Do CGE20 ao CG29. O caminho “interior” dos salesianos: entre a fidelidade a Deus e a resposta aos jovens
Na conclusão do 29º Capítulo Geral dos Salesianos, convidamos o P. Pascual Chávez, Reitor-Mor Emérito e único salesiano que participou dos últimos nove Capítulos Gerais, a traçar uma síntese do caminho da Congregação. Ele aceitou o convite com grande disposição, oferecendo uma reflexão que parte do Concílio Vaticano II, um momento decisivo da nossa história recente. Certamente nem todos concordarão com essa visão, mas seu ponto de vista representa uma luz preciosa: ilumina o caminho percorrido e, ao mesmo tempo, orienta os passos que temos pela frente.
Este artigo pretende ilustrar, por um lado, os sessenta anos de reflexão e autoconhecimento que a Congregação empreendeu no contexto social, cultural e eclesial, procurando descobrir os desafios dos jovens e do mundo aos quais procurou responder e, por outro lado, oferecer uma avaliação dos resultados obtidos e dos desafios ainda não resolvidos ou emergentes.
Duas declarações do P. Vecchi resumem eficazmente a necessidade dessa mudança e a evolução ocorrida: “O que acontece na Congregação está ligado às transformações que ocorrem na Igreja e na cultura”. E mais adiante, comparando a imagem dos salesianos antes dessa evolução com a imagem depois de vinte anos: “Portanto, houve uma evolução, e ainda está ocorrendo, no modo prático de entender a tarefa educativa”.[1]
1. Uma nova era na vida da Igreja
O Concílio Vaticano II, descrito pelo P. Viganò como “o evento eclesial do século, uma visita do Espírito Santo à Igreja, a “grande profecia” para o terceiro milênio do cristianismo”[2] , iniciou uma reforma da Igreja para a qual todas as Congregações foram chamadas e que os salesianos abraçaram.
O Vaticano II lançou um desafio e um apelo a todos os Institutos Religiosos para que redesenhassem, fiel e corajosamente, a identidade carismática específica do Fundador.
Os motivos que levaram a Igreja a pedir uma profunda renovação da Vida Religiosa podem ser resumidos em três áreas:
1.1 A referência à pessoa de Jesus
A consagração a Deus no seguimento de Jesus só pode ser entendida como uma resposta a um chamado pessoal, que resulta em um encontro especial com Jesus por meio da profissão dos três votos (obediência, pobreza, castidade), e que faz de Jesus e de seu Evangelho “a regra viva e suprema”.
1.2 Nosso lugar na Igreja
O fato de a Vida Religiosa não ser uma alternativa à Igreja, mas uma forma de vida evangélica dentro dela, tem consequências teóricas e, acima de tudo, práticas:
– O caráter distintivo da Vida Religiosa não implica em nenhuma superioridade em relação aos outros cristãos;
– A posição da Vida Religiosa dentro da comunidade eclesial a coloca em uma relação complementar com as outras vocações da vida cristã: os leigos e os sacerdotes;
– A especificidade da Vida Religiosa consiste em ser essencialmente e sempre uma forma de vida evangélica. Isso significa que o Evangelho constitui a norma última, de modo que o superior nunca pode substituir Cristo, nem a Regra pode ser superior ao Evangelho, nem o ritmo de vida pode ser marcado por outra coisa que não os ciclos litúrgicos do ano.
1.3 O relacionamento com o mundo
Embora durante muito tempo o cristianismo e a vida religiosa tenham sido apresentados como uma negação do mundo ou uma fuga dele, o Concílio Vaticano II proclamou a bondade da criação e do mundo “que Deus tanto amou e pelo qual ofereceu seu Filho único” (cf. Jo 3,16), e sua relativa autonomia. Portanto, não se pode conceber uma vida religiosa como uma fuga do mundo, mas sim como um chamado para se engajar ativamente na continuação da missão de Jesus.[3]
Tanto as profundas transformações que ocorreram no mundo a partir da década de 1960 quanto essa consciência renovada da Igreja de estar a serviço do mundo e da humanidade deram um impulso considerável à dimensão pastoral.
De fato, “esse surgimento da «pastoral» como uma categoria de orientação e avaliação para as várias intervenções da Igreja é uma consequência do Concílio Vaticano II, chamado (pelo próprio João XXIII) de «Concílio pastoral» precisamente por causa da inclinação e da abordagem de toda a sua reflexão”.[4]
Esse compromisso pressupunha “mover a Congregação para uma reflexão atenta ao momento histórico, solidária com as urgências do mundo e com as necessidades dos pequenos e dos pobres, em um crescimento homogêneo com a identidade do projeto inicial e com os seus valores originais, suscitados pelo Espírito e destinados a um desenvolvimento vital para além das coberturas transitórias”.[5]
Não se tratava, portanto, simplesmente de renovar a nossa práxis salesiana, mas sim a vida salesiana e o salesiano. “A profecia que o mundo juvenil espera de nós, salesianos, hoje, é, antes de tudo, a novidade do coração inflamado pelo ardor daquela caridade pastoral definida por Dom Bosco no seu «da mihi animas cetera tolle»”.[6]
2. As grandes etapas da jornada
No delicado processo desejado pela Igreja, três Capítulos Gerais “extraordinários” permitiram que a Congregação se colocasse na órbita histórica do Vaticano II, especificando a identidade salesiana na Igreja e no mundo contemporâneo. Enquanto o CG19, realizado durante o Concílio, “tomou consciência e preparou”, o CG20 “colocou em órbita”, o CG21 “revisou, retificou, confirmou e aprofundou”; o CG22 foi chamado a “reexaminar, especificar, completar, aperfeiçoar e concluir”.[7]
Seguiram-se três outros Capítulos Gerais “ordinários”, focalizando temas específicos de caráter operacional, considerados particularmente urgentes para toda a Congregação, mas, em certo sentido, setoriais, pois não diziam respeito à totalidade da vida salesiana: a educação à fé dos jovens, o envolvimento dos leigos na vida e na missão salesiana e a comunidade salesiana contemporânea.
2.1 O Capítulo Geral Especial 20[8] (1971).
Contexto eclesial e social
O CG19 (1965), celebrado quando o Concílio Vaticano II estava quase em sua conclusão (embora entre os documentos já promulgados, os capitulares usassem principalmente a constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Liturgia, o decreto Inter Mirifica sobre os meios de comunicação social e a constituição dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja, (ainda faltava a última sessão com a promulgação de documentos importantes) reuniram os primeiros impulsos do grande evento conciliar sobre o sentido renovado da missão da Igreja no mundo, sobre o dinamismo da Vida Religiosa e sua dimensão comunitária e eclesial, sobre a revisão da Pastoral e suas necessidades de pluralismo e descentralização, constituindo assim a melhor preparação para o CGE20.
De fato, tratava-se de um Capítulo Geral Especial, de caráter particular e extraordinário, destinado a satisfazer as exigências da Sagrada Congregação para os Religiosos e os Institutos Seculares (Motu Proprio Ecclesiae Sanctae) para proceder à revisão e à “conveniente renovação” da Congregação, segundo os objetivos amplos, essenciais e exigentes indicados pela Constituição Dogmática Lumen Gentium e pelo Decreto Perfectae Caritatis, em harmonia com o espírito do Fundador.
Outros fatores relevantes, em nível contextual, foram três fenômenos decisivos que moldaram o mundo no qual a missão da Igreja e da Congregação foi realizada naquela época, e que poderiam influenciar todos eles, pois ainda eram processos em evolução:
– Um mundo em processo de secularização, que levou a Igreja a se reposicionar e redefinir um novo tipo de presença e ação.
– Um mundo caracterizado por situações de injustiça, como consequência de estruturas socioeconômicas, que colocaram a Igreja diante do imperativo de adotar uma atitude resolutamente evangélica em favor dos pobres.
– Um mundo em busca de unidade no pluralismo, que exigia que a Igreja vivesse sua “catolicidade” de forma mais atual e dinâmica.
Como frequentemente acontece nesse tipo de transformação, os mais vulneráveis foram os jovens que, por um lado, surgiram como um fenômeno social e, por outro, manifestaram comportamentos perturbadores, como marginalização voluntária, mudança de costumes, dependência de drogas e delinquência.
O Capítulo, porém, não pretendeu simplesmente cumprir as exigências do Concílio Vaticano II como uma mera formalidade, mas aproveitou a oportunidade para responder melhor a Deus e aos jovens. De fato, o CGE foi precedido por uma preparação muito cuidadosa por meio de uma consulta dirigida a todas as Inspetorias com uma “radiografia” do estado da Congregação. Desse modo, se tomou consciência dos problemas e das questões mais urgentes que ocupavam o interesse e a preocupação dos salesianos em todo o mundo e que exigiam iluminação, discernimento e decisões.
Desafios a serem enfrentados: Reformulação de um projeto total
A questão fundamental era como tornar o testemunho particular da vida religiosa visível e relevante na Igreja (LG 44).
Para que a vida religiosa fosse capaz de responder a essa missão (“pertencer à vida e à santidade da Igreja”), a Perfectae Caritatis exigia um compromisso de renovação de todas as famílias religiosas:
a) Tornar a “sequela Christi” [seguimento de Cristo] a regra suprema da vida;
b) Garantir sua identidade e missão, em fidelidade ao Fundador;
c) Envolver-se de forma mais decisiva na vida da Igreja;
d) Ajudar os membros da Congregação a saberem interpretar os sinais dos tempos, em seu contexto e como interlocutores na missão;
e) Promover acima de tudo a renovação espiritual “à qual corresponde o primeiro lugar também nas obras externas do apostolado” (PC 2).
