Maravilhas da Mãe de Deus invocada sob o título de Maria Auxiliadora (2/13)

(continuação do artigo anterior)

Capítulo II. Maria demonstrou ser o auxílio dos cristãos pelo Arcanjo Gabriel no ato de proclamá-la Mãe de Deus.
            As coisas até agora expostas foram coletadas do Antigo Testamento e aplicadas pela Igreja à Bem-aventurada Virgem Maria; agora vamos nos voltar para o significado literal de acordo com o que está escrito no Santo Evangelho.
            O evangelista São Lucas, no capítulo I de seu Evangelho, relata que o Arcanjo Gabriel, tendo sido enviado por Deus para anunciar a Maria Santíssima a dignidade de Mãe de Jesus, disse-lhe: Ave, gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in mulieribus. Deus te salve, ó cheia de graça, o Senhor é contigo, bendita és tu entre as mulheres.
            O Arcanjo Gabriel, ao saudar Maria, chama-a de cheia de graça. Portanto, Maria possui a plenitude da graça.
            Santo Agostinho, comentando as palavras do Arcanjo, assim saúda Maria: Deus te salve, ó Maria, cheia de graça, o Senhor é contigo; Tu no coração, Tu no ventre, Tu nas entranhas, Tu no auxílio. Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, tecum in corde, tecum in ventre, tecum in utero, tecum in auxilio. (August. in Serm. de nat. B. M.).
            O doutor angélico Santo Tomás diz, a respeito das palavras Gratia plena, que Maria deve ter tido realmente a plenitude das graças e raciocina assim: quanto mais próximo de Deus, mais se participa da graça de Deus. De fato, os anjos no céu que estão mais próximos do trono divino são mais favorecidos e mais ricos do que os outros. Ora, Maria, a mais próxima de Jesus, porque lhe deu a natureza humana, devia ser enriquecida com a graça. (D. Tomás 3, p., qu. 27, ato 5).
            O Anjo Gabriel disse muito bem, proclamando Maria, cheia de graça, observa São Jerônimo, porque essa graça, que é comunicada apenas em parte a outros santos, foi prodigalizada a Maria em toda a sua plenitude.
Dominus tecum. O Arcanjo, para confirmar essa plenitude de graça em Maria, explica e amplia as primeiras palavras gratia plena, acrescentando Dominus tecum, o Senhor é contigo. Aqui, toda a dúvida sobre o exagero das palavras anteriores desaparece. Não é mais apenas a graça de Deus que vem em toda a sua abundância em Maria, mas é o próprio Deus que vem para enchê-la de Si mesmo e estabelecer sua morada em seu ventre casto, tornando-o seu templo, santificando assim o Altíssimo seu tabernáculo: Sanctificavit tabernaculum suum Altissimus.
            Assim também, de acordo com o sentido da Igreja, comentam Santo Tomás de Aquino, São Lourenço Justiniani e São Bernardo.
            E como Maria, em sua profunda humildade, ficou perturbada e pediu uma explicação para uma anunciação tão extraordinária, o Arcanjo Gabriel confirmou o que havia dito e desenvolveu seu significado. Ne timeas, Maria, disse Gabriel, invenisti enim gratiam apud Deum: Ecce concipies in utero et paries filium et vocabis nomen eius Jesum. Não temas, ó Maria, porque achaste graça diante de Deus: Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. E querendo explicar como o mistério aconteceria, ele acrescentou: Spiritus Sanctus superveniet in te et virtus Altissimi obumbrabit tibi, ideoque et quod nascetur ex te Sanctum vocabitur Filius Dei. O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra, e por isso também o Santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus.
            Vamos agora ouvir Santo Antonino, arcebispo de Florença, explicando essas palavras do Evangelho.
            “A partir dessas palavras (invenisti gratiam), é revelada a excelência de Maria. O Anjo, ao dizer que Maria encontrou a graça, não quer dizer que ela a tenha encontrado somente naquele momento, enquanto Maria já tinha a graça antes da Anunciação do Anjo; ela a tinha desde o nascimento; portanto, ela nunca a perdeu, mas a encontrou em nome de toda a raça humana que a havia perdido com o pecado original. Adão, com seu pecado, perdeu a graça para si mesmo e para todos e, com a penitência que fez depois, só recuperou a graça para si mesmo. Maria, então, a encontrou para todos, porque por meio de Maria todos tiveram a graça virtualmente, assim como por meio de Maria tivemos Jesus que nos trouxe a graça”. (D. Antoninus part. tit. 15, § 2).
            Portanto, é inquestionável o que os santos Padres ensinam, ou seja, que Maria, encontrando essa graça, restituiu à humanidade tanto bem, quanto o mal que Eva nos trouxe ao perder a graça.
            Portanto, o cardeal Hugo, tomando a palavra em nome dos homens, humildemente se apresenta a Maria e lhe diz: “Não deves esconder essa graça que encontraste, porque ela não é tua, mas deves colocá-la em comum para que aqueles que a perderam possam recuperá-la, como é justo. Portanto, que aqueles que, pecando, perderam a graça corram para a Virgem e, encontrando-a com Maria, digam com humildade e confiança: ‘Devolve-nos, Mãe, a nossa propriedade, que encontraste’. E não poderá negar tê-la encontrado, pois o Anjo dá testemunho disso, dizendo: Invenisti, tu a encontraste, não a compraste, pois isso não seria graça, mas a recebeste livremente; portanto invenisti, tu a encontraste”.
            A mesma verdade se deduz das palavras que Santa Isabel disse a Maria. Quando a Santíssima Virgem foi visitar Santa Isabel, esta, logo que a viu, ficou cheia do Espírito Santo, e tão cheia que começou a profetizar de maneira inspirada: Benedicta tu inter mulieres, et benedictus fructus ventris tui.
