Se a Patagônia precisa esperar… vamos para a Ásia
Repercorre-se a expansão dos missionários salesianos na Argentina na segunda metade do século XIX, em um país aberto a capitais estrangeiros e caracterizado por intensa imigração italiana. As reformas legislativas e a carência de escolas favoreceram os projetos educativos de Dom Bosco e Dom Cagliero, mas a realidade se revelou mais complexa do que o imaginado na Europa. Um contexto político instável e um nacionalismo hostil à Igreja se entrelaçavam com tensões religiosas anticlericais e protestantes. Havia também a dramática condição dos indígenas, repelidos para o sul pela força militar. A rica correspondência entre os dois religiosos mostra como tiveram que adequar objetivos e estratégias diante de novos desafios sociais e religiosos, mantendo, porém, vivo o desejo de estender a missão também na Ásia.
Com a missio jurídica recebida do papa, com o título e as faculdades espirituais de missionários apostólicos concedidas pela Congregação de Propaganda Fide, com uma carta de apresentação de Dom Bosco ao arcebispo de Buenos Aires, os dez missionários, depois de um mês de viagem pelo Oceano Atlântico, em meados de dezembro de 1875, chegaram à Argentina, um imenso país povoado por pouco menos de dois milhões de habitantes (quatro milhões em 1895; em 1914 seriam oito milhões). Desse país, eles mal conheciam o idioma, a geografia e um pouco de história.
Acolhidos pelas autoridades civis, pelo clero local e por benfeitores, eles viveram inicialmente meses felizes. A situação do país era de fato favorável, tanto do ponto de vista econômico, com grandes investimentos de capital estrangeiro, quanto do ponto de vista social, com a abertura legal (1875) à imigração, especialmente italiana: 100.000 imigrantes, 30.000 deles somente em Buenos Aires. A situação educacional também era favorável devido à nova lei sobre a liberdade de ensino (1876) e à falta de escolas para “crianças pobres e abandonadas”, como aquelas às quais os salesianos queriam se dedicar.
Em vez disso, surgiram dificuldades do ponto de vista religioso – dada a forte presença de anticlericais, maçons, liberais hostis, protestantes ingleses (galeses) em algumas áreas – e o fraco espírito religioso de muitos clérigos nativos e imigrantes. Da mesma forma, do ponto de vista político, pelos riscos sempre iminentes de instabilidade política, econômica e comercial, por um nacionalismo hostil à Igreja Católica e suscetível a qualquer influência externa, e pelo problema não resolvido dos povos indígenas dos Pampas e da Patagônia. O avanço contínuo da linha de fronteira sul, de fato, forçava-os cada vez mais para o sul e em direção à Cordilheira, quando não os eliminava de fato ou, capturados, eram vendidos como escravos. O P. Cagliero, líder da expedição, percebeu isso imediatamente. Dois meses após seu desembarque, ele escreveu: “Os índios estão exasperados contra o governo nacional. Vão contra eles armados com Remingtons, fazem prisioneiros homens, mulheres, crianças, cavalos e ovelhas […] é preciso pedir a Deus que lhes envie missionários para libertá-los da morte da alma e do corpo”.
Da utopia do sonho ao realismo da situação
No biênio 1876-1877, ocorreu uma espécie de diálogo à distância entre Dom Bosco e o P. Cagliero: em menos de vinte meses, nada menos que 62 de suas cartas cruzaram o Atlântico. O P. Cagliero se comprometeu a seguir as diretrizes dadas por Dom Bosco com base nas leituras incompletas de que dispunha e em suas inspirações do alto, que não eram fáceis de decifrar. Dom Bosco, por sua vez, veio a saber por seu líder no campo que a realidade na Argentina era diferente do que ele havia pensado na Itália. O projeto operacional estudado em Turim podia, de fato, ser compartilhado nos objetivos e na mesma estratégia geral, mas não nas coordenadas geográficas, cronológicas e antropológicas previstas. O P. Cagliero estava perfeitamente consciente disso, diferentemente de Dom Bosco que, ao contrário, continuava incansavelmente a ampliar os espaços para as missões salesianas.
