Brasão de armas do Cardeal Ángel Fernández Artime

Apresentamos o brasão de armas de Sua Eminência Reverendíssima, o Cardeal Ángel FERNÁNDEZ ARTIME SdB, Reitor-Mor da Pia Sociedade de São Francisco de Sales (Salesianos de Dom Bosco).

Todo clérigo que é nomeado pelo papa como cardeal deve compor um brasão para representá-lo.
Um brasão não é apenas uma formalidade tradicional. Ele representa o que há de mais importante para uma pessoa, uma família ou uma instituição e permite a identificação no espaço e no tempo. De acordo com algumas pesquisas, surgiram na época das Cruzadas, quando os cavaleiros cristãos os aplicavam em suas roupas, adereços de cavalos, escudos e estandartes, para reconhecer claramente aliados e adversários. Mais tarde, se diversificaram e foram passados para as famílias nobres e também para a Igreja, tanto que também surgiu uma ciência, a heráldica, que trata de seu estudo.
Na Igreja, os brasões eclesiásticos foram padronizados em 1905, pelo Papa São Pio X, no motu proprio “Inter multiplices curas”. Assim, um brasão eclesiástico é composto por um escudo pessoal (brasão), vários ornamentos externos que refletem as insígnias das dignidades às quais se referem (o do cardeal é um chapéu vermelho com 15 borlas vermelhas) e um lema pessoal, geralmente em latim, como uma declaração de fé. Os elementos do brasão se referem ao nome do titular, suas origens, sua sede e símbolos religiosos que lembram mensagens teológicas e valores espirituais ou resumem ideais de vida e programas pastorais.

BRASONARIA
“De prata, dividido[i] de azul. No I à figura característica de Jesus Bom Pastor, encontrada nas Catacumbas de São Calisto, em Roma, totalmente ao natural[ii]; No II ao monograma MA, de ouro, estampado[iii] por uma coroa do mesmo; no III à âncora de dois ganchos[iv], de prata, com cordão vermelho. O escudo é estampado com um chapéu[v] com cordões e borlas vermelhas. As borlas, em número de trinta, estão dispostas quinze de cada lado, em cinco ordens de 1, 2, 3, 4, 5[vi] , Sob o escudo, na fita de prata, o lema em letras maiúsculas pretas: “SUFFICIT TIBI GRATIA MEA” [BASTA-TE MINHA GRAÇA].

EXEGESE
“O homem medieval (…) vive em uma ‘floresta de símbolos’. Santo Agostinho disse: o mundo é feito de ‘signa’ e ‘res’, de sinais, isto é, símbolos, e coisas. A ‘res’, que é a verdadeira realidade, permanece oculta; o homem só capta os sinais. O livro essencial, a Bíblia, contém uma estrutura simbólica. A cada personagem, cada evento no Antigo Testamento corresponde um personagem, um evento no Novo Testamento. O homem medieval está constantemente empenhado em ‘decifrar’, o que reforça sua dependência de clérigos, eruditos no campo do simbolismo. O simbolismo preside a arte e, em particular, a arquitetura, onde a igreja é, antes de tudo, uma estrutura simbólica. Ele prevalece na política, onde o peso das cerimônias simbólicas, como a consagração do rei é considerável, onde as bandeiras, as armas e os emblemas são de suma importância. Reina na literatura, onde muitas vezes assume a forma de alegoria”[vii] .
Os gestos e símbolos referem-se, portanto, a algo mais profundo: a uma mensagem, a um valor, a uma ideia que vai além do próprio sinal.

“Na vida humana, sinais e símbolos ocupam um lugar importante. Sendo o homem um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual, exprime e percebe as realidades espirituais por meio de sinais e de símbolos materiais. Como ser social, o homem precisa de sinais e de símbolos para comunicar-se com os outros, pela linguagem, por gestos, por ações. Vale o mesmo para sua relação com Deus”[viii].
Na vida humana, sinais e símbolos ocupam um lugar importante. Sendo o homem um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual, exprime e percebe as realidades espirituais por meio de sinais e de símbolos materiais. Como ser social, o homem precisa de sinais e de símbolos para comunicar-se com os outros, pela linguagem, por gestos, por ações. Vale o mesmo para sua relação com Deus.

