Estreia 2025. Ancorados na esperança, peregrinos com os jovens
INTRODUÇÃO: A ESTREIA E SUAS MOTIVAÇÕES
1. O ENCONTRO COM CRISTO NOSSA ESPERANÇA PARA RENOVAR O SONHO DE DOM BOSCO
1.1 O Jubileu
1.2 O aniversário da primeira expedição missionária salesiana
2. O JUBILEU: CRISTO NOSSA ESPERANÇA
2.1 Peregrinos, ancorados na esperança cristã
2.2 A esperança como caminho para Cristo, caminho para a vida eterna
2.3 Características da esperança
2.3.1 A esperança, tensão contínua, pronta, visionária e profética
2.3.2 A esperança é uma aposta no futuro
2.3.3 A esperança não é um fato privado
3. A ESPERANÇA FUNDAMENTO DA MISSÃO
3.1 A esperança é um convite à responsabilidade
3.2 A esperança requer coragem da comunidade cristã na evangelização
3.3 «Da mihi animas»: o “espírito” da missão
3.3.1 As atitudes do enviado
3.3.2 Reconhecer, Repensar e Relançar
4. UMA ESPERANÇA JUBILAR E MISSIONÁRIA QUE SE TRADUZ NA VIDA CONCRETA E COTIDIANA
4.1 A esperança, força na vida cotidiana que requer testemunho
4.2 A esperança é a arte da paciência e da espera
5. A ORIGEM DA NOSSA ESPERANÇA: EM DEUS COM DOM BOSCO
5.1……………………………………………………………………………………………………… Deus é a origem da nossa esperança
5.1.1 Um breve aceno ao sonho
5.1.2 Dom Bosco, “gigante” da esperança
5.1.3 Características da esperança em Dom Bosco
5.1.4 Os “frutos” da esperança em Dom Bosco
5.2 A fidelidade de Deus: até o fim
6. COM… MARIA, ESPERANÇA E PRESENÇA MATERNA
INTRODUÇÃO: A ESTREIA E SUAS MOTIVAÇÕES
Queridas irmãs e queridos irmãos pertencentes aos diversos grupos da Família Salesiana de Dom Bosco, uma saudação muito cordial a todos no início deste novo ano de 2025!
Não é sem emoção que me dirijo a todos e a cada um de vocês neste tempo de graça marcado por dois eventos importantes para a vida da Igreja e da nossa Família: o Jubileu de 2025, iniciado solenemente no último dia 24 de dezembro com a abertura da porta santa da Basílica de São Pedro no Vaticano, e o 150º aniversário da primeira expedição missionária desejada pelo nosso pai Dom Bosco, que partiu em 11 de novembro de 1875 para a Argentina e outros países do Continente americano.
Os dois importantes eventos têm o seu ponto de encontro na esperança. De fato, ao proclamar o Jubileu, o Papa Francisco indicou precisamente essa virtude como perspectiva; igualmente, a experiência missionária é prenúncio de esperança para todos: para aqueles que partiram (e continuam a partir) e para aqueles que foram alcançados pelos missionários.
O ano que nos é dado apresenta-se, pois, rico em ideias para o nosso crescimento concreto e cotidiano, a fim de que a nossa humanidade seja fecunda na atenção aos outros… Isso só acontecerá nos corações que colocam Deus no centro, a ponto de poderem dizer: «Coloquei-Te antes de mim».
Tentarei ressaltar esses elementos neste meu comentário, para aprofundar em chave carismática o que a Igreja é convidada a viver neste ano e evidenciar o que para nós, Família de Dom Bosco, deve guiar-nos para novos horizontes.
1. O ENCONTRO COM CRISTO NOSSA ESPERANÇA PARA RENOVAR O SONHO DE DOM BOSCO
O título da Estreia envolve o enlace de dois eventos: o jubileu ordinário do ano 2025 e o 150º aniversário da primeira expedição missionária enviada por Dom Bosco à Argentina.
A coincidência, que ouso definir “providencial”, dos dois eventos faz de 2025 um ano decididamente extraordinário para todos nós, e ainda mais para os Salesianos de Dom Bosco. De fato, em fevereiro, março e abril será celebrado o 29º Capítulo Geral, que levará, entre outras coisas, à eleição do novo Reitor-Mor e do novo Conselho Geral.
Eventos globais e especiais, portanto, que nos envolvem de diferentes maneiras e que queremos vivenciar com profundidade e intensidade. Porque é justamente através desses eventos que podemos experimentar a alegria de ir ao encontro de Cristo e a importância de permanecer ancorados na esperança.
1.1 O Jubileu
«Spes non confundit! A esperança não engana!».[1]
É assim que o Papa Francisco apresenta o Jubileu. Que maravilha! Que indicação “profética”!
O Jubileu é uma peregrinação para colocar Jesus Cristo novamente no centro das nossas vidas e da vida do mundo. Pois Ele é a nossa esperança. Ele é a esperança da Igreja e do mundo inteiro!
Todos nós estamos cientes de que o mundo atual tem necessidade dessa esperança que nos coloca em relação com Jesus Cristo e com os demais nossos irmãos e irmãs. Faz-se necessária a esperança que nos torna peregrinos, nos põe em movimento e nos faz caminhar.
Falamos da esperança como de uma redescoberta da presença de Deus. O Papa Francisco escreve: «A esperança encha o coração!»[2] A esperança não só aqueça o coração, mas encha-o, encha-o até transbordar!
1.2 O aniversário da primeira expedição missionária salesiana
Foi dessa esperança transbordante que há 150 anos encheram-se os corações dos participantes da primeira expedição missionária salesiana à Argentina.
Dom Bosco, desde Valdocco, lança o seu coração para além de todas as fronteiras, enviando os seus filhos ao outro lado do mundo! Envia-os para além de qualquer segurança humana, envia-os para dar continuidade ao que ele começara. Põe-se em caminho com os outros, esperando e incutindo esperança. Ele simplesmente os envia, e os primeiros (jovens) irmãos partem e vão. Para onde? Nem mesmo eles sabem! Mas confiam na esperança e obedecem. Porque é a presença de Deus a nos guiar.
Nessa obediência, cheia de entusiasmo, a nossa esperança atual encontra nova energia e impele-nos a caminhar como peregrinos.
Por isso, este aniversário deve ser comemorado; ele ajuda-nos a reconhecer um dom (não uma conquista pessoal, mas um dom gratuito do Senhor), permite-nos recordar e, a partir da memória, ganhar forças para enfrentar e construir o futuro.
Vivamos hoje, pois, fazendo com que esse futuro seja possível, e façamo-lo da única maneira que consideramos grande: compartilhando com os jovens e com todas as pessoas em nossos ambientes (a começar pelos mais pobres e esquecidos) a viagem para encontrar Cristo, nossa única Esperança.
2. O JUBILEU: CRISTO NOSSA ESPERANÇA
Jubileu é caminhar juntos, ancorados em Cristo, nossa esperança. Mas o que isso realmente significa?
Retomo alguns elementos da Bula de Proclamação do Jubileu 2025 que destacam algumas características da esperança.
2.1 Peregrinos, ancorados na esperança cristã
Estamos convencidos de que nada nem ninguém nos pode separar de Cristo, pois é n’Ele que queremos e devemos agarrar-nos, ancorar-nos. Não podemos caminhar sem a nossa âncora.
A âncora da esperança é o próprio Cristo, que na cruz, na presença do Pai carrega os sofrimentos e as feridas da humanidade.[3]
A âncora tem a forma da cruz, razão pela qual também foi retratada nas catacumbas para simbolizar a pertença dos fiéis defuntos a Cristo Salvador.
Esta âncora já está firmemente conectada ao porto da salvação. A nossa tarefa é amarrar nela a nossa vida, a corda que prende o nosso barco à âncora de Cristo.
Navegamos nas ondas agitadas do mar e precisamos ancorar-nos em algo sólido. Mas a tarefa já não é lançar a âncora e prendê-la ao fundo do mar. A tarefa é prender o nosso barco à corda que, por assim dizer, pende do Céu, onde a âncora de Cristo está firmemente fixada. Agarrando-nos a essa corda, prendemo-nos à âncora da salvação e tornamos certa a nossa esperança.
