquela chave abençoada.
São Leão Papa, no ano oitocentos e três, tendo-se com grande comitiva de cardeais, arcebispos, prelados, ido ao Imperador Carlos Magno, foi recebido pelo piedoso soberano com a máxima pompa. Esse monarca pediu e obteve como favor especial que dedicasse o palácio real de Aquisgrana (Aix-la-Chapelle) à bem-aventurada Virgem, e que o enriquecesse com muitas indulgências a serem lucradas por aqueles que fossem visitá-lo. Se quiserem que eu lhes conte ainda outros fatos, poderia recitar quase toda a História eclesiástica e, especialmente, a História das Cruzadas, circunstâncias em que os Papas concediam a Indulgência plenária àqueles que se alistavam para ir à Palestina libertar os Lugares Santos.
Para conclusão e confirmação do que disse até agora, exponho-lhes aqui a doutrina da Igreja Católica sobre as Indulgências como foi definida no Concílio de Trento:
«A faculdade de dispensar as Indulgências tendo sido concedida por Cristo à Igreja, a Igreja se serviu desta faculdade desde tempos remotíssimos; por isso, o sacrossanto Concílio ordena e ensina que se deve considerar que as Indulgências são úteis à salvação do cristão, como é provado pela autoridade dos Concílios. Quem, por sua vez, diz que as Indulgências são inúteis, ou nega que na Igreja exista a faculdade de dispensá-las, seja anátema: seja excomungado (Sess. 25, cap. 21).»
Jul. — Basta, basta, se a faculdade de dispensar as Indulgências foi dada por Deus à Igreja, foi praticada pelos Apóstolos, e desde seus tempos sempre esteve em uso na Igreja em todos os séculos até os nossos dias, devemos dizer claramente que os protestantes estão em grave erro quando se põem a censurar a Igreja Católica, porque dispensa as santas Indulgências, como se o uso das mesmas não tivesse sido praticado nos primeiros tempos da Igreja.
DIÁLOGO VI. Aquisição das Indulgências
Padre — Enquanto admiramos a bondade de Deus em dispensar as santas Indulgências, em conceder tesouros celestiais que não diminuem, nem diminuirão nunca, embora sejam espalhados, como um imenso oceano que não sofre diminuição por quanta água dele se extraia, devemos, no entanto, cumprir algumas obrigações para a sua aquisição. Em primeiro lugar, é bom sublinhar que não depende do arbítrio de cada cristão servir-se desses tesouros divinos a seu bel-prazer; ele os desfrutará somente quando, como e na maior ou menor quantidade, que a santa Igreja e o sumo Pontífice determinam. Assim, as Indulgências se distinguem comumente em duas classes: as parciais, ou seja, de alguns dias, meses ou anos, e plenárias. Por exemplo, dizendo: Meu Jesus, misericórdia, se ganham cem dias de Indulgência. Quando se diz: Maria, Auxílio dos cristãos, rogai por nós, se lucram 300 dias. Cada vez que se acompanha o Viático levado a um enfermo, podem-se ganhar sete anos de Indulgência. Essas indulgências são parciais.
A Indulgência plenária é aquela pela qual nos é remida toda a pena, da qual por nossos pecados somos devedores a Deus; tal é, precisamente, aquela que o Papa concede na ocorrência deste Jubileu. Lucrando esta indulgência, se volta a estar diante de Deus, como estava quando nasceu, isto é, quando foi batizado; de modo que, se alguém morresse após ter lucrado a Indulgência do Jubileu, iria para o paraíso sem passar pelas penas do purgatório.
Jul. — Eu desejo de todo coração ganhar esta Indulgência plenária; apenas me explique o que devo fazer.
Padre — Para lucrar esta, como qualquer outra Indulgência, busca-se antes de tudo que alguém esteja em graça de Deus, porque aquele que diante de Deus é culpado de falta grave e de pena eterna, certamente não é, nem pode ser capaz de receber a remissão da pena temporal. É, portanto, um ótimo conselho que cada cristão, que deseje adquirir indulgências quando e como são concedidas, se aproxime do Sacramento da confissão, procurando excitar-se num verdadeiro arrependimento, e fazer um firme propósito de não mais ofender a Deus no futuro.