“O erudito e famoso heraldista Goffredo di Crollalanza, em Genesi e Storia del Linguaggio Blasonico (1876), entre outras coisas, escreve: «A heráldica teve a cavalaria como seu autor, a necessidade como sua motivação, o troféu como seu propósito, os torneios e as cruzadas como sua ocasião, o campo de batalha como seu berço, a armadura como seu campo, o desenho como seu meio, o símbolo como seu auxiliar, a criação como sua matéria, a ideologia como seu conceito e o brasão como sua consequência.» E acrescenta: «O brasão não é a ilustração; assim como a mente não é a alma, mas a manifestação da alma»”[ix] .

“A heráldica é uma linguagem complexa e particular, composta por uma infinidade de figuras, e o brasão é uma marca que visa enaltecer um feito particular, um fato importante, uma ação a ser perpetuada.”

Essa ciência documental da história foi inicialmente reservada aos cavaleiros e participantes de feitos de armas, sejam eles bélicos ou esportivos, que se tornavam reconhecíveis por seu brasão, colocado no escudo, no capacete, na bandeira e também na gualdrapa, representando a única maneira de se distinguirem uns dos outros.

A heráldica dos cavaleiros foi quase imediatamente imitada pela Igreja, embora as entidades eclesiásticas no período pré-heráldico já tivessem seus próprios sinais distintivos, tanto que, quando a heráldica surgiu no século XII, essas figuras assumiram as cores e a aparência daquela simbologia.

Em nosso tempo, a heráldica eclesiástica é viva, atual e amplamente utilizada. Para um prelado, entretanto, o uso de um brasão hoje deve ser definido como um símbolo, uma figura alegórica, uma expressão gráfica, uma síntese e uma mensagem de seu ministério.

Deve-se lembrar que os eclesiásticos sempre foram proibidos de exercer a milícia e portar armas, e por isso o termo ‘escudo’ ou ‘armadura’ próprio da heráldica não deveria ter sido adotado; no entanto, deve-se dizer que, até recentemente, os eclesiásticos usavam o brasão de sua família, muitas vezes desprovido de qualquer simbolismo religioso.

O próprio simbolismo da Igreja Romana é extraído do Evangelho e é representado pelas chaves dadas por Cristo ao apóstolo Pedro.

A heráldica eclesiástica em nosso tempo é viva, atual e amplamente utilizada. Para um cardeal, o uso de um brasão hoje deve ser definido como um símbolo, uma figura alegórica, uma expressão gráfica, uma síntese e uma mensagem de seu ministério”[x] .

No primeiro período, os brasões eclesiásticos tinham o escudo estampado pela mitra com as ínfulas esvoaçantes; com o passar do tempo, no entanto, o chapéu prelatício com os cordões e as várias ordens de borlas ou laços, de diferentes números de acordo com a dignidade, todos em verde (se bispos, arcebispos e patriarcas), todos em vermelho (se cardeais da Santa Igreja Romana), foi consolidado no topo do escudo.

Também observamos que a “Instrução sobre as vestes, títulos e brasões de cardeais, bispos e prelados inferiores”, de 31 de março de 1969, assinada pelo Cardeal Secretário de Estado Hamlet Cicognani, declara textualmente no Artigo 28: “É permitido aos cardeais e aos bispos o uso do brasão de armas. A configuração desse brasão deve estar em conformidade com as normas que regulam a heráldica e ser adequadamente simples e claro. Tanto o báculo quanto a mitra devem ser removidos do brasão”[xi].

Logo no Artigo 29, é especificado que os cardeais têm permissão para ter seu brasão afixado na fachada da igreja que lhes foi atribuída como título ou diaconia.

Os excelentíssimos e reverendíssimos bispos estampam, na verdade, o escudo, preso a uma cruz processional simples (com uma barra transversal), dourada, trifoliada, colocada em uma haste, com o chapéu, cordões e borlas verdes. As borlas, em número de doze, estão dispostas seis de cada lado, em três ordens de 1, 2, 3.