A esperança é certa quando o barco da nossa vida se prende à corda que nos liga à âncora fixada em Cristo crucificado, que está à direita do Pai, ou seja, na comunhão eterna do Pai, no amor do Espírito Santo.[4]
Tudo isso é bem expresso na oração litúrgica da Solenidade da Ascensão do Senhor:
«Deus todo-poderoso, fazei-nos exultar de santa alegria e fervorosa ação de graças, pois na ascensão de Cristo nossa humanidade foi elevada junto a vós e, tendo Ele nos precedido como nossa cabeça, nos chama para a glória como membros do seu corpo».[5]
O escritor e político tcheco Václav Havel define a esperança como um estado de espírito, uma dimensão da alma. Ela não depende de uma observação prévia do mundo, não se trata de uma previsão.
Byung-Chul Han acrescenta: «A esperança é uma orientação do coração que transcende o mundo imediato da experiência, é uma ancoragem em algum lugar além do horizonte. As raízes da esperança estão no transcendente: é por isso que não é a mesma coisa ter Esperança e ficar satisfeito porque as coisas caminham bem. Podemos pensar que ter esperança é simplesmente querer sorrir para a vida a fim de que ela, por sua vez, sorria de volta, mas não se trata disso; devemos ir mais fundo, precisamos mover-nos com a corda que nos leva à âncora.
A esperança é a capacidade de cada um de nós trabalhar por alguma coisa que se deve fazer, não porque essa alguma coisa será um sucesso garantido. Pode fracassar, pode dar errado: não esperamos que tudo corra bem, não somos otimistas. Trabalhamos para que isso aconteça. Eis porque a esperança não é igual a otimismo. A esperança não é o convencimento de que alguma coisa dará certo, mas a certeza de que ela faz sentido independentemente do seu resultado.
Fazer alguma coisa porque faz sentido: é nisso que consiste a esperança, que implica valores e pressupõe a fé. É isso que lhe dá a força para viver e nos dá a força para ainda experimentar alguma coisa de novo, e de novo, mesmo na desesperança».[6]
Mas como se pode caminhar permanecendo ancorados? A âncora pesa sobre você, restringe-o, fixa-o. Para onde leva esse caminho? Leva à eternidade.
2.2 A esperança como caminho para Cristo, caminho para a vida eterna
A promessa de vida eterna, justamente pela forma como é feita, não contorna o caminho da vida, não é um salto para o alto, não propõe entrar num foguete que se desprende da terra e voa para o espaço deixando no chão a estrada, a poeira do caminho, nem deixa o barco, sem nós, à deriva no mar.
Essa promessa é precisamente uma âncora fixada no eterno, mas a ela permanecemos presos por uma corda que mantém firme o barco que atravessa o mar. E é justamente o fato de estar fixada no céu a permitir que o barco não permaneça parado no meio do mar, mas avance em meio às ondas.
Se a âncora de Cristo ancorasse o homem no fundo do mar, ficaríamos parados onde estamos, talvez acomodados, sem problemas, mas ainda assim, sem navegar, sem avançar. Todavia, a própria ancoragem da vida no Céu esteja a significar que a promessa que desperta a nossa esperança não interrompe o caminho, não nos dá a segurança de um refúgio onde fechar-nos e deter-nos, mas dá-nos a certeza de caminhar e continuar o caminho. A promessa de uma meta precisa, que Cristo já alcançou para nós, torna firme e decisivo cada passo no caminho da vida.
É importante entender o Jubileu como uma peregrinação, como um convite para pôr-se em movimento, para sair de si e ir a Cristo.
Jubileu sempre foi sinônimo de caminhada. Se você realmente deseja Deus, deve mover-se, deve caminhar. Porque o desejo de Deus, o anseio por Deus leva-o a encontrá-Lo e, ao mesmo tempo, leva a encontrar a si mesmo e aos outros.
«Nós nascemos e jamais morreremos».[7]
É belo e significativo o título da biografia da Serva de Deus Chiara Corbella Petrillo. Belo, porque a nossa vinda ao mundo é orientada para a vida eterna. A vida eterna é uma promessa que rompe a porta da morte, abrindo-nos ao “face a face com Deus”, para sempre. A morte é uma porta que se fecha e, ao mesmo tempo, uma porta que se abre de par em par para o encontro definitivo com Deus!
Sabemos como era vivo em Dom Bosco o desejo do céu, proposto e compartilhado com alegria com os jovens do Oratório.
2.3 Características da esperança
2.3.1 A esperança, tensão contínua, pronta, visionária e profética
Gabriel Marcel,[8] chamado de o filósofo da esperança, ensina que a esperança é encontrada na trama de uma experiência contínua; ter esperança é dar crédito a uma realidade como portadora de futuro.
Eric Fromm[9] escreve que a esperança não é espera passiva, mas tensão contínua e constante. É como um tigre agachado que salta no momento exato.
Ter esperança é estar atento a cada momento em tudo o que ainda não aconteceu. As virgens que aguardavam o noivo com lâmpadas acesas tinham esperança, Dom Bosco tinha esperança diante das dificuldades e ajoelhava-se para rezar.
A esperança está pronta quando tudo está prestes a nascer. Ela está vigilante, atenta, à escuta, capaz de guiar na criação de algo novo, dando vida ao futuro na Terra. Por isso, ela é “visionária e profética”, concentra a nossa atenção no ainda inexistente; é ela quem ajuda a dar à luz algo de novo.
2.3.2 A esperança é uma aposta no futuro
Sem esperança não há revolução, não há futuro, há apenas um presente feito de otimismo estéril.
Costuma-se pensar que quem tem esperança é um otimista, enquanto o pessimista é essencialmente o seu oposto. Não é assim que acontece. É importante não confundir esperança com otimismo. A esperança é muito mais profunda, pois não depende de humores, sentimentos ou sentimentalismo. A essência do otimismo é a positividade inata. O otimista vive convencido de que, de alguma forma, as coisas vão melhorar. Para o otimista, o tempo está fechado, não contempla o futuro: tudo dará certo e basta.
Paradoxalmente, também para o pessimista, o tempo está fechado: ele se vê preso no presente como numa prisão, negando tudo sem se aventurar em outros mundos possíveis. O pessimista é tão teimoso quanto o otimista, ambos são cegos para as possibilidades, porque para eles o possível é estranho, falta-lhes paixão pelo possível.
Ao contrário de ambos, a esperança aposta no que pode ir além do que poderia ser.
E mais, o otimista (assim como o pessimista) não age, porque qualquer ação implica um risco e, como ele não quer correr riscos, fica parado, não quer fazer a experiência do fracasso.
A esperança, por outro lado, busca, tenta encontrar uma direção, dirige-se para o que não conhece, estabelece um rumo para coisas novas. Essa é a peregrinação do cristão.
2.3.3 A esperança não é um fato privado
Todos nós carregamos esperanças em nossos corações. Não é possível não ter esperança, mas também é verdade que podemos iludir-nos, considerando perspectivas e ideais que nunca serão realizados, que são apenas ilusões e imagens enganadoras.
Grande parte da nossa cultura, especialmente ocidental, está repleta de falsas esperanças que iludem e destroem ou podem arruinar irreparavelmente a existência de indivíduos e sociedades inteiras.
De acordo com o pensamento positivo, basta substituir os pensamentos negativos por pensamentos positivos para viver mais feliz. Com esse mecanismo simples, os aspectos negativos da vida são completamente omitidos e o mundo aparece como um mercado de Amazon, que nos fornecerá o que quisermos graças à nossa atitude positiva.
Em conclusão, se a nossa disposição de pensar positivamente fosse suficiente para sermos felizes, então cada um seria o único responsável da própria felicidade.
Paradoxalmente, o culto à positividade isola as pessoas, torna-as egoístas e destrói a empatia, porque as pessoas só se preocupam consigo mesmas e não se importam com o sofrimento alheio.
A esperança, ao contrário do pensamento positivo, não evita a negatividade da vida, não isola, mas une e reconcilia, porque o protagonista da esperança não sou eu, concentrado no meu ego, entrincheirado exclusivamente em mim mesmo, o segredo da Esperança somos nós.
Por isso, irmãos da Esperança são o Amor, a Fé e a Transcendência.
3. A ESPERANÇA FUNDAMENTO DA MISSÃO
3.1 A esperança é um convite à responsabilidade
A esperança é um dom e, como tal, deve ser transmitido àqueles que encontramos pelo caminho.