A segunda condição é o cumprimento do que o romano Pontífice prescreve. Pois a santa Igreja, ao abrir o tesouro das santas Indulgências, obriga sempre os fiéis a alguma obra boa a ser feita em tempo e lugar determinados. E isso para preparar nosso coração para acolher aqueles favores extraordinários, que a misericórdia de Deus nos tem preparado. Assim, para adquirir a Indulgência deste Jubileu, o sumo Pontífice quer que cada um se aproxime dos Sacramentos da Confissão e da Comunhão, visite devotamente quatro igrejas por 15 vezes seguidas ou alternadamente, rezando segundo sua intenção, pela exaltação e prosperidade de nossa santa mãe Igreja, pela extirpação da heresia, pela paz e concordância dos príncipes cristãos, pela paz e unidade de todo o povo cristão.
Jul. — Bastam essas coisas para ganhar a Indulgência do Jubileu?
Padre — Não bastam essas duas coisas, mas nos falta ainda uma, que é a principal. Requer-se que se detestem todos os pecados, mesmo os veniais, e além disso, se afaste o afeto a todos e a cada um deles. E isso faremos certamente, se nos dispusermos a praticar aquelas coisas que o confessor nos imporá, mas acima de tudo, se fizermos uma firme e eficaz resolução de não querer mais cometer nenhum pecado, se evitarmos as ocasiões e praticarmos os meios para não mais recair. O sumo Pontífice Clemente VI, para excitar os cristãos de todo o mundo à aquisição do Jubileu, dizia: «Jesus Cristo, com sua graça e com a superabundância dos méritos de sua paixão, deixou à Igreja militante aqui na terra um infinito tesouro não escondido sob um lençol, nem enterrado em um campo, mas o confiou a ser dispensado salutarmente aos fiéis, o confiou ao bem-aventurado Pedro, que traz as chaves do céu, e a seus sucessores, Vigários de Jesus Cristo na terra; a este tesouro prestam ajuda os méritos da bem-aventurada Mãe de Deus e de todos os eleitos (Clem. VI. DD. cut.)»
Agora, meu caro Giuliano, você aprendeu o que é necessário para adquirir esta Indulgência plenária, e uma vez que entre outras coisas é prescrito fazer uma visita a quatro igrejas, assim eu colocarei aqui as práticas devotas necessárias, que poderão servir-lhe em cada uma dessas visitas (Quem desejar se instruir mais sobre as santas indulgências pode consultar o MORONI artigo: Indulgências. Magnum Theatrum vitae humanae. Artigo Indulgência. — BERGIER Indulgências. — FERRARI na Biblioteca).
Para maior comodidade, aqui são resumidas as intenções da Igreja ao promulgar este Jubileu, os favores concedidos durante o mesmo e as condições para adquirir a Indulgência Plenária.
INTENÇÕES DA IGREJA AO PROMULGAR O JUBILEU
As intenções da Igreja ao nos convidar a participar do Jubileu são: 1° renovar a memória da nossa Redenção e nos excitar, portanto, a uma viva gratidão para com o Divino Salvador; 2° reviver em nós os sentimentos de fé, de religião e de piedade; 3° nos precaver, por meio das mais abundantes luzes que o Senhor concede neste tempo de salvação, contra os erros, a impiedade, a corrupção e os escândalos que de todos os lados nos cercam; 4° despertar e aumentar o espírito de oração que é a arma do cristão; 5° nos excitar à penitência do coração, a emendar os costumes e a redimir com boas obras os pecados, que nos atraíram a ira de Deus; 6° obter, mediante esta conversão dos pecadores e o maior aperfeiçoamento dos justos, que Deus antecipe em sua misericórdia o triunfo da Igreja em meio à cruel guerra que lhe fazem seus inimigos.
A essas intenções devemos também nos associar em nossas orações.
FAVORES ESPECIAIS CONCEDIDOS NO TEMPO DO JUBILEU
Para encorajar os pecadores a participarem do Jubileu, é dado durante todo este ano santo a cada confessor a faculdade de absolver de qualquer pecado, mesmo reservado ao Bispo ou ao Papa; bem como de comutar em outras obras de piedade os votos, de quase todo tipo, que alguém tenha feito e que não possa observar.
Cada um, então, cumprindo as condições aqui indicadas, pode nesta circunstância adquirir não só a remissão de todos os seus pecados, mas também a Indulgência Plenária, ou seja, a remissão de toda a pena temporal que ainda lhe restaria a expiar neste mundo ou no purgatório.