Os excelentíssimos e reverendíssimos arcebispos estampam o escudo, preso a uma cruz patriarcal processional de ouro, trifoliada, colocada em haste, com o chapéu, cordões e borlas de verde. As borlas, em número de vinte, estão dispostas dez de cada lado, em quatro ordens de 1, 2, 3, 4.

Os excelentíssimos e reverendíssimos Patriarcas estampam o escudo, preso a uma cruz patriarcal processional de ouro, trifoliada, colocada em uma haste, com o chapéu, cordões e borlas de verde. As borlas, em número de trinta, estão dispostas quinze de cada lado, em cinco ordens de 1, 2, 3, 4, 5[xii].

Os mais eminentes e reverendos cardeais da Santa Igreja Romana estampam o escudo, preso a uma cruz patriarcal processional de ouro, trifoliada, colocada em uma haste, com o barrete, cordões e borlas de vermelho. As borlas, em número de trinta, estão dispostas quinze de cada lado, em cinco ordens de 1, 2, 3, 4, 5.

Diz-se que a origem e o uso de chapéus verdes para patriarcas, arcebispos e bispos derivou da Espanha, onde, na Idade Média, os prelados usavam um chapéu verde. É por isso que os escudos dos bispos, arcebispos e patriarcas são estampados com um chapéu verde.

Em 1245, no Concílio de Lion, o Papa Inocêncio IV (1243-1254) concedeu aos cardeais um chapéu vermelho, como um distintivo especial de honra e reconhecimento entre outros prelados, para ser usado ao cavalgar pela cidade. Ele o prescreveu em vermelho para admoestá-los a estarem sempre prontos para derramar seu sangue para defender a liberdade da Igreja e do povo cristão. E é por esse motivo que, desde o século XIII, os cardeais estampam seu escudo com um chapéu vermelho, adornado com cordões e borlas da mesma cor.

Por fim, o Eminentíssimo e Reverendíssimo Cardeal Camerlengo da Santa Igreja Romana usa o escudo com o mesmo chapéu que os outros cardeais, mas estampado com a bandeira papal, durante munere [ao exercer o ofício], ou seja, durante a vacância da Sé Apostólica. A bandeira papal ou estandarte papal, também chamado de basílica, tem a forma de um grande guarda-sol com triângulos vermelhos e amarelos e com os pingentes cortados em vaio e de cores contrastantes, sustentado por uma haste em forma de lança com um travessão e atravessado pelas chaves papais, uma de ouro e outra de prata, decussadas, encostadas uma na outra, com as pontas voltadas para cima, amarradas com fita vermelha.

As mesmas cores de verde ou vermelho também devem ser usadas na tinta dos selos e brasões apostos aos documentos, estes últimos com os sinais convencionais prescritos para indicar as cores.

A brasonaria – descrição heráldica – do Cardeal Ángel FERNÁNDEZ ARTIME SdB não traz o escudo preso a uma cruz processional dourada, colocada em uma haste, porque ele não é bispo. Ele será consagrado à ordem episcopal no ano que vem, depois que deixar o serviço como Reitor-Mor dos Salesianos de Dom Bosco; naquela ocasião ao seu escudo será anexado a uma cruz processional, colocada em uma haste.

Ao longo dos séculos, o Antigo e o Novo Testamento, a Patrística, as legendas dos Santos e a Liturgia ofereceram à Igreja os mais variados temas para seus símbolos, destinados a se tornarem figuras heráldicas.

Esses símbolos quase sempre fazem alusão a tarefas pastorais ou apostólicas de institutos eclesiásticos, tanto seculares quanto regulares, ou tendem a indicar a missão do clero, lembram antigas tradições de adoração, memórias de santos padroeiros, piedosas devoções locais.

OS ESMALTES
Uma das regras fundamentais que regem a heráldica afirma que aquele que tem menos tem mais, no que diz respeito à composição dos esmaltes, figuras e posições do escudo.
E as armas que examinaremos agora são compostas pelos metais ouro e prata e pelas cores azul e vermelho.