São Pedro afirma claramente: «Estai sempre prontos para responder a quem vos pedir a razão da vossa esperança».[10] Ele convida-nos a não ter medo, a agir na vida de todos os dias, a dar razão – quanto espírito salesiano nesta palavra “razão”! – da esperança. Trata-se de uma responsabilidade do cristão. Se somos mulheres e homens de esperança, isso se vê logo!
«Dar razão da esperança que está em nós», torna-se anúncio da ‘boa nova’ de Jesus e do seu Evangelho.
Mas por que é preciso responder a quem nos pergunta sobre a esperança que está em nós? E por que sentimos necessidade de recuperar a esperança?
Na Bula de Proclamação do Jubileu Spes non confundit, o Papa Francisco lembra que «todos, na realidade, sentem a necessidade de recuperar a alegria de viver, porque o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26), não pode contentar-se com sobreviver ou ir vivendo nem cse conformar com o tempo presente, satisfazendo-se com realidades apenas materiais. Isto fecha-nos no individualismo e corrói a esperança, gerando uma tristeza que se aninha no coração, tornando-nos amargos e impacientes».[11]
É uma observação impressionante porque descreve toda a tristeza que respiramos em nossas sociedades e comunidades. É uma tristeza disfarçada de falsa alegria, aquela que é constantemente anunciada, prometida e garantida pela mídia, pela publicidade, pela propaganda dos políticos, por tantos falsos profetas do bem-estar. Contentar-se com o bem-estar impede-nos de abrir-nos para um bem muito maior, muito mais verdadeiro, muito mais eterno: aquele que Jesus e os apóstolos chamam de “a salvação da alma, a salvação da vida”; um bem pelo qual Jesus nos convida a não ter medo de perder a vida, os bens materiais, as falsas seguranças que, muitas vezes, desmoronam num instante.
Sobre estas “perguntas”, mais ou menos expressas (também pelos jovens), temos a tarefa de “dar razão”. O que eu desejo para os jovens e para todas as pessoas que encontro em meu caminho? O que eu gostaria de pedir a Deus por eles? Como gostaria que Ele mudasse as suas vidas?
Há apenas uma resposta: a vida eterna. Não só a vida eterna como o estado sublime que podemos alcançar após a morte, mas a vida eterna possível aqui e agora, a vida eterna como Jesus a define: «a vida eterna é esta: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste».[12] Ou seja, uma vida definida, iluminada pela comunhão com Cristo e, por meio d’Ele, com o Pai.
A nós, cabe acompanhar as gerações mais jovens no caminho rumo à vida eterna, na ação educativa que nos distingue. Ação que para nós, Família Salesiana, é missão. E o que move a nossa missão? Sempre Cristo, nossa esperança.
De fato, a missão educativa tem a esperança no seu centro.
Em última análise, a esperança de Deus nunca é esperança só para si. É sempre esperança para os outros: não nos isola, mas nos une e encoraja a educar-nos reciprocamente na verdade e no amor.
3.2 A esperança requer coragem da comunidade cristã na evangelização
Coragem e esperança formam uma combinação interessante. Com efeito, embora seja verdade que é impossível não esperar, é igualmente verdade que para esperar é preciso coragem. A coragem vem de ter o mesmo olhar de Cristo, capaz de esperar contra toda esperança,[13] de ver solução mesmo quando parece não haver saída. E como essa atitude é “salesiana”!
Tudo isso requer a coragem de ser a gente mesmo, de reconhecer a própria identidade no dom de Deus e de investir as energias numa responsabilidade precisa. Conscientes de que o que nos foi confiado não é nosso, mas temos a missão de transmiti-lo às próximas gerações. Esse é o coração de Deus, essa é a vida da Igreja.
Uma atitude que encontramos na primeira expedição missionária.
Considero a referência ao artigo 34 das Constituições dos Salesianos de Dom Bosco muito útil: ele evidencia o que está no cerne do nosso movimento carismático e apostólico. Sugiro que cada um dos grupos da nossa articulada e bela Família se aproprie dos mesmos elementos que ofereço aqui, relendo as respectivas Constituições e Estatutos.
O artigo tem como título: Evangelização e catequese, e diz assim:
«”Esta Sociedade, em seu início, era um simples catecismo”. Também para nós, a evangelização e a catequese são a dimensão fundamental da nossa missão.
Como Dom Bosco, somos chamados todos e em qualquer ocasião, a ser educadores da fé. Nossa ciência mais eminente é, pois, conhecer Jesus Cristo; e a alegria mais profunda, revelar a todos as insondáveis riquezas do seu mistério.
Caminhamos com os jovens para conduzi-los à pessoa do Senhor ressuscitado, a fim de que, descobrindo n’Ele e em seu Evangelho o sentido supremo da própria existência, cresçam como homens novos.
A Virgem Maria é uma presença materna nesta caminhada. Procuramos torná-la conhecida e amada como Aquela que acreditou, ajuda e infunde esperança».
Este artigo representa o coração pulsante que bem delineia, também para esta Estreia, quais são as energias e as oportunidades que se apresentam como cumprimento e realização do “sonho global” inspirado por Deus a Dom Bosco.
Se viver o Jubileu é, antes de tudo, garantir que Jesus esteja e volte a estar em primeiro lugar, o espírito missionário é a consequência desse reconhecido primado, que fortalece a nossa esperança e se traduz naquela caridade educativa e pastoral que faz com que a pessoa de Jesus Cristo seja anunciada a todos. Esse é o coração da evangelização e distingue a autêntica missão.
É importante lembrar o início da primeira encíclica de Bento XVI, Deus caritas est:
«Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo».[14]
Portanto, prioritário e fundamental é o encontro com Cristo, não a “simples” difusão de uma doutrina, mas uma profunda experiência pessoal de Deus que nos leva a comunicá-Lo, fazê-Lo conhecer e experimentar, tornando-nos verdadeiros “mistagogos” da vida dos jovens.
3.3 «Da mihi animas»: o “espírito” da missão
Dom Bosco mantinha sempre diante dos olhos uma frase que os jovens podiam ler quando passavam pela sua sala, uma expressão que impressionou particularmente Domingos Sávio: “Da mihi animas cetera tolle”.
Há, neste lema, um equilíbrio fundamental que une as duas prioridades que guiaram a vida de Dom Bosco – e que chamamos significativamente de “graça de unidade” – que nos permitem salvaguardar sempre a interioridade e a ação apostólica.
Se faltar o amor de Deus no coração, como poderá haver verdadeira caridade pastoral? E, ao mesmo tempo, se o apóstolo não descobriu o rosto de Deus no seu próximo, como dizer que ama a Deus?
O segredo de Dom Bosco está em que ele viveu pessoalmente o singular «movimento de caridade para com Deus e para com os irmãos»[15]que caracteriza o espírito salesiano.
3.3.1 As atitudes do enviado
São dois os sonhos-chave da vida de Dom Bosco, que evidenciam as atitudes do apóstolo, daquele que é enviado:
- o “sonho dos nove anos”, em que Jesus e Maria pedem a Joãozinho que se torne humilde, forte e robusto com a obediência e a ciência, recomendando sempre a bondade para conquistar o coração dos jovens e mantendo sempre Maria como sua mestra e guia;
- o “sonho do caramanchão de rosas” que aponta para a “paixão” na vida salesiana que exige ter os “bons calçados” da mortificação e da caridade.
3.3.2 Reconhecer, Repensar e Relançar
Celebrar os 150 anos da primeira expedição missionária de Dom Bosco é um grande dom para
- Reconhecer e agradecer a Deus.
O reconhecimento torna evidente a autoria de toda bela realização. Sem a gratidão, não há disposição para a aceitação. Sempre que deixamos de reconhecer um dom em nossa vida pessoal e institucional, corremos o sério risco de anulá-lo e “apropriar-nos” dele”.
- Repensar, porque “nada é para sempre”.
A fidelidade sempre envolve a capacidade de mudar, na obediência, para uma visão que vem de Deus e da leitura dos “sinais dos tempos”. Nada é para sempre; do ponto de vista pessoal e institucional, a verdadeira fidelidade é a capacidade de mudar, de conhecer a quê coisa o Senhor chama cada um de nós.