O P. Luís Ricceri assim se expressou na carta de convocação do CGE: “O contributo e corresponsabilidade são antes de mais indispensáveis para promover em nós e nas nossas comunidades aquela renovação interior, espiritual, apostólica, fundada sobre a nossa conformidade a Cristo, sobre a fidelidade ao carisma essencial de D. Bosco e aos sinais dos tempos. Sem isto, toda a obra de renovação e adaptação reduzir-se-ia a formalismo, tecnicismo, corpo sem alma, ilusão de resolver problemas vivos com fórmulas e artigos.”[9]
O CGE 20 (1971) articulou toda a questão em torno de quatro temas fundamentais:
1. Natureza e propósito da Congregação.
2. A consagração religiosa e sua relação com a missão.
3. Formação do salesiano.
4. Estruturas de governo em todos os níveis.
O objetivo era elaborar um texto renovado das Constituições e Regulamentos em harmonia com as orientações conciliares. Em essência, era uma questão de refundar a identidade da Congregação.
Escolhas feitas
Sete meses de trabalho capitular produziram 22 documentos contendo diretrizes doutrinárias e operacionais, divididos em cinco seções que mais tarde moldariam o texto constitucional:
– A primeira seção refletia a principal preocupação dos capitulares: “a missão dos salesianos na Igreja”, identificando o oratório como o paradigma para a renovação de todas as obras.
– A segunda seção concentrou-se na “dimensão comunitária da vida religiosa”.
– Na terceira, sob o termo “consagração”, os votos foram apresentados na perspectiva conciliar.
– O quarto descreveu os “principais critérios para formação e algumas diretrizes práticas”.
– O último formulou a unidade e a descentralização, a subsidiariedade, a participação e a corresponsabilidade como “critérios para a organização da Congregação”.[10]
Foi redigida uma reformulação mais carismática e menos legalista do “Texto Constitucional”, adaptando a linguagem e a abordagem às orientações do Concílio, e unificando em um único texto as riquezas espirituais da vocação salesiana e as normas fundamentais que regem a vida: missão, comunhão, consagração, formação e organização.
Os “Regulamentos” codificaram o modo prático universal de viver as Constituições, delegando às Inspetorias a responsabilidade de estabelecer e regulamentar os aspectos locais ou as necessidades de situações particulares, por meio dos Diretórios Inspetoriais.
Para avaliar os efeitos da conveniente renovação, é importante observar sua influência em três das áreas mais sensíveis da vida salesiana:
– No que se refere à formação, o P. Ricceri, em seu Relatório Geral sobre o estado da Congregação, assinalou que algumas casas de formação, noviciados e estudantados tiveram que fechar por falta de vocações ou por dificuldades e tensões internas. Deplorava particularmente o esquecimento e o enfraquecimento do carisma salesiano na formação, os desvios doutrinais, a atitude contestatória em relação às instituições e a falta de responsabilidade de alguns formadores.[11]
– No que diz respeito à comunidade, a mudança mais profunda diz respeito à natureza das relações entre superiores e irmãos, que se tornaram mais simples, com a função de governo se aproximando cada vez mais da função de animação. Ao mesmo tempo, houve um aumento da participação e da corresponsabilidade.
– As obras, por sua vez, não alcançaram o “redimensionamento” desejado pelo CG19 para uma eficácia apostólica mais incisiva. A diminuição do número de salesianos (de cerca de 22.000 em 1965 para 17.000 em 1977) foi equilibrada pelo aumento de colaboradores leigos, cuja formação exigia atenção especial. Ao mesmo tempo, estavam sendo criados centros inspetoriais de pastoral juvenil e alguns salesianos estavam experimentando formas de inserção em bairros difíceis ou trabalhando com meninos de rua e jovens viciados em drogas, bem como novas formas de colaboração com instituições civis.[12]
2.2 Capítulo Geral 21[13] (1978)
Contexto eclesial e social
A profundidade e a velocidade das mudanças, uma consequência do Concílio Vaticano II, geraram uma situação de tumulto e confusão na Igreja e na Congregação que exigia clareza de abordagem e sabedoria nas soluções.
A ação profundamente renovadora realizada na Congregação pelo CGE (evidente nas Constituições e Regulamentos radicalmente renovados, embora permanecendo fiéis ao espírito de Dom Bosco, e nas ideias e orientações operativas contidas nos Atos deste Capítulo) necessitava de revisão, retificação, aprofundamento e reconfirmação.
O contexto sociocultural também estava passando por transformações rápidas e profundas em muitas nações, aumentando o confronto entre as gerações jovens e adultas. De acordo com a análise do P. Vecchi, a segunda metade da década de 1970 representou para alguns o fim da era de 68 e o universo dos protestos juvenis, enquanto para outros marcou o agravamento da crise em nível econômico, social, político e cultural.[14]
Entre os aspectos mais significativos desse período, examinados à luz do dia, surgiram paradoxos e contradições:
– A exaltação da pessoa e, ao mesmo tempo, sua instrumentalização.
– A aspiração à liberdade coexiste com a opressão de muitas liberdades.
– A busca por valores mais elevados em oposição à repugnância de todos os valores.
– O desejo de solidariedade contrastava com uma crise de participação.
– A velocidade das trocas e das informações contra a lentidão das reformas culturais e sociais.
– O anseio por unidade universal e paz, juntamente com a persistência de conflitos políticos, sociais, raciais, religiosos e econômicos.
– A exaltação da juventude é paralela à frequente marginalização dos jovens do trabalho, da tomada de decisões e da responsabilidade.
Desafios a serem enfrentados: verificação da renovação
Era necessário verificar precisamente se, como e até que ponto a renovação desejada na aceitação e vivência das Constituições havia sido alcançada. Era necessário identificar quaisquer lacunas no projeto de renovação desejado pelo CGE. Mais concretamente, como manter a Congregação vitalmente jovem e, embora renovada, sempre fiel à visão claramente delineada por Dom Bosco?
Era necessário corrigir possíveis desvios ou interpretações falsas e prejudiciais, superando o risco de motivações, visões e julgamentos “diferentes” ou, pior ainda, opostos, que poderiam esvaziar a alma da Congregação e sua própria razão de ser na Igreja.
Era necessário aprofundar alguns temas essenciais para a Congregação: o Sistema Preventivo, a Formação para a Vida Salesiana, o Salesiano Coadjutor e a reestruturação da Universidade Pontifícia Salesiana.
Esse processo de clarificação da identidade, reforçado pela influência do IV Sínodo dos Bispos, que culminou com a encíclica magistral de Paulo VI Evangelii Nuntiandi, contribuiu progressivamente para aprofundar a missão salesiana específica, traduzindo-se em uma das grandes escolhas deste Capítulo: transformar os salesianos em autênticos evangelizadores dos jovens.
Por um lado, o CG21 observou atentamente os jovens e descobriu – sustentado talvez pelo otimismo tipicamente salesiano – uma feliz convergência entre as suas aspirações, a sua voz dirigida aos salesianos e a nossa missão. Por outro lado, considerou o renovado empenho da Igreja na evangelização e redescobriu o traço fundamental da nossa identidade nessa missão evangelizadora dos jovens, que pressupõe a prévia evangelização dos próprios salesianos.
Escolhas feitas: Missionários na educação
Em seu discurso de conclusão, o P. Viganò, recém-eleito Reitor-Mor, resumiu os três objetivos que surgiram durante o trabalho do capítulo:
1. A tarefa prioritária de levar o Evangelho aos jovens, o que implica em um projeto educativo-pastoral;
2. O espírito religioso que deve animar a vida dos salesianos;
3. O novo papel da comunidade salesiana como animadora da comunidade educativa pastoral (CEP), consequência da constatação de que os religiosos não são os únicos agentes do Evangelho e são chamados a se tornarem formadores e animadores dos leigos.
Isso especificou o tema principal do Capítulo: “Ser testemunhas e anunciar o Evangelho: duas exigências da vida salesiana entre os jovens”. Ao mesmo tempo, foram feitas outras escolhas fundamentais:
– Tornar a catequese o terreno natural e mais fértil para a renovação de toda a comunidade da Igreja.
– Permitir que a Congregação tenha mais seis anos para conhecer, assimilar e experimentar na prática o texto constitucional, ao qual foram feitas melhorias sugeridas pela experiência vivida, especialmente no que diz respeito à corresponsabilidade dos leigos, à função do superior e às comunidades de formação.
Sem dúvida, o CG21 representou uma renovação pastoral radical. A Congregação sentiu-se desafiada pela Igreja e pela sociedade e, na conclusão do primeiro capítulo do Documento, “Os Salesianos como evangelizadores da juventude”, assumiu o compromisso de compreender melhor a nova realidade juvenil e enfrentar os novos desafios que ela apresentava (os fenômenos decorrentes da crescente secularização da sociedade, como a indiferença religiosa, o ateísmo prático ou as seitas, a pobreza persistente do Terceiro Mundo e o surgimento de novas formas de pobreza, como o desemprego, a marginalização, a desintegração da família, a difusão do erotismo e das drogas), elaborando o Projeto de Educação Pastoral para não perder de vista o essencial, não inverter a hierarquia dos objetivos e garantir a qualidade dos programas educativos das obras.[15]
2.3 O Capítulo Geral 22[16] (1984)
Contexto eclesial e social
O Capítulo Geral 22 aconteceu quase vinte anos após a conclusão do Concílio Vaticano II e doze anos após o CGE, períodos que geraram uma intensa fase de experimentação e aprofundamento da identidade salesiana no novo horizonte conciliar.