Portanto, buscar o próprio brasão, o verdadeiro, poder erguê-lo como estandarte, com o qual timbrar as próprias cartas, compreender plenamente seus símbolos, não é, de alguma forma, buscar a si mesmo, a própria imagem, a própria dignidade?
É assim que um ato, que poderia ser lido apenas formalmente, pode adquirir um significado simbólico e altamente significativo.

Então ouro, prata, azul e vermelho são os esmaltes que aparecem no brasão de armas do Eminentíssimo Cardeal Ángel FERNÁNDEZ ARTIME SdB, mas que símbolos esses esmaltes contêm e emitem, que mensagens eles transmitem à humanidade, muitas vezes atordoada, agora no século XXI?

Os “metais”, ouro e prata, recordam heraldicamente as antigas armaduras dos cavaleiros que, de acordo com seu grau de nobreza, eram de fato douradas ou prateadas; além disso, o ouro é um símbolo da realeza divina, enquanto a prata faz alusão a Maria. A “cor” azul lembra o mar que os cruzados atravessaram em seu caminho para a Terra Santa, enquanto a “cor” vermelha, que foi considerada por muitos heraldistas como a primeira entre as cores das armas, representa o sangue vivo derramado pelos cruzados.

Analisando mais especificamente o simbolismo heráldico dos “esmaltes”, lembramos que, entre os “metais”, o ouro representa a Fé entre as virtudes, o sol entre os planetas, o leão entre os signos do zodíaco, julho entre os meses, domingo entre os dias da semana, o topázio entre as pedras preciosas, a adolescência até os vinte anos entre as idades do homem, o girassol entre as flores, o sete entre os números e ele mesmo entre os metais; a prata representa a Esperança entre as virtudes, a lua entre os planetas, Câncer entre os signos do zodíaco, junho entre os meses, segunda-feira entre os dias da semana, a pérola entre as pedras preciosas, a água entre os elementos, a infância até os sete anos entre as idades do homem, o fleumático entre os temperamentos, o lírio entre as flores, o dois entre os números e ela mesma entre os metais.

Entre as “cores”, o azul claro simboliza a Justiça entre as virtudes, Júpiter entre os planetas, Touro e Libra entre os signos do zodíaco, abril e setembro entre os meses, terça-feira entre os dias da semana, safira entre as pedras preciosas, ar entre os elementos, verão entre as estações, infância até os quinze anos entre as idades do homem, colérico entre os temperamentos, rosa entre as flores, seis entre os números e estanho entre os metais, enquanto o vermelho, Caridade entre as virtudes teologais, Marte entre os planetas, Áries e Escorpião entre os signos zodiacais, março e outubro entre os meses, quarta-feira entre os dias da semana, rubi entre as pedras preciosas, fogo entre os elementos, outono entre as estações, virilidade até os cinquenta anos entre as idades do homem, sanguíneo entre os temperamentos, cravo entre as flores, três entre os números e cobre entre os metais.

O vermelho: “é também uma lembrança do Oriente e das expedições ao exterior, além de demonstrar justiça, crueldade e raiva. Ignescunt irae [eles queimam de raiva], disse Virgílio. Finalmente, como foi consagrado a Marte pelos antigos, significa impulsos intrépidos, grandiosos e fortes. Os espanhóis chamam o campo vermelho de “sangriento”, ou sangrento, porque ele traz à mente as batalhas que travaram contra os mouros. Encontramos um nome semelhante na Alemanha em blütige Fahne, vexillum cruentum [bandeira sangrenta], um campo totalmente vermelho sem qualquer figura, indicando direitos de realeza, e encontrado nas armas da Prússia, Anhalt, etc. O vermelho é, juntamente com o azul, uma das duas cores mais usadas no brasão de armas, mas é encontrado com mais frequência nas armas das famílias borgonhesas, normandas, gascões, bretões, espanholas, inglesas, italianas e polonesas… Nas bandeiras, o vermelho representa ousadia e coragem e parece ter sido adotado no início pelos adoradores do fogo[xiii].

 Entre as “cores”, “ao natural” é “uma figura reproduzida em sua cor natural (ou seja, como aparece na natureza) e não como um esmalte heráldico”[xiv] .

