13 Dez 2025, Sáb

“Quero ser útil ao meu povo”. Lições de vida na África missionária

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Em 1995, há 28 anos, deixei minha amada Argentina rumo à África missionária com o mesmo ideal de Zeferino Namuncurá: tornar-me salesiano e sacerdote “útil ao meu povo” na minha amada África.
E aqui estou eu, sentado sob uma nobre árvore africana de 100 anos, com uma temperatura de 36 graus e 70% de umidade, refletindo sobre minha vida missionária. Daqui, contemplo a bela floresta tropical pintada em mil tons de verde infinito, transbordando de vida, cheia de mistérios e mil perguntas à espera de resposta. Um verdadeiro mural multicolorido como minha vida missionária: desenhada em mil cores, pintada em diferentes tons e matizes, abençoada por desafios e recompensas, por projetos e sonhos, por pinceladas de luz para sombrear os tons mais escuros e difíceis da missão.

Os primeiros passos
Meus primeiros passos na África foram de descoberta e reverência. Eu disse a mim mesmo: “A África é rica!” e, como um adolescente, me apaixonei por ela à primeira vista… Eu me apaixonei pela diversidade de suas paisagens e geografia exuberante, sua fauna e flora, seus mares e selvas, suas imensas savanas e desertos. Ela é rica em recursos naturais: ouro, diamantes, petróleo, urânio, madeira, agricultura e pesca. Percebi imediatamente que a África não é pobre, mas é muito mal administrada. Eu me apaixonei por suas culturas, idiomas, cores, aromas e sabores. Fui cativado por seus ritmos, sua música, a vibração de seus tímpanos, o som de seus instrumentos musicais, suas canções e danças cheias de vida. E, acima de tudo, me apaixonei por seu povo e seus jovens, porque essa é certamente sua maior riqueza: suas crianças, seus jovens que representam o presente e o futuro do continente da esperança.

Tentação missionária
Quando se é jovem, inexperiente, e se chega à terra da missão com mil expectativas e um coração cheio de sonhos, a primeira tentação é pensar que se vem para “salvar”, que se é um “enviado”, chamado para “mudar o mundo”, “transformar”, “ensinar”, “evangelizar”, “curar”. É lá que sua terra prometida lhe ensina o valor da humildade. E seu povo lhe ensina que, para ser um missionário, você deve se tornar tão pequeno quanto uma criança, deve nascer de novo: deve aprender a falar novos idiomas, a entender novos e diferentes costumes, a mudar estilos de vida, maneiras de pensar e sentir. Na missão, você aprende a ficar calado, a receber correções, a aceitar humilhações e a sofrer choques culturais. O verdadeiro missionário desaprende para aprender de novo, até chegar à mais bela descoberta: é o seu povo que “educa” você, “evangeliza” você, “transforma” você, “cura” você. Eles se tornam seu “Kairós”, seu “tempo de Deus”, são o “lugar teológico” onde Deus se manifesta a você e, finalmente, o “salva”.

Lições africanas
Desde o hemisfério sul, a África tem muito a ensinar ao Ocidente e ao Norte, cristãos e “desenvolvidos”. Aqui estão algumas lições que aprendi na África.

A primeira lição é “Ubuntu”: “Eu sou, porque nós somos”
Os africanos adoram a família, a comunidade, o trabalho e as comemorações em conjunto. São profundamente generosos e atenciosos, sempre prontos a dar uma mão a quem precisa. Eles sabem que o individualista morre no isolamento. A sabedoria africana confirma isso: “Se você andar sozinho, vai mais rápido, mas se andar em grupo, vai mais longe”. “São necessárias três pedras para manter a panela no fogo”. “A árvore que está sozinha murcha; a árvore que está na floresta vive”. “É preciso uma aldeia inteira para criar uma criança”. E na mesma linha: “É preciso uma aldeia inteira para matar um cão raivoso”. Se dois elefantes brigam, é a grama que perde”. A vida fraterna e a comunidade mantêm a família, o clã e a tribo vivos.