Tal indulgência é aplicável às almas do Purgatório, mas pode ser adquirida uma só vez no decorrer do Jubileu.
O tempo do Jubileu começou em 1° de janeiro e termina em 31 de dezembro de 1875.
CONDIÇÕES PARA ADQUIRIR A INDULGÊNCIA DO JUBILEU
1° Confessar-se com as devidas disposições, merecendo a absolvição com um verdadeiro arrependimento.
2° Aproximar-se dignamente da Comunhão: aqueles que ainda não foram admitidos poderão fazer com que seja comutada em uma obra piedosa pelo confessor. Não basta uma só Comunhão para satisfazer ao mesmo tempo ao preceito pascal e adquirir o Jubileu.
3° Visitar por quinze dias seguidos ou interpolados quatro Igrejas com a intenção de adquirir o Jubileu; tal intenção basta colocá-la uma vez desde o início. A visita deve ser feita a todas as quatro Igrejas (Para Turim, são designadas as Igrejas de São João, de Nossa Senhora da Consolação, dos Santos Mártires e de São Filipe. Em outros lugares, cada um deve se aconselhar com seu próprio pároco ou diretor) no mesmo dia. Pode-se, no entanto, calcular como um só dia o tempo desde as primeiras vésperas de um dia até todo o dia seguinte; assim, por exemplo, desde meio-dia de hoje até todo o dia de amanhã pode-se calcular um só dia. Não bastaria visitar uma Igreja por dia. Porém, em caso de grave impedimento, os confessores têm a faculdade de modificar as visitas ou até mesmo comutá-las em outras obras piedosas. As visitas podem ser feitas antes ou depois da Confissão e Comunhão, ou mesmo entre elas. Não é necessário, mas é sumamente desejável que sejam feitas em estado de graça, ou seja, sem pecado mortal na consciência.
Não são prescritas orações especiais ao fazer essas visitas, e pode bastar que alguém se detenha cerca de um quarto de hora em cada Igreja recitando os Atos de Fé, de Esperança etc., com cinco Pai Nossos, Ave Maria e Glória ao Pai, rezando segundo a intenção da Igreja e do Papa.
No entanto, para comodidade dos devotos, colocam-se aqui algumas considerações que podem servir de leitura ao fazer essas visitas.
VISITA À PRIMEIRA IGREJA. A confissão
No Sacramento da Confissão temos uma grande manifestação da misericórdia de Deus para com os pecadores. Se Deus tivesse dito para nos perdoar os pecados somente pelo Batismo, e não mais aqueles que, por desgraça, seriam cometidos após receber este Sacramento, oh! quantos cristãos iriam para a eterna perdição! Mas Deus, conhecendo a nossa miséria, estabeleceu outro Sacramento, pelo qual são perdoados os pecados cometidos após o Batismo. E este é o Sacramento da Confissão. Eis como fala o Evangelho: Oito dias após sua ressurreição, Jesus apareceu a seus discípulos e lhes disse: A paz esteja convosco. Assim como o Pai celeste me enviou, eu também vos envio, isto é, a faculdade que me foi dada pelo Pai Celeste de fazer o que é bom para a salvação das almas, a mesmo eu vos dou. Depois, o Salvador, soprando sobre eles, disse: Recebei o Espírito Santo; aqueles a quem perdoardes os pecados, serão perdoados; aqueles a quem os retiverdes, serão retidos. Todos compreendem que as palavras reter ou não reter significam dar ou não dar a absolvição. Esta é a grande faculdade dada por Deus aos seus Apóstolos e aos seus sucessores na administração dos Santos Sacramentos.
Dessas palavras do Salvador nasce uma obrigação para os sagrados Ministros de ouvir as confissões, e igualmente nasce a obrigação para o cristão de confessar suas culpas, para que se saiba quando se deve dar ou não dar a absolvição, quais conselhos sugerir para remediar o mal feito; em suma, dar todos aqueles avisos paternais que são necessários para reparar os males da vida passada e não cometê-los mais no futuro.