Gostaríamos de salientar que também foi necessário criar sinais convencionais para entender e identificar os “esmaltes” do escudo quando o brasão é reproduzido em selos e impressões em preto e branco. Assim, os heraldistas, ao longo do tempo, usaram vários sistemas; por exemplo, escreveram nos vários campos ocupados pelos esmaltes a inicial da primeira letra correspondente à cor do esmalte, ou identificaram as cores inscrevendo as sete primeiras letras do alfabeto ou, ainda, reproduziram, nos campos do esmalte, os sete primeiros números cardinais.

No século XVII, o heraldista francês Vulson de la Colombière propôs sinais convencionais especiais para reconhecer a cor dos esmaltes em escudos reproduzidos em preto e branco. O heraldista Padre Silvestre di Pietrasanta, da Companhia de Jesus, foi o primeiro a utilizá-los em sua obra Tesserae gentilitiae ex legibus fecialium descriptae, difundindo assim seu conhecimento e uso.

Esse sistema de classificação, que ainda é usado atualmente, identifica o vermelho com linhas perpendiculares grossas, o azul com horizontais, o verde com diagonais da esquerda para a direita, o roxo com diagonais da direita para a esquerda e o preto com horizontais e verticais cruzadas, enquanto o dourado é pontilhado e o prateado sem hachuras.

Para representar a cor “au naturel” [ao natural], alguns heraldistas preveem outros sinais convencionais, mas pretendemos adotar a tese do heraldista Goffredo di Crollalanza, em que, para a cor “ao natural”, depois de lembrar que ela pode ser colocada sobre o metal e sobre a cor indiferentemente, sem infringir a lei da sobreposição de esmaltes, ele esclarece que ela é expressa[xv] em desenhos deixando a peça em branco e sombreando a figura nos locais apropriados.

Também era dessa opinião o ilustre heraldista Arcebispo Bruno Bernard Heim, que nos brasões pontifícios dos Papas João XXIII e João Paulo I que ele desenhou, naqueles reproduzidos em preto e branco, no chefe patriarcal de Veneza retrata o leão de São Marcos sem nenhum sinal convencional, na presença de um chefe patriarcal, dentre os mais famosos e belos.

AS FIGURAS

Jesus, o Bom Pastor
A figura de Jesus, o Bom Pastor, responde a uma profunda aspiração do homem antigo. Os judeus viam Deus como o verdadeiro pastor que guia seu povo. Moisés, por sua vez, havia recebido a tarefa de ser o pastor e guia de seu povo. Os gregos conheciam a imagem do pastor em um grande jardim, carregando uma ovelha nos ombros. O jardim lembra o paraíso.

Os gregos associam o pastor ao seu anseio por um mundo puro e não corrompido. Em muitas culturas, o pastor é uma figura paterna, um pai cuidadoso com seus filhos, uma imagem da preocupação paterna de Deus com a humanidade.

Os primeiros cristãos fazem da aspiração de Israel e da Grécia a sua própria aspiração. Jesus é, como Deus, o pastor que conduz seu povo à vida. Os cristãos da cultura helenística associam a figura do bom pastor à de Orfeu, o cantor divino. Seu canto domava feras ferozes e ressuscitava os mortos. Orfeu geralmente é retratado em uma paisagem idílica, cercado por ovelhas e leões.

Para os cristãos helenísticos, Orfeu é uma figura de Jesus. Jesus é o cantor divino que, com suas palavras, torna pacífico o que há de selvagem e feroz em nós e revive o que está morto. Jesus, apresentando-se no evangelho de João como o bom pastor, realiza as imagens arquetípicas da salvação contidas na alma humana sob as imagens do pastor. Essa figura, no escudo, precisamente por causa de seu significado, é carregada na postura principal.

Monograma de Maria Auxiliadora
Esse monograma, MA, estampado com uma coroa, todo em ouro, simboliza Maria Auxiliadora, a Nossa Senhora de Dom Bosco. Depois do nome de Jesus, não há nome mais doce, mais poderoso, mais consolador do que o de Maria; um nome diante do qual os anjos se curvam em reverência, a terra se alegra, o inferno treme.