Repensar, então, torna-se um ato generativo, em que fé e vida se unem; é o momento em que se pergunta: Senhor, o que queres dizer para nós com esta pessoa, com esta situação à luz dos sinais dos tempos que, para serem lidos, requerem o próprio coração de Deus?
- Relançar, recomeçar a cada dia.
A gratidão leva a olhar para o futuro e aceitar os novos desafios, relançando a missão com esperança. A missão é levar a esperança de Cristo com a consciência lúcida e clara, ligada à fé, que faz reconhecer que aquilo que vejo e vivo “não é coisa minha”.
4. UMA ESPERANÇA JUBILAR E MISSIONÁRIA QUE SE TRADUZ NA VIDA CONCRETA E COTIDIANA
4.1 A esperança, força na vida cotidiana que requer testemunho
Santo Tomás de Aquino diz que «Spes introducit ad caritatem»,[16] a esperança prepara e predispõe a nossa vida, a nossa humanidade, à caridade. Uma caridade que também é justiça, ação social.
A esperança precisa dar testemunho. Estamos no centro da missão, porque missão não é, antes de tudo, fazer coisas, mas é o testemunho de alguém que viveu uma experiência e a relata. A testemunha é portadora de uma memória, ela suscita perguntas naqueles que a encontram, causa admiração.
O testemunho de esperança requer uma comunidade, é trabalho de um sujeito coletivo e é contagioso, assim como é contagiosa a nossa humanidade, porque o testemunho é um vínculo com o Senhor.
A esperança no testemunho da missão deve ser construída de geração em geração, entre adultos e jovens: esse é o caminho do futuro. Em nossa cultura, o consumismo devora o futuro, a ideologia do consumo extingue tudo no “aqui e agora”, no “tudo e já”. Entretanto, você não pode consumir o futuro, não pode apropriar-se do que é diferente de você, não pode apropriar-se do outro.[17]
Na construção do futuro, a esperança é a capacidade de prometer e cumprir promessas… algo esplêndido e raro no nosso mundo. Prometer é esperar, colocar em movimento, e é por isso que – como se disse – a esperança é o caminho, é a energia mesma do caminho.
4.2 A esperança é a arte da paciência e da espera
Toda vida, todo dom, tudo, precisa de tempo para crescer. O mesmo acontece com os dons de Deus que precisam de tempo para amadurecer. Aí está porque em nosso tempo, quando se quer tudo e já no nosso “consumo” do tempo e da vida, somos convidados a dar fôlego e força à virtude da paciência, porque a esperança se realiza na paciência.[18] A esperança e a paciência estão, de fato, intimamente unidas.
A esperança envolve a capacidade de saber esperar, de esperar o crescimento, como se dissesse que “uma virtude atrai a outra”!
Para que a esperança seja realidade e se manifeste em sentido pleno, é necessário ter paciência. Nada se manifesta de forma milagrosa, porque tudo está sujeito à lei do tempo. A paciência é a arte do agricultor que semeia e sabe esperar que a semente semeada cresça e dê frutos.
A esperança começa em nós como espera e é exercida como espera conscientemente vivida em nossa humanidade. A espera é uma dimensão muito importante da experiência humana. O homem sabe como esperar, o homem está sempre em uma dimensão de espera, porque ele é a criatura que vive no tempo de modo consciente.
A espera humana é a verdadeira medida do tempo, uma medida que não é numérica, nem cronológica. Nós nos acostumamos a calcular a espera, a dizer que ‘esperamos uma hora’, que ‘o trem está cinco minutos atrasado’, que ‘a Internet nos fez esperar quatorze intermináveis’ segundos antes de responder ao nosso clique, mas quando a medimos dessa forma, distorcemos a espera, fazemos dela uma coisa, um fenômeno separado de nós mesmos e daquilo que estamos esperando. É como se a espera fosse algo a sé, em si, sem relação. Todavia, a espera – estamos no ponto crucial – é relação, é dimensão do mistério da relação.
Só quem tem esperança tem paciência. Só quem tem esperança é capaz de “amparar” e “dar apoio” a todas as circunstâncias que a vida nos traz. Quem suporta espera, espera e é capaz de suportar tudo, porque o seu esforço tem o sentido da espera, tem a tensão da espera, a energia amorosa da espera.
Sabemos que o apelo à paciência e à espera envolve, às vezes, a experiência do cansaço, do trabalho, da dor e da morte.[19] Pois bem, o cansaço, a dor e a morte desmascaram a ilusão de possuir o tempo, o sentido e o valor do tempo, o sentido e o valor da nossa vida. São experiências negativas, mas também positivas, porque o cansaço, a dor e a morte podem ser oportunidades para redescobrir o verdadeiro significado do tempo na vida.
E, mais uma vez, «para dar razão da esperança que há em nós», tornando-se anúncio da “boa nova” de Jesus e do seu Evangelho.
5. A ORIGEM DA NOSSA ESPERANÇA: EM DEUS COM DOM BOSCO
O P. Egídio Viganò ofereceu à Congregação e à Família Salesiana uma interessante reflexão sobre o tema da esperança, inspirando-se na nossa rica tradição e evidenciando algumas características específicas do espírito salesiano, lidas à luz dessa virtude teologal. Ele o fez de modo especial ao comentar o sonho dos dez diamantes de Dom Bosco para as participantes do Capítulo Geral das Filhas de Maria Auxiliadora.[20]
Dada a profundidade do conteúdo proposto, creio ser útil recordar a contribuição do 7º Sucessor de Dom Bosco para lembrar que todos nós somos chamados a sempre viver na perspectiva da esperança.
5.1 Deus é a origem da nossa esperança
5.1.1 Um breve aceno ao sonho
Todos conhecem a narração desse sonho extraordinário que Dom Bosco teve em San Benigno Canavese na noite de 10 para 11 de setembro de 1881. Recordo brevemente a sua estrutura.[21]
O Sonho desenvolve-se em três cenas. Na primeira, o personagem encarna o perfil do Salesiano: na parte anterior de seu manto, há cinco diamantes, três no peito, que são “Fé”, “Esperança” e “Caridade”, e dois nos ombros, que são “Trabalho” e “Temperança”; na parte posterior há outros cinco diamantes, que indicam “Obediência”, “Voto de Pobreza”, “Recompensa”, “Voto de Castidade”, “Jejum”.
O P. Rinaldi chama o personagem dos dez diamantes de «o modelo do verdadeiro Salesiano».
Na segunda cena, o personagem apresenta o modelo adulterado: o seu manto “ficou descolorido, comido pelas traças e desgastado”. No lugar onde os diamantes estavam fixados, havia “um profundo estrago causada por carunchos e outros pequenos insetos”.
Esta cena muito triste e deprimente mostra “o reverso do verdadeiro salesiano”, o anti-Salesiano.
Na terceira cena, aparece «um belo jovem vestido com uma túnica branca trabalhada com fios de ouro e prata […], com aparência majestosa, mas doce e afável». Ele é portador de uma mensagem. Exorta os Salesianos a “escutar”, “compreender”, manter-se “fortes e ardorosos”, “testemunhar” com as palavras e com a vida, “ser prudentes” na aceitação e na formação das novas gerações, fazer crescer saudavelmente a sua Congregação.
As três cenas do sonho são vivas e provocadoras; apresentam uma síntese ágil, personalizada e dramatizada da espiritualidade salesiana. O conteúdo do sonho certamente envolve, na mente de Dom Bosco, um importante quadro de referência para a nossa identidade vocacional.
Pois bem, o personagem do sonho – como se sabe – traz na frente o diamante da esperança, que representa a certeza da ajuda do alto numa vida totalmente criativa, ou seja, comprometida com o planejamento cotidiano das atividades práticas para a salvação, especialmente da juventude. Com os demais símbolos relacionados com as virtudes teologais, surge a fisionomia de um personagem sábio e otimista pela fé que o anima, dinâmica e criativa pela esperança que o move, sempre orante e humanamente bom pela caridade que o reveste.