A passagem do tempo ajudou a acalmar as mentes e a abordar a necessidade urgente de renovação com mais clareza e menos impulsividade.
Podemos afirmar – embora com a consciência de que, quanto mais nos aproximamos do presente, maior é o risco de interpretações subjetivas – que naqueles anos ocorreu uma transformação qualitativa na experiência dos religiosos, tanto em nível individual quanto institucional. A situação instável e caótica das décadas anteriores deu lugar a uma determinação mais serena, mas não menos incisiva, de perseverar no compromisso com uma Igreja renovada e um mundo mais justo, sabendo que essas mudanças não aconteceriam rapidamente. Assim começou uma segunda fase de renovação para a Congregação. O fluxo substancial de saídas já estava diminuindo. Algumas das experiências apostólicas particulares, certos estilos de vida e modos pessoais de organização foram abandonados, enquanto o que estava funcionando foi consolidado e as energias redirecionadas.
É difícil apontar um evento específico que tenha acelerado essa mudança quase imperceptível. A realidade é que, de repente, surgiu uma nova “liderança”, em alguns casos com personalidades extraordinárias. Os capítulos e as assembleias inspetoriais começaram a ser mais proativos, o entusiasmo voltou a muitos irmãos e a vida religiosa foi novamente percebida como uma alternativa viável e significativa.
Desafios a serem enfrentados: conclusão do projeto de renovação.
– Definir as diretrizes que orientariam o futuro da Congregação na órbita conciliar.
– Elaborar um projeto vocacional claro, atual e exigente, capaz de salvaguardar a identidade salesiana para enfrentar os complexos desafios do tempo. Daí a importância de que as Novas Constituições expressem a experiência de santidade apostólica já vivida em Valdocco, através de uma substancial continuidade e fidelidade dinâmica entre o texto desejado por Dom Bosco e o fruto do CG22.
Escolhas feitas: Aprovação final da nova Regra de Vida.
O resultado final do trabalho capitular representou – nas palavras do Reitor-Mor – “um texto orgânico, profundo, melhorado, impregnado de Evangelho, rico na genuinidade das origens, aberto à universalidade e voltado para o futuro, sóbrio e digno, denso de realismo equilibrado e de assimilação dos princípios conciliares. É um texto repensado comunitariamente em fidelidade a Dom Bosco e em resposta aos desafios dos tempos”.[17]
De fato, o novo texto constitucional colocou na primeira parte, dedicada à identidade e ao papel dos salesianos na Igreja, dois capítulos fundamentais sobre o espírito salesiano e a profissão religiosa. A segunda parte articulava os três elementos inseparáveis da vocação salesiana: a missão, a vida de comunhão e a prática dos conselhos evangélicos. Isso superou definitivamente a tendência de enfatizar a primazia de um dos três aspectos em detrimento dos outros. Essa parte foi concluída com o capítulo sobre a vida de oração. A terceira parte, dedicada à formação, e a quarta, sobre o serviço da autoridade, mantiveram sua estrutura original.[18]
Desse modo, pudemos delinear fielmente um tipo concreto de vida, a experiência de Dom Bosco e dos primeiros salesianos, capaz de inspirar e orientar o nosso projeto de “sequela Christi” para os jovens. Esse texto constitucional renovado condensa a doutrina espiritual, os critérios pastorais, as tradições originais e as normas de vida, ou seja, o nosso próprio caráter e o nosso itinerário específico de santidade. Como o P. Viganò destacou na Introdução das Diretrizes Operacionais, “os verdadeiros documentos do XXII Capítulo Geral são os textos das Constituições e dos Regulamentos Gerais”.
A redação final da Regra de Vida envolveu, entre outras coisas, a renovação da Ratio, que devia integrar o novo Código de Direito Canônico e as novas Constituições, incorporando ao mesmo tempo a contribuição das ciências humanas. A ideia central era que toda a formação dos salesianos deveria ser coerente com a natureza de sua vocação e missão específica como educadores e pastores dos jovens.
A Congregação poderia, assim, inaugurar uma nova fase em sua história: fazer a transição “do papel para a vida”.
2.4 O Capítulo Geral 23[19] (1990)
Contexto eclesial e social
No final do longo e fecundo período pós-conciliar, dedicado à ampla redefinição da identidade salesiana na Igreja e à sua consequente aplicação prática, a Congregação foi chamada a verificar a eficácia da educação salesiana na formação da fé dos jovens com os quais trabalhava e a atualizar os projetos educativo-pastorais das Inspetorias e das casas.
No cenário mundial, a humanidade estava testemunhando o colapso do comunismo e a configuração de uma nova ordem política caracterizada pelo surgimento de uma única superpotência que elevaria a economia a um valor absoluto. Com o desaparecimento da bipolaridade política, econômica e social, uma nova sensibilidade cultural também começou a surgir. Durante o Capítulo Geral, entretanto, a análise da realidade social teve relevância limitada, emergindo principalmente por meio de seu impacto sobre os jovens.
“Nos últimos anos, houve uma crise de ideologias e de ideias fortes e determinantes. Em seu lugar, surgiu o pensamento fraco da pós-modernidade, caracterizado tanto pelo respeito e abertura a todas as correntes de culturas, quanto pelo relativismo ético, subjetivismo e fragmentação social… Para os jovens, o desemprego, a desintegração de muitas famílias, o fenômeno generalizado do secularismo, a indiferença religiosa, bem como o de uma nova religiosidade à moda da nova era tornaram-se mais preocupantes.”[20]
A realidade juvenil era, portanto, muito complexa, variada e desafiadora. Surgiu, portanto, a necessidade de conhecer e compreender em profundidade os contextos nos quais os jovens viviam – ou lutavam para viver – e nos quais eram chamados a realizar seu crescimento humano e religioso, contextos nos quais os salesianos deviam acompanhá-los:
– Contextos caracterizados pela abundância de bens materiais.
– Contextos marcados pelo empobrecimento econômico, político e cultural.
– Contextos influenciados pela presença de antigas e grandes religiões.
– Contextos em que um processo irreversível de independência do colonialismo estava em andamento.
– Contextos do êxodo de regimes autoritários para diferentes sistemas de vida social e política.
– Comunidade indígena e contextos de minorias étnicas.
Desafios a serem enfrentados: educar os jovens à fé
O tema surgiu da experiência dos anos anteriores, das dificuldades encontradas tanto pelos jovens quanto pela comunidade salesiana, mas também da promessa de fidelidade a Dom Bosco, renovada em 14 de maio de 1988, na celebração do centenário de sua morte.
Percebeu-se que educar os jovens à fé estava se tornando uma missão cada vez mais complexa em todos os ambientes de presença salesiana, consequência de uma cultura emergente que exigia um repensar tanto da metodologia quanto do conteúdo da educação à fé.
Esse compromisso exigia nunca perder de vista a função “unificadora e iluminadora” da fé e, portanto, recuperá-la, propô-la e saber torná-la significativa para os jovens como um elemento vital para o amadurecimento integral da pessoa.
Significava assumir a tarefa de educar os jovens nos valores da dignidade humana, da superação do egoísmo, da reconciliação, da grandeza cristã de ser capaz de perdoar e sentir-se perdoado.
Tratava-se de cultivar o amor, formando as mentes e os corações dos jovens para que eles pudessem perceber claramente a suprema centralidade da Eucaristia na vida cristã.
Por fim, envolveu saber como interpretar e apresentar o significado da vida como uma vocação, com a consciência de que cada jovem representa um projeto humano a ser descoberto e construído à luz da consciência de ser “a imagem de Deus”.
Escolhas feitas: Proposta de espiritualidade dos jovens
A partir dos desafios colocados pela realidade juvenil em seus diversos contextos, os capitulares traçaram um caminho de educação à fé para os jovens, oferecendo-lhes uma proposta de vida cristã significativa e de espiritualidade juvenil salesiana.
O CG23 optou por considerar o destinatário da missão salesiana como o fruto maduro do seu empenho educativo, apresentando-o como um jovem educado na fé, que escolhe a vida, que sai ao encontro de Jesus, que participa ativamente da comunidade eclesial e que descobre o seu lugar no Reino, com um enfoque especial na “formação da consciência, na educação ao amor e na dimensão social da fé” (CG23, 182-214).
Não se tratava, portanto, de reduzir o tamanho das obras (embora essa fosse uma tarefa importante), mas de repensar e renovar a missão, ou seja, a qualidade da proposta educativo-pastoral. O objetivo era menos criar novas presenças e mais criar uma nova presença, uma forma inovadora de estar presente onde o trabalho já estava sendo feito.
Mais uma vez a Congregação se sentiu chamada a relançar com toda a energia a atitude do “da mihi animas”, testemunhada por Dom Bosco com originalidade pastoral, transformando as comunidades em “sinal de fé, escola de fé e centro de comunhão” (CG23, 215-218).
2.5 O Capítulo Geral 24[21] (1996)
Contexto eclesial e social
O Capítulo Geral 24 ocorreu no contexto de três eventos eclesiais significativos que influenciaram profundamente seu desenvolvimento: Em primeiro lugar, o desafio da Nova Evangelização, iniciado pelo Concílio Vaticano II e posteriormente assumido por João Paulo II como um programa pastoral; em segundo lugar, o Sínodo para os Leigos, que os exortou a viver sua vocação batismal com maior comprometimento nas esferas eclesial e social, princípios posteriormente codificados na Exortação Apostólica Christifideles Laici; por fim, o Sínodo sobre “A vida consagrada e sua missão na Igreja e no mundo”, que atualizou a doutrina conciliar sobre a vida religiosa, adaptando-a às novas exigências culturais, tudo isso expresso no esclarecedor documento Vita consecrata, repleto de consequências positivas.