Nem a confissão foi algo praticado somente em algum tempo e em algum lugar. Assim que os Apóstolos começaram a pregar o Evangelho, logo começou a ser praticado o Sacramento da Penitência. Lemos que quando São Paulo pregava em Éfeso, muitos fiéis que já haviam abraçado a fé, vinham aos pés dos Apóstolos e confessavam seus pecados. Confitetentes et annuntiantes actus suos. Desde o tempo dos Apóstolos até nós, sempre foi observada a prática deste augusto Sacramento. A Igreja Católica condenou em todo tempo como herético quem quer que tivesse a ousadia de negar esta verdade. Não há ninguém que tenha podido se dispensar disso. Ricos e pobres, servos e senhores, reis, monarcas, imperadores, sacerdotes, bispos, os mesmos Sumos Pontífices, todos devem se ajoelhar aos pés de um ministro sagrado para obter o perdão daquelas culpas que, porventura, tenham cometido após o Batismo. Mas, que tristeza! quantos cristãos se aproveitam mal deste Sacramento! Alguns se aproximam sem fazer o exame de consciência, outros se confessam com indiferença, sem dor ou sem propósito; outros, então, silenciam coisas importantes na confissão, ou não cumprem as obrigações impostas pelo confessor. Estes tomam a coisa mais santa e mais útil a fim de se servirem para a ruína de si mesmos. Santa Teresa teve a este respeito uma tremenda revelação. Ela viu que as almas caíam no inferno como a neve cai no inverno sobre as costas das montanhas. Assustada com aquela visão, perguntou a Jesus Cristo a explicação, e recebeu como resposta que aqueles iam à perdição por causa das confissões mal feitas em suas vidas.
Para nos animar a irmos nos confessar com plena sinceridade, consideremos que o sacerdote, que nos espera no tribunal de penitência, nos espera em nome de Deus e em nome de Deus perdoa os pecados dos homens. Se houvesse um réu condenado à morte por grave delito, e no ato de ser conduzido ao patíbulo se apresentasse a ele o ministro do rei dizendo: Sua culpa está perdoada; o rei lhe concede a graça da vida, e o acolhe entre seus amigos, e para que você não duvide do que digo, aqui está o decreto que me autoriza a revogar a sentença de morte, quais sentimentos de gratidão e amor não expressaria este culpado para com o rei e para com seu ministro! Isso acontece exatamente conosco. Nós somos verdadeiros culpados que, pecando, merecemos a pena eterna do inferno. O ministro do Rei dos reis, em nome de Deus, no tribunal de penitência nos diz: Deus me manda a vós para absolver-vos de vossas culpas, para fechar-vos o inferno, abrir-vos o Paraíso, para restituir-vos a amizade com Deus. Para que vocês não duvidem da faculdade que me foi dada, aqui está um decreto assinado pelo mesmo Jesus Cristo, que me autoriza a revogar de vocês a sentença de morte. O decreto é expresso assim: Aqueles a quem perdoardes os pecados, são perdoados; aqueles a quem os retiverdes, são retidos. Quorum remiseritis peccata, remittuntur eis, quorum retinueritis, retenta sunt. Com que estima e veneração devemos nos aproximar de um ministro que, em nome de Deus, pode nos fazer tanto bem e nos impedir tanto mal!
Um motivo, então, todo especial deve nos animar a relatar toda culpa ao confessor, e é que, em ocasião de Jubileu, ele tem a faculdade de absolver de qualquer pecado, mesmo reservado. Quem tiver incorrido em censuras, excomunhões e outras penas eclesiásticas pode ser absolvido por qualquer confessor, sem recorrer nem ao Bispo nem ao Papa.