Correspondendo ao diamante da esperança, encontramos no verso da figura o diamante do “prêmio”. A esperança evidencia visivelmente o dinamismo e a atividade do Salesiano na construção do Reino, a constância dos seus esforços e o entusiasmo do seu empenho baseiam-se na certeza da ajuda de Deus, que se faz presente pela mediação e intercessão de Cristo e de Maria; por sua vez, o diamante do “prêmio” evidencia mais uma atitude constante da consciência que reveste e anima o esforço ascético, segundo a conhecida máxima de Dom Bosco: «Um pedaço de paraíso conserta tudo!».[22]
5.1.2 Dom Bosco, “gigante” da esperança
O Salesiano – dizia Dom Bosco – «está pronto a suportar o calor e o frio, a sede e a fome, o trabalho e o desprezo, sempre que se trate da glória de Deus e da salvação das almas»;[23] o apoio interior dessa exigente capacidade ascética é o pensamento do paraíso como reflexo da boa consciência com que trabalha e vive. «Em todo o nosso ofício, em todo o nosso trabalho, dor ou tristeza, nunca nos esqueçamos de que […] Ele leva em conta a menor coisa feita pelo seu santo nome, e é de fé que, a seu tempo, Ele nos recompensará com abundância. No final da nossa vida, quando nos apresentarmos diante do seu divino tribunal, olhando para nós com um semblante amável, ele nos dirá: “Servo bom e fiel; porque foste fiel no pouco, eu te farei dono de muito; entra no gozo do teu Senhor” (Mt 25,2l)».[24] «Nas dificuldades e nos sofrimentos não esqueças nunca de que teremos no céu um grande prêmio».[25]
O pensamento e a consciência contínua do paraíso são uma das ideias soberanas e um dos valores que impulsionam a espiritualidade típica e também a pedagogia de Dom Bosco. É como iluminar e aprofundar o instinto fundamental da alma que tende vitalmente para o seu fim último.
Em um mundo sujeito à secularização e à perda progressiva do sentido de Deus – especialmente devido à riqueza e a algum progresso – é importante resistir à tentação – para nós e para os jovens com quem caminhamos – que nos impede de elevar o olhar ao céu e não nos faz sentir a necessidade de sustentar e alimentar o esforço da ascese vivido no trabalho cotidiano. Cresce em seu lugar uma visão temporal segundo um horizontalismo mais ou menos elegante, que acredita saber descobrir o ideal de tudo no próprio devir humano e na vida presente. Tudo exatamente o contrário da esperança!
Dom Bosco foi um dos grandes da esperança. Há muitos elementos que o comprovam. O seu espírito salesiano é todo revestido de certezas e da operosidade características desse audacioso dinamismo do Espírito Santo.
Faço uma breve pausa para recordar como Dom Bosco soube traduzir a energia da esperança em sua vida em duas frentes: o compromisso com a santificação pessoal e a missão de salvação para os outros; ou melhor – e aqui está uma característica central do seu espírito – a santificação pessoal por meio da salvação dos outros. Recordemos a famosa fórmula dos três “S”: «Salve, salvando, salva-te».[26] Parece um jogo mnemônico dito de forma muito simples, como um slogan pedagógico, mas é profundo e mostra como os dois lados da santificação pessoal e da salvação dos outros estão estritamente relacionados entre si.
Percebe-se no binômio “trabalho” e “temperança” que a esperança foi vivida por Dom Bosco como planejamento prático e cotidiano de um trabalho incansável de santificação e salvação. Sua fé levou-o a favorecer, na contemplação do mistério de Deus, o seu inefável plano de salvação. Ele vê em Cristo o Salvador da humanidade e o Senhor da história; em sua Mãe, Maria, a Auxiliadora dos cristãos; na Igreja, o grande Sacramento da salvação; em sua própria maturidade cristã e na juventude carente, o vasto campo do “ainda não”. É por isso que o seu coração irrompe no grito: “Da mihi animas”, “Senhor, concede-me salvar a juventude e fica com o resto!” Em seu espírito, o seguimento de Cristo e a missão da juventude fundem-se num único dinamismo teológico que forma a espinha dorsal do todo.
Bem sabemos que a dimensão da esperança cristã une a perspectiva do “já” e do “ainda não”: algo presente e algo em construção, que, no entanto, a partir do hoje começa a manifestar-se, embora “ainda não” em plenitude.
5.1.3 Características da esperança em Dom Bosco
A certeza do “já”
Quando perguntamos à teologia qual é o objeto formal da esperança, ela responde que é a convicção íntima da presença de Deus que ajuda, socorre e assiste; a certeza interior sobre o poder do Espírito Santo; a amizade com o Cristo vitorioso que nos faz dizer com São Paulo: «Tudo posso naquele que me fortalece» (Fl 4,13).
O primeiro elemento constitutivo da esperança é, então, a certeza do “já”. A esperança estimula a fé a exercitar-se na consideração da presença salvadora de Deus nas eventualidades humanas, do poder do Espírito na Igreja e no mundo, da realeza de Cristo sobre a história, dos valores batismais que iniciaram em nós a vida da ressurreição.
O primeiro elemento constitutivo da esperança é, portanto, o exercício da fé sobre a essência de Deus como Pai misericordioso e salvador, sobre o que Jesus Cristo já fez por nós, sobre Pentecostes como o início da era do Espírito Santo, sobre o que já está dentro de nós pelo batismo, pelos sacramentos, pela vida na Igreja e pelo chamado pessoal da nossa vocação.
É preciso refletir que a fé e a esperança se intercambiam em nosso interior, os seus dinamismos se estimulam e complementam reciprocamente e fazem-nos viver no clima criativo e transcendente do poder do Espírito Santo.
A consciência clara do “ainda não”
O segundo elemento constitutivo da esperança é a consciência do “ainda não”. Não parece muito difícil tê-la; Entretanto, a esperança requer uma consciência clara não tanto do que é mau e injusto, mas do que, no tempo, está faltando na estatura de Cristo e, portanto, do que é injusto e pecaminoso, e também do que é imaturo, parcial ou atrofiado na edificação do Reino.
Isto pressupõe, como quadro de referência, um conhecimento claro do plano divino de salvação, em que é inserida a capacidade crítica e de discernimento daquele que espera. Assim, a crítica do homem da esperança não é simplesmente psicológica ou sociológica, mas transcendente, de acordo com a órbita teológica da “nova criatura”; ela também faz uso das contribuições das ciências humanas e as excede em muito.
Com a consciência do “ainda não”, quem tem esperança percebe o que é mau, o que ainda não está maduro, o que é semente do Reino de Deus e esforça-se para fazer o bem crescer e combate o pecado com a perspectiva histórica de Cristo. A capacidade de discernir o “ainda não” é sempre medida pela certeza do “já”. Portanto, e eu diria que especialmente em tempos difíceis, quem espera impele e estimula a sua fé para descobrir os sinais da presença de Deus e as mediações que nos guiam na órbita traçada por Ele. Essa é uma qualidade muito importante hoje: saber identificar as sementes para ajudá-las a desabrochar e crescer.
Como podemos ter esperança se não temos essa capacidade de discernimento? Não basta ser capaz de perceber todo o peso do mal, é preciso também ser sensível à primavera que “brilha ao redor”. Portanto, nestes tempos, que chamamos de difíceis (e o são realmente, comparando-os com os que vivemos anteriormente com certa tranquilidade), A esperança ajuda-nos a perceber que também há muita coisa boa no mundo e que algo está crescendo.
A operosidade salvífica
O terceiro elemento constitutivo da esperança é a sua exigência operativa acompanhada pelo empenho concreto de santificação, criatividade e sacrifício apostólicos. Precisamos colaborar com o “já” em crescimento, urge mover-se para lutar contra o mal em nós e nos outros, especialmente na juventude carente.
O discernimento do “já” e do “ainda não” precisa ser traduzido na prática da vida, abrindo-se a resoluções, projetos, revisões, criatividade, paciência e perseverança. Nem tudo sairá “como esperávamos”: haverá retrocessos, contratempos, quedas, incompreensões. A esperança cristã também participa inerentemente das penumbras da fé.
5.1.4 Os “frutos” da esperança em Dom Bosco
Dos três elementos constitutivos da esperança, que acabei de indicar, derivam alguns frutos particularmente significativos para o espírito salesiano de Dom Bosco.
A alegria
Do primeiro elemento constitutivo – a certeza do “já” – deriva a alegria como o fruto mais característico. Toda esperança verdadeira explode em alegria.