Em nível global, a história testemunhava o surgimento de um novo cenário econômico, político, social e cultural, após os eventos que marcaram o fim do conflito Leste-Oeste. Várias tendências já estavam exercendo uma influência considerável sobre a vida e a ação salesiana:
– A primazia da economia, apoiada pelo neoliberalismo, resultando no empobrecimento de grande parte do mundo.
– A ambivalência da comunicação que, por um lado, promoveu a integração entre os países e, por outro, causou profundas mudanças culturais.
– A perda do papel privilegiado da família e da educação na formação da pessoa, diante do poder crescente de outros agentes educacionais e de outros modos de organização familiar.
– A crescente importância das mulheres na sociedade e a necessidade de mais atenção às especificidades femininas.
– O ressurgimento de uma face múltipla do fenômeno religioso exigiu uma espiritualidade mais profunda e um foco no diálogo ecumênico e inter-religioso.
Desafios a serem enfrentados: criar sinergia entre SDB e os colaboradores
Eles aspiravam a multiplicar o número de pessoas dispostas a viver seu batismo no campo da educação e da cultura, revalorizando a própria realidade secular como um autêntico lugar teológico.
Era necessário verificar e relançar o “projeto laical” de acordo com as exigências da Lumen Gentium (capítulo IV), da Gaudium et Spes, do decreto Apostolicam Actuositatem e da Exortação Apostólica Christifideles Laici, em sintonia com Dom Bosco, que havia compreendido a importância fundamental de compartilhar a sua missão juvenil e popular com um vasto movimento de pessoas.
A intenção era reunir salesianos e leigos em um novo paradigma de relações, dentro de uma eclesiologia de comunhão, não tanto para compensar a diminuição do número de salesianos, mas para alcançar uma maior complementaridade na missão comum.
Era essencial orientar os salesianos para a sua tarefa prioritária: dar prioridade à animação pastoral e pedagógica, e dedicar-se com maior empenho à formação dos colaboradores e corresponsáveis, acima de qualquer outro compromisso.
A intenção era iniciar um caminho de formação comum entre salesianos e leigos, centrado no espírito e na missão de Dom Bosco, para promover uma autêntica troca de dons.
Era essencial revalorizar a dimensão secular da Congregação, expressa na escolha do campo da cultura, da educação e da promoção humana da juventude carente, com uma sensibilidade cultural especial para as classes trabalhadoras. Era vital e promissor poder compartilhar compromissos no campo da cultura e da educação com pessoas que cultivavam valores seculares “a partir de dentro”.
Escolhas feitas: Envolvimento e formação de colaboradores leigos
Uma característica marcante do Capítulo Geral 24 foi a presença ativa, pela primeira vez em um evento dessa natureza, de 21 leigos. A convicção de que a nova evangelização e a educação não poderiam ser alcançadas sem a colaboração orgânica e qualificada dos leigos foi se enraizando cada vez mais. As comunidades salesianas deviam agora se equipar para se tornar o “núcleo animador” de uma comunidade educativo-pastoral e o centro dinamizador da Família Salesiana, onde salesianos, leigos e membros da Família Salesiana pudessem compartilhar plenamente o espírito e a missão de Dom Bosco. Isso teve consequências importantes:
– Qualificar a formação dos leigos, ajudando-os a crescer na graça da unidade, elemento central do espírito de Dom Bosco, que mantém uma tensão harmônica entre fé e mundo, Deus e homem, mistério e história. Somente assim se poderia superar o horizontalismo e o verticalismo, o secularismo e o espiritualismo (cf. Christifideles Laici 59).
– Ampliar o envolvimento dos leigos nas obras, com uma atitude pessoal e comunitária que dê testemunho de sua fraternidade batismal e de sua responsabilidade apostólica comum, confiando nos compromissos que lhes são confiados.
– No nível da Família Salesiana, promover a corresponsabilidade, criando espaços de participação e fortalecendo a comunicação.
2.6 O Capítulo Geral 25[22] (2002)
Contexto eclesial e social
O fenômeno social e cultural mais relevante daqueles anos foi, sem dúvida, o individualismo, que se manifestou não apenas no nível econômico – em sua forma neoliberal – ou na política, mas, acima de tudo, na vida cotidiana: “Ser você mesmo, viver livremente sem repressão, escolher seu próprio modo de vida, são as aspirações e o direito que nossos contemporâneos consideram mais legítimos.”[23]
Essa cultura da subjetividade, fortemente focada na liberdade e na responsabilidade pessoais, dificultou a transição para uma cultura de comunhão. Isso era verdade tanto para a esfera eclesial, onde muitos dos fiéis entendiam a fé como um fato privado, quanto para a vida religiosa, na qual havia uma dicotomia crescente entre o desejo de comunhão – entendido como aceitação da pessoa e relacionamentos interpessoais profundos – e a “saciedade” da vida comunitária, que relativizava as práticas comuns.
Ao mesmo tempo, havia um sentimento generalizado de solidão e uma forte necessidade de encontro e compartilhamento, especialmente evidente no mundo da juventude e da Igreja; nesse contexto, a fraternidade poderia ser um sinal de esperança e profecia.
Desafios a serem enfrentados: criar um modelo de comunidade que seja humanamente significativo, pastoralmente profético, vocacionalmente atraente e propositivo.
O novo modelo pastoral, que previa uma presença cada vez maior dos leigos nas tarefas de animação e governo das obras, exigia um estilo de comunidade capaz de levantar questões: como a comunidade deveria ser estruturada de modo a ser visivelmente evangélica, autenticamente fraterna, animadora e vocacionalmente convocadora?
Daí a necessidade de reavivar em cada um a consciência de ser chamado a viver a fraternidade em Cristo com maior sentido, alegria e transparência, como resposta às profundas aspirações do nosso coração, para que, em meio aos jovens, possamos realmente testemunhar o amor de Deus e tornar-nos centros de animação espiritual da CEP e da Família Salesiana.
Ao mesmo tempo, surgiu um desequilíbrio entre a quantidade – e a complexidade – das obras e os recursos humanos: a diminuição e o envelhecimento dos salesianos contrastavam com o crescimento das obras e a multiplicação das estruturas. Isso resultou em cansaço físico, estresse psicológico e superficialidade espiritual em nível pessoal, bem como em divisão e fragmentação do projeto comunitário, o que tornou estéreis muitos esforços educativo-pastorais.
A Congregação, portanto, se viu discernindo novas formas de vida comunitária capazes de responder às exigências da sequela Christi e da missão. O objetivo era determinar condições concretas que permitissem viver de modo dinâmico e eficaz a fraternidade apostólica consagrada.
Escolhas feitas
As decisões tomadas visavam alcançar o que o P. Vecchi indicou como o “ponto de chegada principal e terminal” do CG 25: “encontrar maneiras eficazes de motivar novamente as comunidades a manifestar sua identidade religiosa com simplicidade e clareza em novas situações; determinar as condições ou critérios essenciais que permitem, ou melhor, estimulam nossa fraternidade professa a viver de maneira alegre e humanamente significativa, seguindo Cristo”.[24]
2.7 Capítulo Geral 26 (2008)
O CG 26 se concentrou no tema “Da mihi animas, cetera tolle”: identidade carismática e paixão apostólica.
O objetivo fundamental do Capítulo Geral 26 era fortalecer nossa identidade carismática por meio de um retorno a Dom Bosco, despertando no coração de cada irmão a paixão do “Da mihi animas, cetera tolle”.
A determinação e o compromisso de começar de novo a partir do fundador não são um sinal de crise, mas sim um critério de autenticidade e fidelidade, enraizado na convicção de que em seu carisma e em sua vida não residem apenas os elementos que inspiraram o passado, mas também aqueles que se revelam como profecia para o futuro.
Para atingir esse objetivo, era necessário, antes de tudo, um conhecimento mais profundo de Dom Bosco. Havia um sério risco de romper os vínculos vitais que nos mantinham unidos a ele: já havia passado mais de um século de sua morte e os salesianos das primeiras gerações que o conheceram pessoalmente haviam morrido. A distância cronológica, geográfica e cultural do fundador estava se ampliando, privando-nos daquele clima espiritual e daquela proximidade psicológica que permitiam uma referência espontânea a Dom Bosco e ao seu espírito. Se não tivéssemos reavivado nossas raízes, correríamos o risco de não ter futuro nem direito à cidadania. Por isso, era necessário estudá-lo, amá-lo, imitá-lo e invocá-lo: conhecê-lo como mestre de vida, a cuja espiritualidade nos atraímos como filhos e discípulos; como fundador, que nos indicou o caminho da fidelidade vocacional; como educador, que nos deixou como herança preciosa o “sistema preventivo”; e como legislador, porque as Constituições, elaboradas diretamente por ele e depois pela história salesiana, nos ofereceram uma leitura carismática do Evangelho e do seguimento de Cristo.
O chamado para voltar aos jovens – nossa missão, nossa razão, nossa pátria – permaneceu sempre urgente, para que pudéssemos ser mais competentes entre eles. É verdade que, já naquela época, lutávamos para acompanhar os jovens, para compreender a sua cultura e amar o seu mundo; mas o verdadeiro salesiano não abandonava o campo juvenil. Um salesiano era aquele que possuía um conhecimento vital dos jovens: seu coração batia onde batia o coração dos jovens. Ele vivia para eles, existia para seus problemas, suas expectativas, seus sonhos.