Nem nos mantenha longe da confissão o temor de que o confessor vá revelar a outros as coisas ouvidas na confissão. Não, isso nunca foi no passado, nem nunca será no futuro. Um bom pai, sem dúvida, mantém sob segredo as confidências de seus filhos. O confessor é um verdadeiro pai espiritual; portanto, mesmo humanamente falando, ele mantém sob rigoroso segredo o que lhe revelamos. Mas há mais; um preceito absoluto, natural, eclesiástico e divino obriga o confessor a calar qualquer coisa ouvida na confissão. Mesmo que se tratasse de impedir um grave mal, de libertar a si mesmo e todo o mundo da morte, ele não pode usar uma informação obtida na confissão, a menos que o penitente lhe conceda expressa faculdade de falar sobre isso. Vai, portanto, ó cristão, vai frequentemente a este amigo; quanto mais frequentemente fores a ele, mais te assegurarás de caminhar pelo caminho do céu; quanto mais frequentemente fores a ele, mais terás sempre confirmado o perdão de teus pecados, e mais terás assegurada aquela felicidade eterna prometida por aquele mesmo Jesus Cristo, que deu um tão grande poder a seus ministros. Não te deixes deter pela multidão, nem pela gravidade das culpas. O sacerdote é ministro da misericórdia de Deus, que é infinita. Portanto, ele pode absolver qualquer número de pecados, por mais graves que sejam. Levemos apenas o coração humilhado e contrito, e então certamente teremos o perdão. Cor contritum et humiliatum, Deus, non despicies:
ORAÇÃO
Ó meu Jesus, que morreste na cruz por mim, eu vos agradeço de todo coração, por não me terdes feito morrer em pecado; desde este momento eu me converto a vós, prometo deixar o pecado e observar fielmente os vossos mandamentos por todo o tempo que me deixardes em vida. Estou arrependido de vos ter ofendido; para o futuro quero amar-vos e servir-vos até a morte. Virgem Santíssima, minha Mãe, ajudai-me naquele último momento da vida. Jesus, José, Maria, que minha alma descanse em paz convosco! — Três Pai Nossos, Ave Maria e Glória ao Pai.
VISITA À SEGUNDA IGREJA. A santa Comunhão
Compreendes, ó cristão, o que significa fazer a santa comunhão? Significa aproximar-se da mesa dos anjos para receber o corpo, o sangue, a alma e a divindade de nosso Senhor Jesus Cristo, que é dado em alimento à nossa alma sob as espécies do pão e do vinho consagrados. Na Missa, no momento em que o sacerdote profere sobre o pão e o vinho as palavras da consagração, o pão e o vinho se tornam corpo e sangue de Jesus Cristo. As palavras usadas pelo nosso divino Salvador ao instituir este Sacramento são: Este é o meu corpo, este é o meu sangue: Hoc est corpus meum, hic est calix sanguinis mei.
Essas palavras são usadas pelos sacerdotes em nome de Jesus Cristo no sacrifício da Santa Missa. Portanto, quando vamos fazer a Comunhão, recebemos o mesmo Jesus Cristo em corpo, sangue, alma e divindade, isto é, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, vivo como está no céu. Não é a sua imagem, nem mesmo a sua figura, como é uma estátua, um crucifixo; mas é o próprio Jesus Cristo como nasceu da Imaculada Virgem Maria e por nós morreu na cruz. O próprio Jesus Cristo nos assegurou sua real presença na santa Eucaristia quando disse: Este é o meu corpo, que será dado para a salvação dos homens: Corpus quod pro vobis tradetur. Este é o pão vivo que desceu do Céu: Hic est panis vivus qui de coelo descendit. O pão que eu darei é a minha carne. A bebida que eu darei é o meu verdadeiro sangue. Quem não come deste meu corpo e não bebe deste sangue não tem em si a vida.
Jesus, tendo instituído este Sacramento para o bem de nossas almas, deseja que nos aproximemos dele frequentemente. Eis as palavras com as quais ele nos convida: «Vinde a mim todos, vós que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei: Venite ad me omnes qui laboratis et onerati estis, et ego reficiam vos. Em outro lugar, ele dizia aos hebreus: Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram; mas aquele que come o alimento figurado no maná, aquele alimento que eu dou, aquele alimento que é o meu corpo e o meu sangue, ele não morrerá eternamente. Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue habita em mim e eu nele; porque a minha carne é um verdadeiro alimento, e o meu sangue uma verdadeira bebida.» Quem poderia resistir a esses amorosos convites do divino Salvador? Para corresponder a esses convites, os cristãos dos primeiros tempos iam todos os dias ouvir a palavra de Deus e todos os dias se aproximavam da santa comunhão. É neste sacramento que os mártires encontravam sua fortaleza, as virgens seu fervor, os santos sua coragem.