O espírito salesiano assume a alegria da esperança por uma afinidade que lhe é própria. Até mesmo a biologia sugere-nos alguns exemplos disso. A juventude, que é esperança humana (e, portanto, sugere certa analogia com o mistério da esperança cristã), é ávida de alegria. E vemos Dom Bosco que traduz a esperança em atmosfera de alegria para os jovens a salvar. Domingos Sávio, que cresceu à sua escola, costumava dizer: «Nós fazemos a santidade consistir em estar sempre alegres». Não se trata da hilaridade superficial, típica do mundo, mas de um gáudio interior, um substrato de vitória cristã, uma sintonia vital com a esperança, que explode em alegria. Uma alegria que, em última análise, procede das profundezas da fé e da esperança.
Há pouco a fazer. Se estamos tristes, é porque somos superficiais. Entendo que existe uma tristeza cristã: Jesus Cristo experimentou-a. No Getsêmani, a sua alma entristeceu-se até a morte, suou sangue. Trata-se, certamente de outro tipo de tristeza.
Entretanto, a aflição ou a melancolia de uma religiosa que tem a impressão de não ser compreendida por ninguém, que as outras não a levam em consideração, que têm inveja das suas qualidades ou não a compreendem etc., é uma tristeza que não se deve alimentar. Isso deve ser contrastado com a profundidade da esperança: Deus está comigo e me ama; que importa se os outros não me considerem muito?
A alegria no espírito salesiano é um clima cotidiano; vem da fé que espera e da esperança que crê, ou seja, daquele dinamismo do Espírito Santo que proclama em nós a vitória que vence o mundo!… A alegria é indispensável se quisermos dar testemunho autêntico daquilo em que acreditamos e esperamos.
O espírito salesiano é, antes de tudo e sobretudo isso e não uma redução a meras observâncias e mortificações. A esperança também nos levará a fazer muitas mortificações, mas como treinamento de voo e não como tormentos de prisão! Então: da esperança nasce muita alegria!
O mundo procura superar a sua limitação e desorientação com uma vida repleta de sensações excitantes. Cultiva a promoção e a satisfação dos sentidos, o filme pungente, o erotismo, as drogas etc. É a forma de escapar de uma situação transitória que parece não ter sentido, de buscar algo que beira à “caricatura da transcendência”.
A paciência
Outro “fruto” da esperança – que procede da consciência do “ainda não” – é a paciência. Toda esperança comporta um suprimento indispensável de paciência. A paciência é uma atitude cristã, intrinsecamente relacionada com a esperança no seu não breve “ainda não”, com os seus problemas, dificuldades e penumbras. Crer na ressurreição e trabalhar pela vitória da fé, sendo mortal e imerso no transitório, exige uma estrutura interior de esperança que leva à paciência.
A mais sublime expressão da paciência cristã foi vivida por Jesus, sobretudo na sua paixão e morte. É uma paciência fecunda, precisamente por causa da esperança que a anima. Aqui, na paciência, em vez de iniciativa e ação, trata-se da aceitação consciente e da passividade virtuosa que perdura em vista da realização do plano de Deus.
O espírito salesiano de Dom Bosco recorda-nos frequentemente a paciência. Na introdução às Constituições, Dom Bosco lembra-nos, fazendo alusão a São Paulo, que as penas que devemos suportar nesta vida não se comparam à recompensa que nos espera: «Costumava dizer: “Coragem! que a esperança nos sustente, quando a paciência nos poderia faltar»[27] «O que sustenta a paciência deve ser a esperança da recompensa».[28]
Madre Mazzarello também insistia nesse ponto. Fernando Maccono, um de seus primeiros biógrafos, afirma que a esperança sempre a confortava, sustentando-a em seus sofrimentos, enfermidades, dúvidas, e consolou-a na hora da morte: «Sua esperança era muito viva e ativa. Parece-me, testemunhou uma irmã, que a esperança a animasse em tudo e que ela tentasse infundi-la nos outros. Ela exortava-nos a carregar bem as pequenas cruzes diárias e a fazer tudo com grande pureza de intenção».[29]
A esperança é a mãe da paciência e a paciência é a defesa e o escudo da esperança.
A sensibilidade educativa
Do terceiro elemento constitutivo da esperança – a “operosidade salvífica” – surge outro fruto: a sensibilidade pedagógica. É uma iniciativa de empenho adequado, tanto na esfera da própria santificação (seguir a Cristo) quanto na esfera da salvação dos outros (missão). Trata-se de um empenho prático, comedido e constante, traduzido por Dom Bosco em uma metodologia concreta que envolve estas atenções:
- perspicácia (ou santa “esperteza”): quando se trata de tomar iniciativas, resolver problemas, Dom Bosco faz o máximo sem pretender ser perfeccionista, mas com praticidade humilde; ele repetiu muitas vezes a frase: «O ótimo é inimigo do bom»;[30]
- coragem. O mal é organizado, os filhos das trevas agem com inteligência. O Evangelho diz que os filhos da luz devem ser mais astutos e corajosos. Portanto, para trabalhar no mundo, devemos armar-nos de uma prudência genuína, aquela “auriga virtutum” que nos torna ágeis, oportunos e penetrantes na aplicação da verdadeira coragem no bem;
- magnanimidade. Não devemos limitar o nosso olhar às paredes da casa. Fomos chamados pelo Senhor para salvar o mundo, temos uma missão histórica mais importante do que os astronautas ou os homens de ciência… Comprometemo-nos com a libertação integral do homem. Nossas almas devem abrir-se a horizontes mais amplos. Dom Bosco queria que estivéssemos “na vanguarda do progresso” (e ele se referia, quando disse essa frase, aos meios de comunicação social).
Conhecemos a magnanimidade de Dom Bosco em lançar os jovens nas responsabilidades apostólicas; pensemos, por exemplo, nos primeiros missionários que partiram para a América. Tanto os Salesianos como as Filhas de Maria Auxiliadora eram pouco mais que adolescentes!
Dom Bosco movia-se em horizontes vastos. Nem Valdocco nem Mornese lhe bastavam; ele não podia permanecer somente nos limites de Turim, do Piemonte, da Itália ou da Europa. O seu coração palpitava com o da Igreja universal, porque se sentia quase investido da responsabilidade de salvar todos os jovens carentes do mundo. Ele queria os Salesianos sentindo que todos os maiores e mais urgentes problemas juvenis da Igreja eram seus, a fim de estarem disponíveis em toda parte. E, embora cultivasse a magnanimidade dos projetos e iniciativas, era concreto e prático em sua realização, com o senso de gradualidade e a modéstia dos inícios.
A magnanimidade deve sempre brilhar no rosto do Salesiano, como uma nota de simpatia: ele não deve ser alguém teimoso e sem visão, mas ter grandeza de espírito por ter um coração habitado pela esperança.
Péguy, com a sua perspicácia um tanto violenta, escreveu: «Uma capitulação é, em essência, uma operação em que se começa a explicar em vez de realizar. Os covardes sempre foram pessoas de muitas explicações». Deve brilhar sempre no rosto Salesiano, como nota de simpatia, a mística da decisão e o ardor humilde da praticidade. Dom Bosco era resoluto em seu empenho de fazer o bem, mesmo que não pudesse começar com o ótimo; costumava dizer que as suas obras talvez começassem desordenadas para depois tenderem à ordem!
A esperança coloca na fisionomia do Salesiano, juntamente com a profundidade da contemplação, a alegria da filiação divina, o entusiasmo da gratidão e do otimismo (que vêm da “fé”), a coragem da iniciativa, o espírito de sacrifício, a paciência, a sabedoria da gradualidade pedagógica, a utopia da magnanimidade, a modéstia da praticidade, a prudência da astúcia e o sorriso da alegria.
5.2 A fidelidade de Deus: até o fim
Examinamos até agora, o que Dom Bosco e os nossos santos e beatos expressaram claramente em suas vidas. São elementos que nos impelem, pessoalmente e como Família Salesiana, a fazer emergir ou – para usar as palavras do P. Egídio Viganò – a fazer brilhar aquela esperança de que somos chamados a “prestar contas”, especialmente aos jovens e, entre eles, os mais pobres.
Chegou a hora de “dar uma olhada” um pouco além do que é “imediatamente visível” e tentar saber o que aguarda nossa vida e nos dá a coragem de esperar diligentemente enquanto cooperamos com a chegada do “dia do Senhor”.