Os desafios aos quais eles queriam responder
No nível das tendências fundamentais, foi necessário reconhecer a existência de duas “dinâmicas transversais” que caracterizam a mudança histórica que estamos vivenciando atualmente: por um lado, uma tendência à homogeneidade cultural, que busca replicar o modelo ocidental eliminando as diferenças; por outro lado, contrastes culturais de motivação religiosa que levam a uma diferenciação crescente, por exemplo, entre o Islã e o Ocidente, entre a sociedade secularizada e o cristianismo.
Do ponto de vista econômico, há a difusão universal do modelo neoliberal, baseado no sistema de mercado, que tende a prevalecer sobre os demais valores humanos das pessoas e dos povos. Do ponto de vista cultural, está se impondo um processo de homologação das culturas em relação ao modelo ocidental, com a gradual dissolução das peculiaridades culturais e políticas dos povos.
O impacto da mídia e a revolução da tecnologia da informação geram mudanças profundas nos costumes, na distribuição de riqueza, na organização do trabalho, por meio de uma cultura de mídia e de uma sociedade da informação.
Em nível social e cultural, surge uma forte tendência à “mobilidade humana”, manifestada por massas que migram para países de riqueza e prosperidade. O “desafio da pobreza”, da fome, das doenças e do subdesenvolvimento persiste, juntamente com os problemas decorrentes da exploração de crianças e menores nas formas trágicas de marginalização, trabalho infantil, turismo sexual, mendicância, crianças de rua, delinquência juvenil, crianças-soldado e mortalidade infantil. A “mentalidade consumista” se espalha por toda parte, tanto nos países ricos quanto nos países em desenvolvimento.
Naturalmente, os desafios surgem também dentro da própria Congregação, e são de natureza diferente: o envelhecimento dos irmãos em algumas áreas, a disparidade das condições de vida dos salesianos em relação a contextos de pobreza e miséria. Há também um impacto diferente da cultura juvenil, com suas atitudes e modelos de vida, sobre a vida pessoal e comunitária dos membros; a dificuldade de lidar com um mundo juvenil extremamente variado em termos de ideias e comportamentos; as diferentes ênfases na relação entre educação e evangelização; as diferentes sensibilidades em relação ao impacto social da nossa missão de promoção humana. Em alguns lugares persistem a superficialidade espiritual, o genericismo pastoral, o distanciamento do mundo juvenil, os problemas relativos à inculturação do carisma, o pouco conhecimento de Dom Bosco e de sua obra.
Escolhas feitas
– A urgência de evangelizar, de pro-vocar e de chamar os jovens a seguir Cristo, seguindo os passos de Dom Bosco.
– Orientação decidida para novas fronteiras: compromisso com a “juventude pobre”, a “família” e a presença como interlocutores críticos da comunicação social.
– Iniciar “novos modelos” de gestão capazes de apoiar a missão salesiana com flexibilidade e agilidade.
– Finalmente, atenção cuidadosa e diligente à revitalização da “presença salesiana na Europa”.
2.8 Capítulo Geral 27 (2014)
O CG 27 adotou como tema “Testemunhas da radicalidade evangélica”
Pretendia nos guiar para uma compreensão mais profunda de nossa identidade carismática, tornando-nos conscientes de nossa vocação de viver fielmente o projeto apostólico de Dom Bosco. A radicalidade de vida foi a energia interior de Dom Bosco; ela alimentou sua incansável dedicação à salvação dos jovens e permitiu que a Congregação florescesse.[25]
Radical é aquele discípulo que se deixa fascinar por Cristo e, consequentemente, está disposto a abandonar tudo (cf. Mt 19,21-22) para se identificar com Ele, “assumindo seus sentimentos e seu modo de vida”. Radical é aquele apóstolo que, como Paulo, “renunciou a todas essas coisas e as considerou lixo, a fim de ganhar Cristo” (Fl 3,8). De fato, somente uma conversão plena em Cristo[26] , ou seja, uma identificação completa com a pessoa e a missão de Jesus, garante “a maneira mais radical de viver o evangelho nesta terra”.[27] Isso, por sua vez, gera um impulso renovado para a evangelização: aqueles que, como Jesus, têm apenas Deus e seu reino como causa, representam-no (“reapresentam-no”) de forma confiável e crível.[28]
Como Reitor-Mor, eu havia enfatizado que, para nós, salesianos, “o testemunho pessoal e comunitário da radicalidade evangélica não é simplesmente um aspecto que se coloca ao lado de outros, mas uma dimensão fundamental da nossa vida”. “Não pode ser reduzido apenas à prática dos conselhos evangélicos. Ela envolve todo o nosso ser, abrangendo seus componentes essenciais: o seguimento de Cristo, a vida fraterna em comunidade, a missão”.[29] E concretamente, “para enfrentar os desafios presentes e futuros da vida consagrada salesiana e da missão em toda a Congregação, surge a necessidade de delinear o perfil do novo salesiano”[30] , chamado a ser: místico, reconhecendo o primado absoluto de Deus; profeta, vivendo na e para a fraternidade evangélica; servidor, dedicando-se inteiramente ao acompanhamento e ao cuidado dos jovens mais pobres e necessitados.
Aqui estão as escolhas que somos chamados a fazer hoje:
– Místicos: em um mundo que se sente cada vez mais claramente desafiado pelo secularismo, devemos “encontrar uma resposta no reconhecimento da primazia absoluta de Deus” por meio da “doação total de si mesmo” e na “conversão permanente a uma vida oferecida como verdadeira adoração espiritual”.[31]
– Profetas: “No contexto multicultural e multirreligioso, há uma demanda por um testemunho de fraternidade evangélica.” Nossas comunidades religiosas são chamadas a viver corajosamente o evangelho como uma forma alternativa de vida e “um estímulo para purificar e integrar valores diferentes por meio da reconciliação das divisões”.[32]
– Servos: “A presença de novas formas de pobreza e marginalização deve despertar a criatividade no cuidado com os mais necessitados”[33], que caracterizou o nascimento de nossa Congregação e também marcará o renascimento de nossas Inspetorias, em benefício dos jovens mais pobres e daqueles marginalizados por razões econômicas, sexuais, raciais ou religiosas.
2.9 Capítulo Geral 28 (2020)
O CG 28 teve como tema “Qual salesiano para os jovens de hoje?”.
Sabemos muito bem como a Covid-19 afetou profundamente este Capítulo Geral, que permaneceu, pela primeira vez na história, inacabado e sem um documento oficial do capítulo, devido à urgência de concluir o trabalho mais cedo.
O Reitor-Mor, P. Ángel Fernández Artime, ao apresentar as Reflexões capitulares que se abrem com as linhas programáticas, escreveu com intensidade: “Creio que o documento que os senhores têm agora em mãos nos permitirá aprofundar as motivações eclesiais, carismáticas e identitárias que nos ajudarão a continuar no caminho de fidelidade que, como Congregação e de modo pessoal, desejamos continuar. Hoje, nosso mundo, a Igreja e os jovens, juntamente com suas famílias, precisam de nós, como ontem, para continuar a viver um caminho de fidelidade ao Senhor Jesus. Eles precisam de nós como pessoas significativas e corajosamente proféticas. Que o Senhor nos conceda esse dom. Com mediocridade e medo, podemos oferecer aos jovens poucas coisas que não poderão transformar suas vidas e enchê-las de significado” (apresentação RM, p.10, ênfase original).
O que o Reitor-Mor fez, juntamente com seu Conselho, foi reunir cuidadosamente o que havia sido trabalhado durante os dias do Capítulo, integrando tanto o trabalho que havia sido iniciado, mas não concluído, o que havia sido preparado pela Comissão de Redação, quanto o valioso trabalho pré-capitular das Inspetorias.
O objetivo, nas palavras do próprio Reitor-Mor, era “tornar-se um programa de ação para os próximos seis anos, em absoluta continuidade com o caminho anteriormente percorrido pela Congregação e que, também por isso, nos dá força e coragem” (Linhas programáticas… p. 15, grifo pessoal).
À luz do que o Reitor-Mor nos apresenta em suas “Reflexões capitulares” na conclusão do CG28, o salesiano para os jovens de hoje é chamado a
1. Reafirmar a centralidade da missão (C.3), que não consiste simplesmente em obras ou atividades, mas em ser autênticas “testemunhas e portadores do amor de Deus para os jovens, especialmente os mais pobres e abandonados” (C.2). Essa vocação deve ser manifestada de modo visível, como já indicava o CG23, que havia delineado o salesiano como “pastor-educador dos jovens”.
2. Recuperar plenamente a consciência de que a missão é vivida em comunidade, verdadeiro sujeito da missão (C.49), e que, portanto, deve ser vivida com um profundo sentido de pertença e participação, já que é a própria comunidade que envia cada irmão e lhe confia funções e tarefas específicas, em consonância com o que foi pedido pelo CG 25, que visava renovar a Congregação através da renovação da Comunidade.
3. Reconhecer que a missão hoje se realiza em corresponsabilidade com os leigos, dando origem a um autêntico “novo sujeito pastoral”, como já pedia o CG24, que exortava a uma mudança de mentalidade no salesiano para que ele compartilhasse com os leigos não só o trabalho, mas também o espírito e a missão.
Tudo isso exigia colocar-se em um “estado de aprendizado contínuo” para
a. Crescer na identidade carismática, conforme exigido pelo CG26;
b. Garantir a interioridade apostólica;
c. Alcançar a graça da unidade, como desejava o CG27, traçando um perfil do salesiano como “místico no espírito”, “profeta da comunhão”, “servidor dos jovens”.