E nós com que frequência nos aproximamos deste alimento celeste? Se examinarmos os desejos de Jesus Cristo e a nossa necessidade, devemos comungar com bastante frequência. Assim como o maná serviu de alimento corporal aos hebreus todos os dias durante o tempo que viveram no deserto até serem conduzidos à terra prometida, assim a santa Comunhão deveria ser nosso conforto, o alimento diário nos perigos deste mundo para nos guiar à verdadeira terra prometida do Paraíso. Santo Agostinho diz assim: Se todos os dias pedimos a Deus o pão corporal, por que não procuramos também nos alimentar todos os dias do pão espiritual com a santa Comunhão? São Filipe Néri encorajava os cristãos a se confessarem a cada oito dias e a comungarem ainda mais frequentemente, conforme o conselho do confessor. Finalmente, a santa Igreja manifesta o vivo desejo da frequente Comunhão no Concílio de Trento, onde diz: “Seria coisa sobremaneira desejável que todo fiel cristão se mantivesse em tal estado de consciência que pudesse fazer não só espiritualmente, mas sacramentalmente a santa comunhão sempre que assistisse à santa Missa.”
Alguém dirá: Eu sou muito pecador. Se você é pecador, procure se colocar em graça com o Sacramento da Confissão, e então aproxime-se da santa Comunhão, e você terá grande ajuda. Outro dirá: Eu comungo raramente para ter maior fervor. E isso é um engano. As coisas que se fazem raramente, na maioria das vezes, são feitas mal. Por outro lado, sendo frequentes suas necessidades, frequente deve ser o socorro para a sua alma. Alguns acrescentam: Estou cheio de enfermidades espirituais e não me atrevo a comungar frequentemente. Responde Jesus Cristo: Aqueles que estão bem não precisam do médico; portanto, aqueles que estão mais sujeitos a incômodos, precisam ser frequentemente visitados pelo médico. Coragem, portanto, ó cristão, se queres fazer a ação mais gloriosa a Deus, a mais agradável a todos os santos do céu, a mais eficaz para vencer as tentações, a mais segura para te fazer perseverar no bem, ela é certamente a santa Comunhão.
ORAÇÃO
Por que, ó meu Jesus, a vossa Igreja, minha mãe, quer que eu me rejubile neste ano? Há talvez um motivo de alegria maior do que em outros tempos? Ah! O estar Vós aqui na terra, o poder nos unir a Vós na santa Comunhão não é um motivo acima de todos os outros para nos fazer rejubilar continuamente? Para mim, não vejo outra coisa que alegre meu coração fora de Vós, verdadeiro esposo da Igreja triunfante, único consolador e fortificador da Igreja militante. Mas como então se estabeleceu destinar a alegria a um ano em particular? Ah, meu Jesus, infelizmente não damos o valor que deveríamos a este grande bem da Comunhão! Infelizmente nos esquecemos facilmente deste incompreensível tesouro, pelo qual a vossa esposa, nossa mãe tão terna, é obrigada de quando em quando a despertar nossa atenção para nos fazer voltar a Vós. Eis, aqui está o porque ela quer que eu me rejubile. Não quer que eu me rejubile apenas neste ano, mas por meio disso quer me chamar a Vós, de quem nunca deveria ter-me afastado. Ah! Ligai-me a Vós na santa comunhão com tal vínculo que jamais se desfaça eternamente. Três Pai Nosso, Ave Maria e Glória ao Pai.
VISITA À TERCEIRA IGREJA. A esmola
Um meio muito eficaz, mas bastante negligenciado pelos homens para ganhar o paraíso é a esmola. Por esmola eu entendo qualquer obra de misericórdia exercida em relação ao próximo por amor a Deus. Deus diz na santa Escritura que a esmola obtém o perdão dos pecados, mesmo que sejam em grande quantidade: Charitas operit multitudinem peccatorum. O divino Salvador diz no Evangelho assim: Quod superest date pauperibus. O que sobrar das suas necessidades, dê aos pobres. Quem tem duas vestes, que dê uma ao necessitado, e quem já tem além do necessário, que compartilhe com quem tem fome (Lucas 3). Deus nos assegura que tudo o que fazemos pelos pobres, Ele considera como feito a si mesmo: Jesus Cristo diz que tudo o que fizerdes a um dos meus irmãos mais necessitados, a mim o fizestes (Mateus 25). Desejais então que Deus vos perdoe os pecados e vos liberte da morte eterna? Fazei esmola. Eleemosyna ab omni peccato et a morte liberat. Quereis impedir que vossa alma vá às trevas do inferno? Fazei esmola. Eleemosyna non partietur animam ire ad tenebras (Tb 4). Portanto, Deus nos assegura que a esmola é um meio eficacíssimo para obter o perdão dos nossos pecados, nos fazer encontrar misericórdia aos seus olhos e nos conduzir à vida eterna. Eleemosyna est quae purgat a peccato, facit invenire misericordiam et vitam aeternam.