Retomando, então, a análise sincera e intensa do VII Sucessor de Dom Bosco, concentremos a nossa atenção na perspectiva do “prêmio”.
O diamante do “prêmio” é colocado com outros quatro na parte posterior do manto do personagem do sonho. É quase um segredo, uma força que opera de dentro para fora, dando-nos o impulso e ajudando-nos a apoiar e defender os grandes valores vistos na parte da frente. É interessante notar que o diamante do “prêmio” está colocado abaixo do diamante da “pobreza”, porque certamente tem relação com as “privações” associadas a ela.
Em seus raios estão as seguintes palavras: «Se a grandeza dos prêmios vos atrai, não vos assusteis com a quantidade dos sofrimentos». «Quem sofre comigo, comigo haverá de alegrar-se». «Momentâneo é o que sofremos na Terra, eterno é o que alegrará os meus amigos no Céu».
O verdadeiro Salesiano tem na imaginação, no coração, nos desejos, nos horizontes de vida a visão do prêmio, como plenitude dos valores proclamados pelo Evangelho. Por essa razão «está sempre alegre. Difunde essa alegria e sabe educar à felicidade da vida cristã e ao sentido de festa».[31]
Na casa de Dom Bosco e em nossas casas salesianas falava-se muito do Paraíso. Era uma ideia permanente e onipresente, resumida em alguns ditados famosos: «Pão, trabalho e Paraíso»;[32] «Um pedaço do Paraíso conserta tudo».[33] São frases recorrentes em Valdocco e em Mornese.
Certamente muitas Filhas de Maria Auxiliadora se lembrarão da descrição que a Madre Enrichetta Sorbone fez do espírito de Mornese: «Aqui estamos no paraíso, na casa existe um ambiente de paraíso!».[34] Não era certamente devido às privações ou à falta de problemas. Era como a tradução espontânea, que saltava do coração, da placa que Dom Bosco mandara afixar: «Servite Domino in Laetitia».[35]
Domingos Sávio também havia percebido a mesma atmosfera calorosa e transcendente da vida: «aqui nós fazemos consistir a santidade em estar sempre muito alegres».[36]
As biografias de Domingos Sávio, Francisco Besucco e Miguel Magone mostram que Dom Bosco, mesmo quando descreve a agonia desses meninos, faz questão de evidenciar essa inefável alegria, unida ao genuíno anseio pelo Paraíso. Muito mais do que o horror da morte, os seus meninos sentiam a atração da Páscoa.
O pensamento do prêmio é um dos frutos da presença do Espírito Santo, ou seja, da intensidade da fé, da esperança e da caridade, todas juntas, embora esteja mais estritamente relacionado à esperança… Isso instila no coração uma alegria e um contentamento que vêm do Alto e encontram uma bela sintonia com as tendências inatas do coração humano. Vemo-lo na convivência entre os jovens e as jovens: a juventude sente com mais frescor que o homem nasceu para a felicidade.
Todavia, não temos necessidade nem mesmo de buscá-lo entre os jovens. Peguemos um espelho e olhemos para nós mesmos: basta ouvirmos as batidas do nosso coração. Nascemos para alcançar a felicidade, esperamos por ela ainda que não o confessemos.
A ideia do Paraíso, sempre presente na casa de Dom Bosco, não é uma utopia para ingênuos enganados, não é a cenoura que faz o cavalo andar mais rápido, é a inquietação substancial do nosso ser; e é, sobretudo, a realidade do amor de Deus, da ressurreição de Jesus Cristo em ação na história; é a presença viva do Espírito Santo que nos impele, de fato, para o prêmio.
Dom Bosco não despreza nenhuma alegria dos jovens. Ao contrário, ele a desperta, aumenta, desenvolve. A famosa “alegria”, em que ele faz consistir a santidade, não é apenas uma alegria íntima, escondida no coração como fruto da graça. Ela é a sua raiz, mas também se expressa exteriormente na vida, no pátio e no sentido da festa. Como preparava as solenidades religiosas, os onomásticos, os dias festivos do Oratório! Teve até mesmo o cuidado de organizar a celebração do próprio onomástico, não para si mesmo, mas para criar no ambiente uma atmosfera de alegre gratidão.
Pensemos nas corajosas caminhadas de outono: dois ou três meses para prepará-las, 15 ou 20 dias para vivê-las; depois, as lembranças e os comentários prolongados: uma alegria que se estende ao longo do tempo. Que imaginação e que coragem! De Turim aos Becchi, a Gênova, a Mornese, a muitas cidades do Piemonte, com dezenas e dezenas de jovens… O passeio, o esporte, a música, o canto, o teatro: são elementos substanciais do Sistema Preventivo, que, também como método pedagógico, pressupõe uma espiritualidade adequada e explosiva, fruto de uma fé, esperança e caridade convictas, valores do céu aqui na terra.
O Paraíso sempre aparecia no firmamento de Valdocco, dia e noite, com nuvens ou sem nuvens. Hoje, testemunhar os valores do prêmio é uma profecia urgente para o mundo, especialmente para os jovens. Qual foi a contribuição da civilização técnico-industrial para a sociedade de consumo? Uma enorme possibilidade de conforto e prazer, com uma consequente densa tristeza.
Entre outras coisas, lemos nas Constituições dos Salesianos de Dom Bosco – mas vale para todo cristão – que «o Salesiano [é] um sinal da força da ressurreição» e que «na simplicidade e laboriosidade da vida cotidiana» é «educador que anuncia aos jovens ‘novos céus e nova terra’, estimulando neles os compromissos e a alegria da esperança».[37]
Em Mornese e em Valdocco não havia nem comodidades, nem tirania, e tudo respirava espontaneidade e alegria. Hoje, o progresso técnico facilitou muitas coisas, mas não aumentou a verdadeira alegria humana. Antes, aumentaram a angústia, a náusea, a falta de sentido da existência, o que infelizmente continuamos a detectar – especialmente nas sociedades ricas – com as trágicas estatísticas de suicídios de adolescentes e de jovens.
Hoje, além da pobreza material que ainda aflige uma parcela muito grande da humanidade, torna-se urgente encontrar a forma de fazer com que os jovens percebam o sentido da vida, os ideais mais elevados, a originalidade de Jesus Cristo.
Busca-se a felicidade, tendência humana fundamental, mas não se conhece mais o caminho certo, e aumenta, então, uma imensa desilusão.
Os jovens, devido também à falta de adultos significativos, sentem-se incapazes de lidar com o sofrimento, o dever e o esforço constante. O problema da fidelidade aos ideais e à própria vocação tornou-se crucial. Os jovens sentem-se incapazes de enfrentar o sofrimento e o sacrifício. Vivem em uma atmosfera onde triunfa a dicotomia entre amor e sacrifício, de modo que a busca e a conquista do bem-estar acabam asfixiando a capacidade de amar e, portanto, de sonhar o futuro.
Como dizíamos, o diamante do prêmio está corretamente colocado abaixo do diamante da pobreza, como se quisesse indicar que os dois se complementam e apoiam reciprocamente. De fato, a pobreza evangélica envolve uma visão concreta e transcendente de toda a realidade, com uma visão realista até mesmo das renúncias, dos sofrimentos, dos contratempos, das privações e das penas.
Qual é a energia interior que nos faz enfrentar tudo com confiança e alegria, sem desanimar? Em última análise é a sensação da presença do céu na Terra. Essa sensação procede da fé, da esperança e da caridade, que nos fazem reler a nossa existência sob a ótica do Espírito Santo.
No espírito de Dom Bosco há, então, uma preocupação constante de cuidar da familiaridade com o Paraíso, quase como se fosse o firmamento da mente, o horizonte do coração salesiano: trabalhamos e lutamos na certeza de um prêmio, olhando para a Pátria, a casa de Deus, a Terra Prometida.
É bom ressaltar que a perspectiva do prêmio não consiste, de forma redutiva, na obtenção de uma “recompensa”, de uma espécie de consolo por uma vida vivida em meio a tantos sacrifícios, resistências… Nada disso! Se fosse apenas uma “recompensa”, seria como uma chantagem. Deus, porém, não trabalha dessa forma. Em Seu amor, Ele só pode oferecer ao homem Ele mesmo. Essa – como afirma Jesus – é a vida eterna: o conhecimento do Pai. Onde “conhecer” significa “amar”, tornar-se participante pleno de Deus, em continuidade com a existência terrena vivida “na graça”, ou seja, no amor a Deus e aos irmãos e irmãs.