            Não devemos confessar que Maria havia recebido a missão de santificar? Sim, foi precisamente Maria que realizou essa santificação de Isabel, pois São Lucas diz precisamente: Et factum est ut audivit salutationem Mariae Elisabeth exultavit infans in utero eius et repleta est Spiritu Sancto Elisabeth. E aconteceu que, logo que Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança saltou em seu ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Precisamente quando Maria entrou em sua casa, ela a saudou e Isabel ouviu a saudação. Orígenes diz que São João não podia sentir a influência da graça antes que aquela que possuía a autoridade da graça estivesse presente a ele. E o cardeal Ugo, observando que Isabel ficou repleta do Espírito Santo e santificou João ao ouvir a saudação de Maria, conclui: “Saudemo-la, portanto, com frequência, para que, em sua saudação, nós também nos sintamos repletos de graça, pois está escrito especialmente sobre ela: A graça é derramada em teus lábios, de modo que a graça flui dos lábios de Maria. Repleta est Spiritu Sancto Elisabeth ad vocem salutationis Mariae: ideo salutanda est frequenter ut in eius salutatione gratia repleamur; de ipsa enim specialiter dietim est: Diffusa est gratia in labiis tuis (Sl 14) Unde gratia ex labiis eius fluit”.
            Santa Isabel, seguindo a inspiração do Espírito Santo, com a qual havia sido repleta, retribuiu a saudação de Maria, dizendo-lhe: Benedicta tu inter mulieres: Bendita és tu entre as mulheres. Com essas palavras, o Espírito Santo, por meio da boca de Isabel, exaltou Maria acima de qualquer outra mulher afortunada, querendo ensinar que Maria havia sido abençoada e favorecida por Deus ao elegê-la para trazer aos homens aquela bênção que havia sido perdida em Eva e que havia sido esperada por quarenta séculos; aquela bênção que, ao remover a maldição, deveria confundir a morte e nos dar a vida eterna. Às felicitações de sua parenta, Maria também respondeu com inspiração divina: Magnificat anima mea Dominum, quia respexit humilitatem ancillae suae, ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes. A minha alma exalta a grandeza do Senhor… Porque olhou para a humildade de sua serva, pois eis que desde agora todas as gerações me chamarão bem-aventurada. (Lc 1,46 e ss).
            Por que todas as gerações a chamariam de bem-aventurada? Essa palavra não abrange apenas todos os homens que viveram naquela época, mas também aqueles que ainda viriam depois, até o fim do mundo. Ora, para que a glória de Maria se estendesse a todas as gerações, e para que a chamassem bem-aventurada, era necessário que algum bem extraordinário e eterno viesse de Maria a todas essas gerações; de modo que, sendo perpétua nelas a razão de sua gratidão, seria razoável a perpetuidade do louvor. Ora, esse benefício contínuo e admirável não pode ser outro senão a ajuda que Maria presta aos homens. Ajuda que deve abranger todos os tempos, estender-se a todos os lugares, a todos os tipos de pessoas. Santo Alberto Magno diz que Maria é chamada de bem-aventurada por excelência, assim como quando dizemos o Apóstolo nos referimos a São Paulo.
            Antônio Gistandis, escritor dominicano, faz a pergunta: como Maria pode ser considerada bem-aventurada por todas as gerações, enquanto nunca o foi pelos judeus e maometanos? E ele responde que isso foi dito em um sentido figurado para indicar que, de cada geração, alguns a louvariam. Pois, como diz Lirano, em todas as gerações houve convertidos à fé de Cristo que louvaram a Virgem; e no próprio Alcorão, que é o livro escrito por Maomé, encontramos muitos louvores a Maria (Ant. Gistandis Fer. 6, 4 Temp. adv.). Por essa mesma razão, Maria é proclamada bem-aventurada entre todas as gerações: Beatam me dicent omnes generationes.
            Eis com quanta unção e abundância de sentimentos o Cardeal Hugo comenta essa passagem:
            “Todas as gerações me chamarão de bem-aventurada, isto é, dos judeus, dos gentios, isto é, os judeus, os gentios; ou então homens e mulheres, ricos e pobres, anjos e homens, visto que através dela todos receberam o benefício da salvação. Os homens foram reconciliados, e os anjos, reparados; pois Cristo, o Filho de Deus, operou a salvação no meio da terra, isto é, no ventre de Maria, que pode ser chamada de centro da terra. Pois para ela voltam seus olhos os que desfrutam do céu, os que habitam no inferno, isto é, no limbo, e os que lutam no mundo. Os primeiros para serem redimidos, os segundos para serem expiados, os terceiros para serem reconciliados. Portanto, Maria será bendita por todas as gerações”. E aqui ele exclama num transporte da veneração: “Ó Virgem bendita, pois a todas as gerações destes a vida, a graça e a glória: vida aos mortos, graça aos pecadores, glória aos infelizes.” E aplicando a Maria as palavras com as quais Judite foi exaltada, ele lhe diz: Tu gloria Ierusalem, tu laetitia Israel, tu honorificentia populi nostri quia fecisti viriliter [Tu és a exultação de Jerusalém, a glória imensa de Israel, o grande louvor da nossa gente]. Em primeiro lugar, a voz dos anjos vem louvá-la, cuja ruína é reparada por ela; em segundo lugar, a voz dos homens, cuja tristeza é alegrada por ela; depois, a voz das mulheres, cuja infâmia é apagada por sua obra; finalmente, a voz dos mortos no limbo, que, por meio de Maria, são redimidos da escravidão e gloriosamente introduzidos em sua pátria.

(continua)