Se, portanto, desejas que Deus tenha misericórdia de ti, começa a usá-la em relação aos pobres. Dirás: eu faço o que posso. Mas presta atenção que o Senhor te diz para dar aos pobres tudo o que é supérfluo: quod superest date pauperibus. Por isso eu te digo que são supérfluos aqueles gastos e aqueles aumentos de riquezas que fazes de ano em ano. Supérflua aquela sofisticação que procuras para os objetos da mesa, dos almoços, dos tapetes, das roupas que poderiam servir para quem tem fome, para quem tem sede, e para cobrir os nus. Supérfluo aquele luxo nas viagens, nos teatros, nos bailes e em outros divertimentos onde se pode dizer que vai acabar o patrimônio dos pobres.
Parece oportuno notar aqui a interpretação que alguns dão ao preceito do supérfluo, não certamente segundo as palavras de Jesus Cristo: É um conselho, dizem eles, portanto, dada uma parte do supérfluo em esmola, podemos gastar o resto à nossa vontade. Eu respondo que o Salvador não fixou nenhuma parte; suas palavras são positivas, claras e sem distinção: Quod superest date pauperibus. Dá o supérfluo aos pobres. Para que então cada um fosse persuadido de que a severidade de seu comando era motivada pelo abuso que muitos fazem e pelo qual correm o grave risco de se perder eternamente; quis acrescentar estas outras palavras: É mais fácil que um camelo passe pelo buraco de uma agulha do que um rico se salve, condenando assim os vãos pretextos com os quais os possuidores de bens temporais tentam se isentar de dar o supérfluo aos pobres.
Alguém então diz com verdade: Eu não tenho riquezas. Se não tens riquezas, dá o que podes. Além disso, não te faltam meios e modos de fazer esmola. Não há enfermos para visitar, para assistir, para cuidar? Não há jovens abandonados para acolher, instruir, abrigar em tua casa, se puderes, ou pelo menos levá-los aonde possam aprender a ciência da salvação? Não há pecadores para admoestar, indecisos para aconselhar, aflitos para consolar, brigas para acalmar, ofensas para perdoar? Vê com quantos meios podes fazer esmola e merecer a vida eterna! Além disso, não podes fazer alguma oração, alguma confissão, comunhão, rezar um rosário, ouvir uma missa em sufrágio das almas do purgatório, pela conversão dos pecadores, ou para que os infiéis sejam iluminados e cheguem à fé? Não é também uma grande esmola mandar às chamas livros perversos, difundir livros bons e falar o quanto puderes em honra da nossa santa Igreja Católica?
Outro motivo ainda que deve induzir-te a dar esmola é aquele que o Salvador menciona no Santo Evangelho. Ele diz assim: Vós não dareis aos pobres um copo de água fresca, sem que o Pai celeste vos dê a recompensa. De tudo o que derdes aos pobres, tereis o cêntuplo na vida presente e uma recompensa na vida eterna. De modo que dar alguma coisa aos pobres na vida presente é multiplicar, ou seja, é dar a mútuo de cem por um também na vida presente, e Deus reserva para nós a plena recompensa na outra vida.
Eis a razão pela qual se veem tantas famílias dando copiosas esmolas de todos os lados e crescendo sempre de riquezas em riquezas e de prosperidade em prosperidade. A razão é Deus: dai aos pobres, e vos será dado: date, et dabitur vobis. Ser-vos-á dado o cêntuplo na vida presente, e a vida eterna na outra: centuplum accipiet in hac vita et vitam aeternam possidebit.
ORAÇÃO
Ó meu Jesus, estou plenamente convencido da necessidade que tenho de dar esmola, mas como farei eu, se de bens verdadeiros, ou seja, espirituais, tenho tal penúria que mal consigo viver? Como orarei eu pelos infiéis e pelos hereges, se mal acredito nas verdades ensinadas pela vossa santa Igreja? Como orarei pelos pecadores, se eu mesmo amo o pecado? Como orarei pela Vossa Igreja, pelo Vosso Vigário, se quase só consigo perceber que eles são perseguidos, pois estou tão cego pelas ocupações mundanas? Ah, Senhor! pelo vosso Sagrado Coração, eu vos imploro que me façais um pouco de esmola, me deis um pouco daquela caridade que animava os vossos primeiros discípulos, daquela caridade que fervia nos corações dos santos João Esmoler, Francisco Xavier, Vicente de Paulo; então sim, tudo o que eu tenho será de todos os meus irmãos, e, por quanto depende de mim, celebrarei verdadeiramente o ano do jubileu, partilhando com quem não tem os bens que de Vós recebi, para que assim eu goze e me rejubile com as vossas riquezas. Três Pai Nosso, Ave Maria e Glória ao Pai.