Nesse caminho, somos convidados a voltar o nosso olhar a Maria, que se faz presente como auxílio cotidiano, como Mãe precursora e auxiliadora. Dom Bosco tinha certeza da sua presença entre nós e queria sinais para nos lembrar disso. Para Ela construiu uma Basílica, centro de animação e difusão da vocação salesiana; queria a sua imagem em nossos ambientes de vida; vinculava todas as iniciativas apostólicas à sua intercessão e comentava com emoção a sua eficácia real e materna. Recordemos, por exemplo, o que disse às Filhas de Maria Auxiliadora na casa de Nizza: «Nossa Senhora está realmente aqui, aqui no meio de vocês! Nossa Senhora caminha por esta casa e a cobre com o seu manto».[38]
Além d’Ela, também buscamos outros amigos na casa de Deus. Os nossos Santos e Beatos, a começar pelos rostos que nos são mais familiares e que fazem parte do chamado “jardim salesiano”.
Não fazemos essas escolhas para dividir a grande casa de Deus em pequenos apartamentos privados, mas para nos sentirmos mais à vontade nela e podermos falar sobre Deus, o Pai, o Filho, o Espírito Santo, Cristo e Maria, a criação e a história, não com a trepidação de quem ouviu uma palestra elevada de um pensador denso, difícil e até hermético, mas com aquele sentimento de familiaridade e simplicidade alegre com que conversamos com aqueles que foram nossos familiares, nossos irmãos e irmãs, nossos colegas e companheiros de trabalho. Alguns deles não conhecemos em vida, mas os sentimos próximos e eles inspiram-nos uma confiança especial. Conversar com São José, com Dom Bosco, com Madre Mazzarello, com o Padre Rua, com Domingos Sávio, com Laura Vicuña, com o Padre Rinaldi, com Dom Versiglia e o Padre Caravario, com a Irmã Teresa Valsè, com a Irmã Eusébia Palomino, com a Irmã Maria Troncatti etc., é realmente um diálogo “de casa”, de família.
É o que o nos sugere o diamante do prêmio: sentir-se em casa com Deus, com Cristo, com Maria, com os santos; sentir a presença deles em casa, numa atmosfera familiar que dá um sentido de Paraíso ao ambiente cotidiano de vida.
6. COM… MARIA, ESPERANÇA E PRESENÇA MATERNA
Concluindo este comentário, não podemos deixar de dirigir o nosso coração e o nosso olhar à Virgem Maria, como nos ensinou Dom Bosco. A esperança exige confiança, capacidade de entregar-se e confiar em si mesmo. Em tudo isso, temos uma guia e uma mestra em Maria Santíssima. Ela testemunha que ter esperança é ter confiança e entregar-se, e isso é tão verdadeiro para a existência quanto para a vida eterna. Nesse caminho, Nossa Senhora toma-nos pela mão, ensina-nos a confiar em Deus, a entregar-nos livremente ao amor transmitido pelo seu Filho Jesus.
A orientação e a “carta de navegação” que ela nos oferece é sempre a mesma: «Fazei tudo o que Ele vos disser».[39] Um convite que aceitamos todos os dias em nossas vidas.
Em Maria, vemos a realização do prêmio. Maria incorpora em si mesma a atrativa e a concretude do prêmio: Ela,
«terminado o curso da vida terrena, foi elevada ao céu em corpo e alma e exaltada por Deus como rainha, para assim se conformar mais plenamente com seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do pecado e da morte».[40]
Podemos ler nos Seus lábios algumas belas expressões de São Paulo. Como são inspiradas pelo Espírito Santo, o Esposo de Maria, certamente são compartilhadas por Ela.
Ei-las:
«Pois é Cristo quem morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou. Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o porvir, Nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor».[41]
Queridas irmãs e queridos irmãos, queridos jovens,
Maria Auxiliadora, Dom Bosco e todos os nossos santos e beatos estão próximos de nós neste ano extraordinário. Sejam eles a acompanhar-nos na vivência profunda das exigências do Jubileu, ajudando-nos a colocar no centro da nossa vida a pessoa de Jesus Cristo, «o Salvador anunciado no Evangelho, que hoje vive na Igreja e no mundo».[42]
Que eles nos encorajem, seguindo o exemplo dos primeiros missionários enviados por Dom Bosco, a sempre e em todos os lugares fazer da nossa vida um dom gratuito para os outros, especialmente os jovens e, entre eles, os mais pobres.
Enfim, um desejo: que este ano faça crescer em nós a oração pela paz, por uma humanidade pacificada. Invoquemos o dom da paz – o shalom bíblico – que contém todos os outros e só se realiza na esperança.
Um abraço fraterno,
P. Stefano Martoglio S.D.B.
Vigário do Reitor-Mor Roma, 31 de dezembro de 2024
[1] Francisco, Spes non confundit. Bula de proclamação do Jubileu Ordinário do ano 2025, Cidade do Vaticano, 9 de maio de 2024.
[2] Ibi.
[3] Cf. Rm 8,39
[4] Rm 5,3-5
[5] Conforme a 3ª edição Típica do Missal Romano, ed. CNBB.
[6] Byung-Chul Han, El espíìritu de la esperanza, p. 18, Herder, Barcellona 2024.
[7] C. Paccini – S. Troisi, Siamo nati e non moriremo mai più. Storia di Chiara Corbella Petrillo, Porziuncola, Assisi (PG) 2001.
[8] Gabriel Marcel, Philosophie der Hoffnung, Munich, List 1964.
[9] Erich Fromm, La revolución de la esperanza, Ciudad de México 1970.
[10] 1Pt 3,15.
[11] Francisco, Spes non confundit, 9.
[12] Jo 17,3.
[13] Cf. Rm 4,18.
[14] Bento XVI, Carta Encíclica Deus caritas est, Cidade do Vaticano 25 de dezembro de 2005, 1.
[15] Const. SDB, 3.
[16] Tomás de Aquino, Summa theologiae, IIª-IIae q. 17 a. 8 co.
[17] Cf. E. Lévinas, Totalità e infinito. Saggio sull’esteriorità, Jaca Book, Milano 2023.
[18] Tomei por base para estas reflexões a rica reflexão do Abade Geral da Ordem dos Cistercienses M. G. Lepori, Capitoli dell’Abate Generale OCist al CFM 2024. Sperare in Cristo; o texto pode ser encontrado em várias línguas in www.ocist.org
[19] Cf. Rm, 5,3-5
[20] E. Viganò, Un progetto evangelico di vita attiva, Elle Di Ci, Leumann (TO) 1982, 68-84.
[21] Cf. E. Viganò, Profilo del Salesiano nel sogno del personaggio dei dieci diamanti, in ACS 300 (1981), 3-41. O texto completo do sonho pode ser encontrado em ACS 300 (1981), 42-47 ou MBp XV, 166-168.
[22] MBp VIII, 485.
[23] Const. SDB, 18.
[24] P. Braido (a cura di), Don Bosco Fondatore “Ai Soci Salesiani”(1875-1885). Introduzione e testi critici, LAS, Roma 1995, 159.
[25] MBp VI, 415.
[26] MBp VI, 388.
[27] MBp XII, 385.
[28] Ibi.
[29] F. Maccono, Santa Maria Domenica Mazzarello. Confondatrice e prima Superiora Generale delle FMA. Vol. I, FMA, Torino 1960, 398.
[30] MBp X, 609.
[31] Const. SDB, 17.
[32] MBp XII, 512.
[33] MBp VIII, 485.
[34] Citato in E. VIGANÒ, Redescobrir o Espírito de Mornese, in ACS 301 (1981), 64
[35] Sl 99.
[36] MBp V, 306.
[37] Const. SDB, 63. Veja-se também E. Viganò, «Dar razão da alegria e dos empenhos da esperança, testemunhando as insondáveis riquezas de Cristo». Estreia de 1994. Comentário do Reitor-Mor, Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, Roma 1993.
[38] G. Capetti, Il cammino dell’Istituto nel corso di un secolo. Vol. I, FMA, Roma 1972-1976, 122.
[39] Gv 2,5.
[40] LG, 59.
[41] Rm 8,34-39.
[42] Const. SDB, 196.