São João Bosco confidenciou certa vez a um de seus primeiros salesianos, o P. João Cagliero, grande missionário na América Latina e futuro cardeal, que “Nossa Senhora quer que a honremos com o título de Auxílio dos Cristãos”, acrescentando que: “Os tempos são tão tristes que precisamos da Virgem Santa para nos ajudar a preservar e defender a fé cristã”.

Esse título mariano, na verdade, já existia desde o século XVI nas Ladainhas Lauretanas e o Papa Pio VII instituiu a festa de Maria Auxiliadora em 1814 e a fixou em 24 de maio, em sinal de ação de graças, pelo retorno a Roma, naquele dia aclamado pelo povo, após o exílio decretado por Napoleão. Mas foi graças a Dom Bosco e à construção do Santuário de Maria Auxiliadora, em Turim Valdocco – desejada pela própria Nossa Senhora, que apareceu em uma visão ao Santo, indicando que queria ser honrada no lugar exato onde morreram os primeiros mártires de Turim, Aventor, Otávio e Solutor, soldados cristãos da Legião Tebana – que o título de Auxiliadora voltou a ser corrente na Igreja. O P. Lemoyne, secretário particular do santo, em sua monumental biografia, escreve textualmente: “O que parece claro e irrefutável é que entre Dom Bosco e Nossa Senhora havia certamente um pacto. Todo o seu gigantesco trabalho foi feito não só em colaboração, mas também em associação com a Virgem Maria”.

Dom Bosco, portanto, recomendou a seus salesianos que difundissem a devoção a Nossa Senhora, sob o título de Auxílio dos Cristãos, onde quer que estivessem no mundo. Mas Dom Bosco não deixou a devoção a Maria Auxiliadora apenas à devoção espontânea; deu-lhe estabilidade com uma Associação que tomou o seu nome. Testemunhas diretas viram na Associação dos Devotos de Maria Auxiliadora uma das iniciativas mais queridas de Dom Bosco e de maior ressonância, depois das duas congregações religiosas (Salesianos e Filhas de Maria Auxiliadora) e da Associação dos Cooperadores.

De fato: “não foi Dom Bosco que escolheu Maria; foi Maria que, enviada por seu Filho, tomou a iniciativa de escolher Dom Bosco e de fundar, por meio dele, a obra salesiana, que é sua obra, ‘seu negócio’, para sempre”[xvi] .

A âncora
O âncora lembra, em primeiro lugar, que o Cardeal Ángel FERNÁNDEZ ARTIME SdB é filho de um pescador do mar da Espanha.

Depois, é preciso lembrar que “o brasão salesiano é uma condensação de estímulos essenciais para qualificar todo verdadeiro filho de Dom Bosco”. São João Bosco também quis que as virtudes teologais fossem representadas no escudo: para a Fé, a estrela; para a Esperança, a âncora e para a Caridade, o coração. Poderia parecer ausente do brasão salesiano a presença indispensável de Maria Auxiliadora, de quem – dizia Dom Bosco – deriva tudo o que é salesiano. Mas o próprio Fundador, e todos os primeiros coirmãos, sempre identificaram nos símbolos da âncora, da estrela e do coração, também a referência a Jesus e à sua Mãe; e este é outro aspecto da densidade significativa que o brasão encerra”[xvii].

De fato, a vida e as ações do salesiano são uma expressão: de sua fé, a estrela brilhante; de sua esperança, a grande âncora; e de sua caridade pastoral, o coração ardente.

A âncora, na heráldica, simboliza a constância[xviii]. “Instrumento usado na navegação mediterrânea, já na antiguidade se atribuía importância a ela como símbolo do deus do mar. A âncora prometia estabilidade e segurança e, portanto, tornou-se o símbolo da fé e da esperança. Empregada inicialmente em imagens de túmulos pré-cristãos como indicação profissional e como marcador de túmulos de marinheiros, devido à sua forma de cruz, tornou-se no início do cristianismo um símbolo disfarçado da redenção”[xix].

Assim como o homem, também o símbolo é o que foi para ser autenticamente o que será.
Portanto, é necessário fazer memória e ter esperança nessa fonte riquíssima e inesgotável, da qual ainda é possível tirar proveito para nossos dias.