VISITA À QUARTA IGREJA. Pensamento da salvação
Aos olhos da fé, o pensamento da salvação é a coisa mais essencial, mas diante do mundo é a mais negligenciada. Portanto, ó cristão, enquanto estás nesta igreja, dirige teu olhar para um Crucifixo e ouve o que Jesus te diz. Ele solta sua língua e te fala assim: uma coisa só, ó homem, te é necessária: salvar a alma: unum est necessarium. Se você adquire honras, glória, riquezas, ciências e depois não salva a alma, tudo está perdido para ti. Quid prodest homini si mundum universum lucretur, animae vero suae detrimentum patiatur? (Mateus 16,26).
Esse pensamento determinou tantos jovens a deixar o mundo, tantos ricos a distribuir aos pobres suas riquezas, tantos missionários a abandonar a pátria, ir a países muito distantes, tantos mártires a dar a vida pela fé. Todos esses pensavam que se perdessem a alma, nada lhes teria servido todos os bens do mundo para a vida eterna. Por esse motivo, São Paulo exortava os cristãos a pensarem seriamente no assunto da salvação: «Nós vos suplicamos, irmãos, ele escreve, para que presteis atenção ao grande negócio da salvação» (1Tessalonicenses 10,4).
Mas de qual negócio fala aqui São Paulo? Ele falava, diz São Jerônimo, daquele negócio que importa tudo, negócio que se vai falhar, é perdido o reino eterno do Paraíso, e não resta mais nada senão ser lançado em uma fossa de tormentos, que não terão mais fim.
Por isso tinha razão São Filipe Néri em chamar de loucos todos aqueles que nesta vida se dedicam a procurar honras e empregos lucrativos, riquezas e pouco se preocupam em salvar a alma. Toda perda de bens, de reputação, de parentes, de saúde, até da vida, pode ser reparada nesta terra; mas com que bem do mundo, com que fortuna se pode reparar a perda da alma? Escuta, ó cristão, é Jesus Cristo que te chama: ouve a sua voz. Ele quer conceder-te misericórdia ou perdão de teus pecados, e a remissão da pena devida pelos mesmos pecados. Mantém, porém, bem fixo na mente que aquele que hoje não pensa em se salvar, corre grave risco de estar amanhã com os condenados no inferno e de estar perdido por toda a eternidade.
Mas considera que neste momento, enquanto estás na igreja, pensando em tua alma, tantos morrem e talvez vão para o inferno. Quantos desde o princípio do mundo até nossos dias morreram de qualquer idade e condição e se foram eternamente perdidos! Pode ser que tivessem vontade de se condenar? Eu não creio que algum deles tivesse essa intenção. O engano foi no adiar sua conversão; morreram em pecado, e agora estão condenados. Fixa bem na mente esta máxima: neste mundo o homem faz muito se se salva, e sabe muito se tem o conhecimento da salvação; mas não faz nada se perde a alma, e nada sabe se ignora aquelas coisas que o podem salvar eternamente.
ORAÇÃO
Ó meu Redentor, vós derramastes o vosso sangue para comprar a minha alma, e eu a perdi tantas vezes com o pecado! Agradeço-vos por me dardes ainda tempo de me colocar em graça convosco. Ó meu Deus, estou arrependido de vos ter ofendido; que eu tivesse morrido antes e nunca tivesse desgostado um Deus tão bom como sois vós. Sim, meu Deus, eu vos ofereço tudo de mim mesmo, escondo as minhas iniquidades nas vossas sacratíssimas chagas, e sei com certeza, ó meu Deus, que vós não sabeis desprezar um coração que se humilha e se arrepende. Ó Maria, refúgio dos pecadores, socorrei um pecador que a vós se recomenda e em vós confia. — Três Pai Nosso, Ave Maria e Glória ao Pai, com a jaculatória: Meu Jesus, misericórdia.
Com permissão da Autoridade eclesiástica.