Aqui estão as Linhas Programáticas que definem, à maneira de um “verdadeiro roteiro”, o caminho da Congregação para os próximos anos:
1. Salesianos de Dom Bosco para sempre. Um sexênio para crescer na identidade salesiana (voltar a Cristo como consagrados: assumir o estilo de vida obediente, pobre e casto de Jesus – voltar a Dom Bosco como salesianos: identificação com o projeto apostólico de Dom Bosco, as Constituições).
2. Em uma Congregação onde somos convidados pelo “da mihi animas, cetera tolle” (traduzido em um compromisso renovado com a evangelização – prioridade do primeiro anúncio em sintonia com a “Evangelii Gaudium”).
3. Viver o “sacramento salesiano da presença” (assistência renovada caracterizada pela presença – escuta – acompanhamento [Carta de Roma e Christus Vivit]).
4. Formação para ser pastores salesianos hoje (formação para e na missão: para uma consciência sempre maior da formação permanente e do fato de que a comunidade é o lugar privilegiado, garantindo a qualidade de todo o processo).
5. Prioridade absoluta para os jovens, os mais pobres, os mais abandonados e indefesos (um imperativo ainda mais necessário no contexto da atual crise econômica e social. É uma escolha que não admite exceções, porque não é ideológica, mas carismática).
6. Junto com os leigos na missão e na formação. A força carismática oferecida pelos leigos e pela Família Salesiana (comunhão ou senso de pertença e participação ou senso de corresponsabilidade pelo carisma e pela missão).
7. É hora de haver mais generosidade na congregação. Uma congregação universal e missionária (requer concretamente disponibilidade total para suas necessidades de serviço ou missão).
8. Acompanhar os jovens em direção a um futuro sustentável (“aliança verde”; não se trata de uma simples defesa dos “ecossistemas”, mas da promoção de uma “ecologia integral” na perspectiva da Laudato si).
O elemento inspirador e unificador de toda essa articulação foi a Mensagem do Papa Francisco aos membros do CG28 e seu convite premente para reavivar o carisma de Dom Bosco.
Em suma, trata-se de voltar para Valdocco:
– a “opção Valdocco” e o dom da juventude;
– a “opção Valdocco” e o carisma da presença;
– a “opção Valdocco” na pluralidade de idiomas (multiculturalismo);
– a “opção Valdocco” e a capacidade de sonhar.
Em última análise, isso significa reavivar o carisma de Dom Bosco, “ser outros Dom Bosco hoje”, para poder responder com fidelidade criativa e dinâmica aos novos desafios da missão e dos jovens de nosso tempo.
2.10 Capítulo Geral 29 (2025)
O CG29 adotou como tema “Apaixonados por Cristo – dedicados aos jovens” para uma vida fiel e profética da nossa vocação salesiana.
Este Capítulo foi influenciado em grande parte pela nomeação do Reitor-Mor, P. Ángel Fernández Artime, como Cardeal da Santa Igreja, que ocorreu em meados do sexênio, com consequências significativas, inclusive a convocação do CG29, que foi antecipado em um ano.
Conforme exigido pelas Constituições, o Capítulo foi inicialmente presidido pelo Vigário, P. Stefano Martoglio, até a eleição do novo Reitor-Mor, P. Fabio Attard. Este último, embora não fosse originalmente um membro do Capítulo, guiou sabiamente o trabalho até sua conclusão.
Apesar dessas circunstâncias especiais, o Capítulo aprofundou os três núcleos temáticos considerados de fundamental importância pelo Reitor-Mor:
– “Animar e cuidar da verdadeira vida de cada salesiano”;
– “Juntos Salesianos, Família Salesiana e Leigos ‘com’ e ‘para’ os jovens”;
– “Uma revisão corajosa e um redesenho da governo da congregação em todos os níveis”.
O contexto histórico em que o Capítulo ocorreu foi uma página dramática da história contemporânea, caracterizada por uma situação geopolítica tensa, com inúmeros conflitos em andamento e o crescente perigo de uma guerra nuclear. Ao mesmo tempo, a Igreja estava passando pelo “Sínodo para um Caminho Sinodal” e pelo Jubileu da Esperança. Para a congregação, esse período coincidiu com a celebração do 150º aniversário da primeira expedição missionária e com uma profunda mudança no rosto da congregação cada vez mais multicultural.
As deliberações adotadas pela Assembleia do Capítulo, de acordo com o tema geral e os três núcleos temáticos, foram articuladas no documento final:
Salesianos apaixonados por Jesus Cristo e dedicados aos jovens
O tema escolhido pelo Reitor-Mor, P. Ángel Fernández, para o nosso Capítulo aborda a própria essência da vida cristã e religiosa: ser conquistado pelo amor de Cristo a ponto de colocar Deus no centro de nossa existência. A vida consagrada é, em sua totalidade, marcada pelo amor e deve ser vivida sob a bandeira desse amor. Ela não pode ser abraçada autenticamente a não ser com alegria, mesmo em tempos de provação e dificuldade, com a convicção e o entusiasmo daqueles que têm o amor como a força motriz de suas vidas. Dessa raiz brotam a serenidade, a luminosidade e a fecundidade da vida consagrada, qualidades que a tornam fascinante e atraente para os jovens aos quais somos enviados e aos quais, por vocação, somos inteiramente dedicados.
Em sua mensagem aos membros do CG29, o Papa Francisco comentou o tema: “É um belo programa: ser ‘apaixonado’ e ‘dedicado’, deixar-se envolver totalmente pelo amor do Senhor e servir aos outros sem guardar nada para si, como fez o seu Fundador no seu tempo. Mesmo que hoje, em comparação com aquela época, os desafios tenham mudado um pouco, a fé e o entusiasmo permanecem os mesmos, enriquecidos com novos dons, como o da interculturalidade.”
Essa reflexão nos leva inevitavelmente à “paixão de Deus” manifestada no Cristo crucificado – uma expressão que abrange tanto o amor infinito e imensurável de Cristo (“paixão” como expressão de um grande amor) quanto seu imenso sofrimento, resultado da traição de um dos seus, o abandono de todos os discípulos, a negação do líder dos “doze”, a rejeição do povo, a condenação dos líderes religiosos, a crucificação nas mãos dos romanos e o aparente silêncio de Deus (“paixão” como expressão de sofrimento por amor). Não é de surpreender, portanto, que não haja símbolo mais eloquente do que a “paixão” – entendida tanto como amor quanto como sofrimento – do Cristo crucificado.
A razão é muito clara: somente reconhecendo e nos sentindo infinitamente amados pelo Pai em Cristo é que podemos ser conquistados por Ele e nos tornarmos capazes de amar autenticamente os outros – os irmãos, os jovens, todas as pessoas que trabalham conosco na missão.
Foi exatamente esse “pathos” divino que levou Paulo a confessar: “Estou crucificado com Cristo. Não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. E a vida que vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”. (Gl 2,19-20)
Somente quando somos conquistados pela paixão (amor e sofrimento) de Cristo é que podemos nos tornar genuinamente apaixonados, capazes de amor total e doação.
Primeiro núcleo: “Animação e cuidado com a verdadeira vida de cada salesiano”
– Renovar resolutamente a centralidade de Jesus Cristo, redescobrindo a graça da unidade e evitando a superficialidade espiritual.
– Revitalizar a vida fraterna nas comunidades e fortalecer o serviço aos jovens mais pobres como expressão autêntica do carisma salesiano.
– Renovar os processos formativos, cuidando do acompanhamento e da formação na missão.
Segundo Núcleo: “Juntos Salesianos, Família Salesiana e leigos ‘com’ e ‘para’ os jovens”
– Compartilhar em cada comunidade educativo-pastoral a espiritualidade, a missão e a formação com os leigos e os membros da Família Salesiana.
– Oferecer itinerários graduais e sistemáticos de educação à fé e renovar a prática do Sistema Preventivo, garantindo ambientes seguros em todos os lugares.
– Estar presentes nas novas fronteiras da missão: o ambiente digital, a ecologia integral, as novas expressões do carisma.
O terceiro núcleo contém as Resoluções aprovadas pelo Capítulo. Algumas delas alteram artigos das Constituições ou dos Regulamentos, outras exigem que o Reitor-Mor e seu Conselho dediquem atenção especial a questões de particular importância. Essas resoluções representam o fruto de uma reflexão ampla e articulada, que também abrangeu questões que haviam sido deixadas pendentes pelo 28º Capítulo Geral devido à sua conclusão antecipada. Nem todas as questões examinadas foram traduzidas em resoluções ou obtiveram o consenso necessário para gerar mudanças institucionais, mas, ainda assim, contribuíram para a “corajosa verificação e redesenho do governo da Congregação em todos os níveis” solicitada na carta de convocação.
3. Avaliação e perspectivas futuras
3.1 Avaliação
O Concílio Vaticano II exerceu, sem dúvida, uma influência sobre a vida e a missão salesiana. Este não é o lugar para apresentar uma análise exaustiva de todas as transformações que ocorreram na Congregação durante esses sessenta anos, nem estou certo de que tal trabalho já tenha sido feito. Limitar-me-ei, portanto, a destacar algumas transformações que considero particularmente significativas.