Em 27 de abril de 1876, de fato, ele anunciou ao P. Cagliero a aceitação de um Vicariato Apostólico na Índia – excluindo os outros dois propostos pela Santa Sé, na Austrália e na China – a ser confiado a ele, que, portanto, deixaria as missões na Patagônia para outros. Duas semanas depois, porém, Dom Bosco apresentou um pedido a Roma para erigir um Vicariato Apostólico também para os Pampas e a Patagônia, que ele considerava, erroneamente, território nullius [de ninguém], tanto civil quanto eclesiasticamente. Ele reiterou isso em agosto seguinte, assinando o longo manuscrito La Patagonia e le terre australi del continente americano[A Patagônia e as terras austrais do continente americano], escrito em conjunto com o P. Júlio Barberis. A situação se complicou ainda mais com a aquisição, pelo governo argentino (em acordo com o governo chileno), das terras habitadas pelos nativos, que as autoridades civis de Buenos Aires haviam dividido em quatro províncias e que o arcebispo de Buenos Aires considerava, com razão, sujeitas à sua jurisdição ordinária.
Mas as violentas lutas governamentais contra os nativos (setembro de 1876) significavam que o sonho salesiano “Para a Patagônia, para a Patagônia. Deus o quer!” permaneceriam por enquanto apenas um sonho.
Os italianos “indianizados”
Nesse meio tempo, em outubro de 1876, o arcebispo tinha proposto aos missionários salesianos que assumissem a paróquia de La Boca, em Buenos Aires, para atender aos milhares de italianos “mais indianizados do que os índios no que diz respeito aos costumes e à religião” (teria escrito o P. Cagliero). Eles aceitaram. Durante o primeiro ano na Argentina, de fato, eles já haviam estabilizado sua posição na capital: com a compra formal da capela Mater Misericordiae no centro da cidade, com o estabelecimento de oratórios festivos para italianos em três partes da cidade, com a casa de acolhida de “artes e ofícios” e a igreja de São Carlos no oeste – que permaneceria lá de maio de 1877 a março de 1878, quando se mudou para Almagro – e agora a paróquia de La Boca no sul, com um oratório que estava sendo instalado. Também planejaram um noviciado e, enquanto esperavam pelas Filhas de Maria Auxiliadora, pensavam numa casa de acolhida e um colégio em Montevidéu, no Uruguai.
No final do ano de 1876, o P. Cagliero estava pronto para retornar à Itália, pois via também que tanto a possibilidade de entrar em Chubut quanto a fundação de uma colônia em Santa Cruz (no extremo sul do continente) estavam sendo excessivamente adiadas devido a um governo que criava obstáculos para os missionários e que preferia “destruir a reduzir os indígenas”.
Mas com a chegada, em janeiro de 1877, da segunda expedição de 22 missionários, o P. Cagliero planejou independentemente tentar uma excursão a Carmen de Patagones, no Rio Negro, de acordo com o arcebispo. Dom Bosco, por sua vez, no mesmo mês, sugeriu à Santa Sé a criação de três Vicariatos Apostólicos (Carmen de Patagones, Santa Cruz, Punta Arenas) ou pelo menos um em Carmen de Patagones, comprometendo-se a aceitar em 1878 o de Mangalor, na Índia, com o P. Cagliero como Vigário. Não só isso, mas em 13 de fevereiro, com imensa coragem, declarou-se também disponível para o mesmo ano de 1878 para o Vicariato Apostólico do Ceilão, de preferência ao da Austrália, ambos propostos a ele pelo Papa (ou sugeridos por ele ao Papa?). Em suma, Dom Bosco não se contentava com a América Latina, no ocidente, e sonhava em enviar seus missionários para a Ásia, no oriente.