Jorge ALDRIGHETTI

Brasonaria e exegese do heraldista Jorge Aldrighetti de Chioggia (Veneza), membro ordinário do Istituto Araldico Genealogico Italiano [Instituto Heráldico Genealógico Italiano]. Miniaturas do heraldista Enzo Parrino de Monterotondo (Roma).


[i] Divisória heráldica que consiste em um escudo dividido em três seções, de dois esmaltes diferentes, obtidas por duas linhas curvas que, a partir do ponto médio da parte superior do escudo, atingem os pontos médios das duas abas laterais do escudo. (L. Caratti di Valfrei, Dictionary of Heraldry, Milão 1997, p. 50. verbete Cappato.

[ii] “Trata-se de uma figura reproduzida em sua cor natural (ou seja, como aparece na natureza) e não como um esmalte heráldico” (Ibid., p. 18, entrada em natural).

[iii] “São todas as diferentes ornamentações externas de um brasão, colocadas acima de um escudo”. Nesse caso, sobre o monograma). (Ibid., p: 203, carimbo de entrada).

[iv] “Eles são os grampos da âncora” (La Caratti di Valfrei, Dictionary of Heraldry, cit., p. 211, verbete hooks).

[v] Chapéu prelatício, um sinal de dignidade eclesiástica, representado com um gorro hemisférico e aba redonda e plana característico do galero, um cocar de aba larga usado desde o final da Idade Média até tempos recentes por cardeais e outros prelados. Usado como um adorno externo não litúrgico do escudo. Ele assume cores diferentes e é adornado com cordas das quais um ou mais arcos geralmente pendem em forma de pirâmide em ambos os lados; a dignidade e o papel desempenhado pelo portador podem ser deduzidos do número de arcos e dos esmaltes do conjunto. (A. Cordero Lanza di Montezemolo-A. Pompili, Manuale di Araldica Ecclesiastica, cit., p. 116, entrada sobre o chapéu prelatício).

[vi] Os mais eminentes e reverendos cardeais da Santa Igreja Romana estampam seu escudo – preso a uma cruz processional de ouro, trifoliada, colocada em uma haste, se tiverem consagração episcopal – com seu chapéu, cordas e borlas vermelhas. As borlas, em número de trinta, estão dispostos quinze de cada lado, em cinco ordens de 1, 2, 3, 4, 5.

[vii] Jacques Le Goff, The Medieval Man, Bari 1994, p. 34.

[viii] Catecismo da Igreja Católica, Cidade do Vaticano 1999, n.1146.

[ix] A. Cordero Lanza di Montezemolo – A. Pompili, Manuale di Araldica Ecclesiastica, cit., p. 18.

[x] P. F. degli Uberti, Gli Stemmi Araldici dei Papi degli Anni Santi, Ed. Piemme, s. d

[xi] de L’Osservatore Romano, 31 de março de 1969.

[xii] O heraldista Sua Excelência Reverendíssima Bruno Bernard Heim para o Brasão Patriarcal afirma: “Os Patriarcas adornam seu escudo com um chapéu verde do qual descem duas cordas, também verdes, terminando em quinze borlas verdes de cada lado“. (B. B. Heim, The Heraldry of the Catholic Church, Origins, Uses, Legislation, Vatican City 2000, p. 106).

[xiii] G. Crollalanza (di), Enciclopedia heraldico-cavalleresca, Pisa 1886, pp. 516-517, entrada Rosso.

[xiv] L Caratti di Valfrei, Dictionary of Heraldry, Milão 1997, p. 18, entrada em natural.

[xv] A. Cordero Lanza di Montezemolo – A. Pompili, Manuale di Araldica Ecclesiastica, cit., p. 28, entrada Al naturale.

[xvi] Cooperadores de Deus, Roma 1976-1977, Edizioni Cooperatori, p. 69

[xvii] G. Aldrighetti, The Wood and the Roses (O bosque e as rosas). Nosso brasão de armas. Boletim Salesiano, dezembro de 2018.

[xviii] L Caratti di Valfrei, Dictionary of Heraldry, cit., p. 21, entrada Ancora.

[xix] H. Biedermann, Encyclopaedia of Symbols, Milão, 1989, p. 30, entrada Ancora.