A missão passou por uma mudança notável, descrita com particular eficácia pelo Padre Vecchi que, em seus anos como Conselheiro para a Pastoral Juvenil, experimentou esse processo em primeira mão: “A imagem dos Salesianos no início dessa evolução é a de uma Congregação firmemente estabelecida no campo juvenil com estruturas educacionais bem definidas: escolas, centros profissionais, internatos, oratórios; que desenvolve dentro dessas estruturas diferentes “linhas” pedagógicas segundo uma práxis segura: pedagogia religiosa, pedagogia escolar, pedagogia associativa, pedagogia do trabalho, pedagogia do lazer. A preparação do pessoal e os papéis de orientação e governo correspondiam aos campos de trabalho. Também correspondiam aos objetivos gerais, à organização do conteúdo, à escolha dos grupos-alvo e até mesmo a uma interpretação do contexto social e do papel que a tarefa educacional deveria desempenhar nele. A imagem, depois de vinte anos de caminhada (1970-1990), é a de uma Congregação aberta a múltiplos campos de trabalho, em ambientes nos quais surgem constantemente novas exigências educativas e pastorais sob o signo da “complexidade”; que planeja intervenções variadas e, às vezes, sem precedentes; que se depara com a urgência de adaptar, equilibrar e fazer interagir as competências dos membros, de reformular seus programas e de dar consistência a certas intuições”.[34]
Consequentemente, as estruturas de animação e governo também passaram por mudanças, não apenas para melhor responder às necessidades do novo trabalho pastoral, mas para garantir a identidade do carisma e sua inculturação, unidade e descentralização, autonomia e subsidiariedade.
A vida de comunhão cresceu na dimensão da fraternidade, do respeito pela pessoa, do exercício da autoridade, da profundidade das relações interpessoais e da corresponsabilidade nos processos de tomada de decisão.
Impulsionada por estímulos internos e externos, a formação delineou com maior precisão o perfil do salesiano que pretende formar, as condições e a metodologia que tornam possível a sua progressiva identificação com Dom Bosco, referência última da formação salesiana.
A partir dessa perspectiva, pode-se dizer que a Congregação tem sido fiel às demandas da Igreja, do mundo e da cultura, bem como às necessidades em constante mudança dos jovens, buscando responder com fidelidade e criatividade.
No entanto, para evitar cair em um otimismo fácil e verificar se a renovação exigida pelo Concílio Vaticano II não se limitou a uma mera “renovatio accomodata” [conveniente renovação] formal, mas realmente atingiu profundamente as mentes e os corações das pessoas, considero apropriado propor uma avaliação mais ampla do fenômeno pós-conciliar na vida religiosa. Dessa forma, poderemos completar o quadro geral, destacar as tarefas que ainda estão incompletas e delinear as perspectivas futuras.
Acredita-se amplamente que, no período anterior ao Concílio Vaticano II, era relativamente fácil “identificar” os religiosos, sua forma de vida e seu lugar na Igreja. A vida religiosa era caracterizada pela profissão perpétua dos conselhos evangélicos de pobreza, castidade e obediência, de acordo com as Constituições de uma Congregação aprovada pela autoridade eclesiástica. Os religiosos residiam em casas religiosas, conventos ou mosteiros e se distinguiam, dentro e fora de seus institutos, pelo hábito que usavam. O estilo de vida e o reconhecimento claro dos membros os separavam concretamente do “mundo” e os diferenciavam dos “leigos” dentro da própria Igreja.[35]
Como já observamos, o Concílio deu início a uma mudança de proporções copernicanas, envolvendo e modificando todas as instituições, convidadas a se recolocarem dentro da Igreja “no” mundo (GS), segundo uma nova eclesiologia de comunhão (LG) na qual todos os batizados constituem um único povo de Deus com diversidade de vocações, funções e carismas.
Após todo o processo de renovação, a vida religiosa passou por transformações tão fortes que hoje é difícil “identificá-la” e até mesmo justificá-la como uma forma de vida. A dificuldade não decorre primordialmente do abandono do hábito religioso em favor de uma vestimenta mais secular, mas de uma série de fatores externos e internos que obscureceram os traços característicos de sua identidade. Isso explica a insistência atual em recuperar sua “visibilidade” e, consequentemente, seu significado, credibilidade e atratividade.
Podemos dizer que a vida religiosa tem sido desafiada externamente pela secularização e internamente pela perda de identidade.
3.1.1 Crise externa
É inegável que o sinal mais óbvio de nossos tempos é a secularização da sociedade, que atingiu níveis tão elevados de secularismo a ponto de gerar uma cultura de não crença, a-religiosa e essencialmente ateísta.
“Até agora, muitas expressões sociais e culturais eram permeadas por uma dimensão religiosa. Por outro lado, a irrelevância social do que é religioso vem crescendo, o que torna mais difícil e longo o ritmo de amadurecimento da fé, como conhecimento de seus conteúdos e, mais ainda, como prática de vida. E isso é verdade tanto para os jovens de nossas obras quanto para os jovens salesianos em formação.
Ser cristão – ou seja, viver a opção batismal – em uma sociedade pluralista, torna-se um modo social entre muitos outros, com o mesmo direito de cidadania. Assim, pode surgir um clima de relativismo, de obscurecimento dos ideais tradicionais, de perda do sentido da vida: muitos jovens parecem flutuar à deriva em um barco sem bússola. Eles perdem a perspectiva do transcendente, que é o objetivo da fé, e se fecham em pequenas respostas sobre o sentido da vida, que são totalmente insuficientes para as grandes ansiedades do coração humano. As próprias respostas que a ciência pretende lhes oferecer acabam sendo deficientes do ponto de vista da busca de significado, porque não se referem ao propósito último da vida e ao significado global da história.”[36]
Essa secularização se manifesta na vida religiosa com uma face tripla. De fato, ela pode assumir a forma de:
a) Perda da transcendência: quando a fé, como horizonte da vida e da vocação, é reduzida a um mero projeto humano, e a consagração do homem centrado em Deus desaparece.[37]
b) Antropocentrismo: questiona formas de comunidade inter-humana, tipos de amor, a existência de amizade frutífera que não seja uma função do sexo e da vida humana.
c) A práxis socioeconômica: que leva a viver com paixão a ideia de que o homem se realiza no trabalho criativo destinado a dominar o mundo e a produzir os bens necessários à vida, reduzindo a missão a um simples compromisso social.
Em minha opinião, essa visão secularizada da vida religiosa também foi influenciada por uma leitura teológica bastante reducionista do princípio da Encarnação, que enfatizou o primeiro termo, o “quod non assumptum” [o que não foi assumido] de Irineu, a ponto de relegar a segundo plano ou negligenciar completamente a novidade que nos vem de Deus por meio da Encarnação.
3.1.2 Crise interna
É claro que a crise da vida religiosa não decorre exclusivamente de fatores externos, embora devamos reconhecer que eles a condicionam significativamente, mas emerge de dentro dela, levantando as seguintes questões:
a) O problema do fundamento bíblico: parece que a vida religiosa não tem fundamento direto no Evangelho, já que o que Jesus exigiu é válido para todos os que creem nele.
b) A revalorização do matrimônio: o valor santificador que é cada vez mais reconhecido ao amor humano poderia levar a crer que a vida religiosa perdeu o seu significado, considerando que todas as pessoas são chamadas à santidade, não apenas os religiosos.
c) Superação das velhas estruturas: a vida religiosa correu o risco de confinar seus membros em uma rede de preceitos e normas absolutas que nem sempre favorecem a maturidade e uma vida inspirada na liberdade dos filhos de Deus.[38]
3.1.3 Identidade da vida religiosa
Diante da situação atual, devemos nos perguntar sinceramente qual é a nossa tarefa. Em vez de proclamar o fim ou a falta de sentido da vida religiosa em todos os lugares do mundo contemporâneo, é hora de criar ou recriar as estruturas que melhor respondem ao Evangelho, que nos permitem aprofundar as exigências do amor fraterno, do testemunho apostólico, da simplicidade e da doação de Jesus. Em suma, é hora de recuperar a especificidade da vida religiosa, aquilo que pode torná-la crível, eficaz e significativa: a sequela Christi.
Portanto, é indispensável redefinir a identidade da vida religiosa, que não se baseia nos votos, nem nas Constituições, nem no hábito, nem mesmo na missão, mas nos próprios religiosos e emseu relacionamento especial com Cristo. Trata-se de compreender o que é um religioso, porque os religiosos têm “algo especial” a oferecer ao mundo e à Igreja, e é nesse “algo especial” que reside sua importância.[39]
Durante algum tempo, consideramos que nossa identidade se encontrava nos votos de pobreza, castidade e obediência. No entanto, sabemos que “a vida evangélica” não é exclusiva dos religiosos.
A vestimenta e a observância de certas regras de vida ofereciam um tipo de identidade reconhecível no passado, e a perda desses elementos nos últimos anos tem sido dolorosa para muitos. No entanto, independentemente da posição pessoal de cada um – liberal, conservadora ou moderada – é evidente que as pessoas religiosas não devem buscar sua identidade em sinais exteriores.
Muitos acreditam que a identidade da vida religiosa decorre do apostolado que uma comunidade realiza no mundo e na Igreja. Entretanto, mesmo nesse caso, devemos ser realistas: o trabalho que realizamos pode ser feito por leigos. De fato, os leigos costumam ser mais profissionais do que os religiosos, que descobrem que, mesmo aqui, existe aquele “algo especial” que a vida religiosa é chamada a oferecer à Igreja e à sociedade.
Para definir a identidade da vida religiosa, precisamos nos voltar para o Deus que nos chamou: o Deus de Jesus, o Deus do Novo Testamento, o Deus-Amor. A Palavra de Jesus (Logos), ou seja, toda a sua vida, e suas palavras constituem a revelação de Deus e o fundamento da vida religiosa. Em vez de buscar nas Escrituras textos que justifiquem a vida religiosa, é necessário olhar e contemplar Jesus, que inaugurou uma nova maneira de ser humano. O Evangelho de João expressa isso magistralmente com uma série de textos que formam um “continuum”:
– Conhecemos o amor do Pai no envio de seu Filho, precisamente porque ele ama o mundo e não quer sua morte, mas sua vida (cf. Jo 3,16).