A segunda é o respeito pela vida e pelos mais velhos
Um filho ou uma filha é sempre uma bênção do céu, uma alegria para toda a família e mãos para trabalhar a terra e fazer a colheita. A vida é um presente de Deus. É por isso que se diz que “onde há vida, há esperança” e que “proteger a semente protege a colheita”. E como a expectativa de vida é baixa, os idosos são valorizados, amados e “cuidados”. Aqui não há asilos ou casas de repouso para idosos. Os avós são o patrimônio da aldeia. As crianças se sentam ao redor dos mais velhos para ouvir as histórias e a sabedoria dos ancestrais. É por isso que dizemos aqui que “quando um ancião morre, é como queimar uma biblioteca” e “se você esquecer seus anciãos, esquecerá sua sombra”.

A terceira é sobre sofrimento e a resiliência
A sabedoria africana diz que “a dor é um hospedeiro silencioso” e afirma que “por meio do sofrimento se adquire sabedoria”. É por isso que se diz que “a paciência é o remédio para toda dor”. Eles transformam obstáculos em oportunidades. Não têm medo de sacrifícios ou da morte. Para eles, perder uma colheita, um bem material, um ente querido, é uma oportunidade de começar de novo, de criar algo novo. Eles sabem que nada é alcançado sem esforço e sacrifício; que a única maneira de ter sucesso é entrar pela porta estreita e abençoam a Deus que dá e tira ao mesmo tempo.

Uma quarta lição diz respeito à espiritualidade e à oração
Os africanos são “espirituais” por natureza. Eles estão dispostos a dar a vida por aquilo em que acreditam. Deus é onipresente em suas vidas, em sua história, em seus discursos e em suas celebrações. Toda atividade começa com uma oração e termina com uma oração. É por isso que seus provérbios dizem: “Quando você orar, mova seus pés”, “não olhe para Deus somente quando estiver com problemas” e “onde há oração, há esperança”. Se a pessoa não orar, a vida se torna insípida e estéril. Eles oram como se “tudo dependesse de Deus, sabendo que, no final, tudo depende deles”, como diria um grande santo africano.

Em minha vida missionária, eu sou a missão
Em três décadas, construímos escolas e centros de treinamento profissional, construímos igrejas e santuários, capelas e centros comunitários, fizemos intervenções de emergência durante as guerras civis em Serra Leoa e na Libéria, abrimos lares para crianças-soldados, ajudamos órfãos do Ebola, cuidamos de crianças de rua ou de meninas na prostituição. Mas essas atividades não são identificadas com a missão. Os frutos da atividade missionária são medidos em termos de transformação de vida. E, nesse sentido, confesso que já vi milagres: vi crianças-soldados reconstruírem suas vidas, vi crianças de rua se tornarem advogadas na universidade, vi-as sorrir novamente e voltarem para a escola, vi meninas na prostituição voltarem para suas famílias, aprenderem um ofício e recomeçarem.

Como diz o Papa Francisco, “nós não temos uma missão ou fazemos uma missão”. Nós somos a missão. Eu sou a missão. Minha missão é ser o “sacramento do amor de Deus” para os mais vulneráveis. Isto é, que eles, por meio de minhas mãos, meus olhos, meus ouvidos, minhas pernas, meu coração, possam experimentar que Deus os ama loucamente, que lhes dá vida, por meio de minha vida dada a eles. Isso é o que significa para mim ser um missionário salesiano. É por isso que sou missão quando me ajoelho diante da Eucaristia pedindo a salvação deles; sou missão quando estou no pátio ou em casa acompanhando as crianças, sou missão quando viajo para as áreas mais distantes e perigosas, sou missão quando celebro a Eucaristia, ouço confissões ou batizo. Estou em missão quando me sento para ler ou estudar pensando neles. Estou em missão quando elaboro um plano estratégico com meus irmãos e irmãs ou escrevo um projeto para melhorar a qualidade de vida do meu povo. Estou em missão quando construo uma escola ou uma capela. Estou em missão quando compartilho minha vida com você que está lendo isto.

Todos nós somos missionários por vocação
Caros amigos, por meio do batismo, todos somos chamados a ser missionários, a ser missão. Não precisamos ir para a África para sermos missionários. O chamado missionário é um chamado interior para deixar tudo, para dar tudo onde Deus nos plantou. Não para dar coisas, mas para “dar a mim mesmo”, para “compartilhar” meu tempo, meus talentos, minha fé, meu profissionalismo, meu amor, meu serviço com os mais vulneráveis. Se ouvirem esse chamado, não adiem a resposta. A caridade de Cristo e a urgência do Reino estão chamando vocês.


dom Jorge Mario CRISAFULLI, sdb, Inspetor África Níger Níger

Editor BSOL

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