– Jesus de Nazaré é o filho que amou os seus até o extremo (cf. Jo 13,1) e se ofereceu no maior ato de amor por eles: dar a própria vida para que eles pudessem tê-la em abundância (cf. Jo 15,13).
– Os discípulos de Jesus devem amar uns aos outros para mostrar ao mundo que são seus discípulos (cf. Jo 13,35).
– Os cristãos, por sua vez, que ouvem falar desse Deus-Amor por meio da pregação dos discípulos, devem ser um no amor “para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste como me amaste” (cf. Jo 17,27).
– Em suma, a vida cristã deve necessariamente se distinguir pela qualidade do amor, de modo a manifestar e ser uma testemunha do Deus que é Amor (cf. 1Jo 4,7-12).
A perfeição no amor é, portanto, a vocação de todo cristão e de todo ser humano. E essa também é a missão dos religiosos no contexto do chamado universal à santidade.
A tarefa da comunidade religiosa, no coração da Igreja, não é adquirir um excedente de santidade ou perfeição em relação aos não religiosos, mas garantir que essa boa notícia do Deus-Amor pregado se torne uma realidade concreta. Para isso, eles se comprometem publicamente por meio de votos, e essa missão – com a responsabilidade de encarná-la em suas vidas – é aceita pela comunidade cristã.
Portanto, somente uma vida caracterizada pelo amor terá a força para se revelar e se tornar crível, como mostram os resumos da vida da comunidade de Jerusalém (Atos 2,42-48; 4,32-35; 5,12-16), e provocará nos outros a pergunta sobre por que vivemos. Então, a única resposta possível e válida será: “por causa do Deus em quem acreditamos”.[40]
3.2 Perspectivas para o futuro
Olhando para trás, para a jornada da Congregação, já observamos que a mudança nem sempre foi linear ou pacífica, mas sujeita, como é natural, à verificação, correção e refinamento. A resistência mais forte nunca foi em relação à renovação das Constituições ou das estruturas governamentais, ou mesmo das práticas pastorais, mas sim em relação à renovação espiritual que envolveu, e continua a envolver hoje mais do que ontem, uma profunda conversão.
Os sessenta anos de transformações deram forma a uma nova forma de vida religiosa salesiana e já temos odres novos (temos uma nova evangelização, uma nova escola, uma nova educação, um novo modelo pastoral, uma nova formação). Aos poucos, o vinho novo também foi produzido (o novo evangelizador, o novo educador, o novo agente pastoral, o novo salesiano).
Talvez às vezes nos sintamos desconfortáveis com o uso do adjetivo “novo” para qualificar realidades que pensávamos conhecer, especialmente por causa das consequências práticas que isso acarreta: a necessidade de nos renovarmos espiritualmente, nos atualizarmos profissionalmente e nos qualificarmos pedagogicamente. No entanto, a novidade não é, pelo menos nesse caso, uma busca pelo esnobismo, mas sim um respeito pela novidade dos contextos, das realidades e dos seres humanos. É evidente que hoje nos deparamos com um homem culturalmente novo. Isso significa que a novidade nos é imposta de fora e nos desafia.
Hoje, a preocupação da vida religiosa em geral, e da Congregação em particular, não pode ser a de sobreviver, mas a de criar uma presença significativa e eficaz. Portanto, não se trata de uma questão de sobrevivência, mas de profecia. Devemos ser sinais de um Deus que não é o inimigo, mas o promotor do homem, que é a origem de uma nova humanidade fundada no amor (cf. C.62). “Isso implica dar vida a uma presença que suscite perguntas, dê motivos de esperança, convoque as pessoas, desperte a colaboração, ative uma comunhão cada vez mais fecunda, para realizar juntos um projeto de vida e de ação segundo o Evangelho.”[41]
Em suma, o que se deseja é uma forma de vida que priorize a dimensão profética, que privilegie as pessoas mais do que as estruturas, que seja fascinante e atraente.
Parafraseando o P. Karl Rahner em seu testamento espiritual, podemos dizer que o futuro da vida religiosa passa por sua força mística, por sua experiência e testemunho nítidos e firmes de Deus, superando todas as formas de tédio, apatia e mediocridade. A vida religiosa surgiu e tem sentido somente como sinal da busca de Deus e como testemunho de tê-lo encontrado. Caso contrário, ela se perverte e, em vez de ser um projeto de vida, é reduzida a um estado de vida, desprovido de dinamismo e relevância.
Sua missão é ser uma metáfora e um símbolo (sinais e portadores do amor de Deus, especialmente em favor dos mais necessitados de experimentar que Deus existe, que Ele os ama e que Deus é Amor), combinando a abertura a tudo o que é bom, amável, nobre e livre, com a contemplação e o compromisso de se aproximar dos excluídos e daqueles que lutam pela dignidade da pessoa humana.
Quando os Superiores Gerais decidiram abordar o tema da refundação da vida religiosa[42], foram movidos pela consciência de que há necessidade de “vinho novo” para “odres novos”. Quase parece ser um eco do apelo lançado pelo Concílio Vaticano II, com a diferença de que agora o pedido é mais urgente e ressoa de dentro para fora como um chamado urgente para voltar às origens da Congregação e recuperar sua “originalidade”; ir em direção ao essencial, onde a “missão” não é reduzida a obras nem identificada com atividades que, às vezes, em vez de revelar, velam e escondem significados e motivações profundas.
As imagens de “luz”, “sal” e “fermento”, usadas por Jesus no Evangelho para definir a natureza e a missão dos discípulos, são reveladoras e desafiadoras. É preciso simplesmente “ser” para ter significado e relevância. Mas se o sal perder o sabor, ou se a luz for colocada sob o alqueire, ou se o fermento não tiver força para fermentar, eles não têm utilidade. Eles perderam sua razão de ser.
A força da vida religiosa está enraizada em seu caráter contracultural, subversivo em relação ao aburguesamento e ao desenvolvimento que é ilimitado, mas desprovido de transcendência. Mais uma vez, o problema é de identidade e identificação, não mais dependente de vestimentas ou estruturas, mas de uma forte experiência de Deus que transforma e revoluciona profundamente nossas vidas, e de uma comunidade onde começamos a viver com novidade de vida e com modelos alternativos à cultura dominante.
“Não se conformem com a mentalidade deste século”, escreveu Paulo aos romanos, “mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que possam discernir a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito para ele” (12,2).
Nessa mesma linha, gostaria de concluir delineando cinco perspectivas para o futuro, que já foram objeto de profunda reflexão e estudo pelos últimos Reitores-Mores em suas cartas. Essas áreas ainda precisam ser renovadas para que possamos embarcar nessa nova fase histórica, repleta de desafios significativos, mas também de oportunidades extraordinárias, com energia renovada e clareza de planejamento:
1. A renovação espiritual de cada salesiano: implica um retorno à essência da nossa vocação: Deus e o seu Reino. Deus deve ser a nossa principal “ocupação”. É Ele que nos envia e confia os jovens para que os ajudemos a amadurecer até a estatura de Cristo, o homem perfeito. Para nós, a recuperação da espiritualidade não pode ser separada da missão, se quisermos evitar o risco de evasão. Deus está nos esperando nos jovens para nos dar a graça de um encontro com Ele (cf. C.95; CG23). Portanto, é inconcebível e injustificável que a “missão” possa ser um obstáculo ao encontro com Deus e ao cultivo da intimidade com Ele.
2. A consistência das comunidades: a qualidade da vida comunitária e da ação educativo-pastoral exige uma sólida consistência quantitativa e qualitativa da comunidade salesiana. Todas as propostas que visam a tornar a vida cotidiana formativa e a melhorar metodologias, atividades ou conteúdos chocam-se inevitavelmente com as possibilidades reais da comunidade. Para nós, a comunidade representa um elemento fundamental da profissão, junto com os votos e a missão. Mais profundamente, ela constitui a esfera na qual devemos viver a espiritualidade, a missão e os votos. Portanto, não podemos persistir na pretensão de resolver todos os problemas às custas do carisma.
3. A ressignificação da presença: essa é uma exigência tanto da comunidade quanto da missão, visando à qualidade de ambas. No passado, quando se falava de “redimensionamento” a ênfase estava no fechamento de obras ou na sua entrega a outros membros da Família Salesiana. Hoje, porém, embora se reitere que o “redesenho” é uma tarefa inevitável, se não quisermos enfraquecer as comunidades e sobrecarregar os irmãos, a ênfase recai sobre o “significado” e o redesenho da presença salesiana no território. Isso não se limita ao trabalho, mas representa um modo de ser, de trabalhar e de se organizar que visa não só à eficácia (responder às necessidades dos destinatários), mas também a gerar significado, abrir perspectivas, envolver as pessoas e promover respostas inovadoras. Em outras palavras, como Jesus, criar “sinais” que provoquem a participação – e nada é mais poderoso do que ser salesianos apaixonados por Jesus Cristo e dedicados aos jovens. É um convite a deslocar a Inspetoria para onde as necessidades dos jovens são mais urgentes e onde a nossa presença é mais frutífera. Devemos, portanto, estar conscientes de que a nossa vida consagrada não será onipresente e, em muitos contextos, nem mesmo socialmente relevante, mas continuará a ser necessária para a comunidade cristã na medida em que for um sinal autêntico do Reino vindouro.
4. A qualidade da proposta educativo-pastoral: o caminho percorrido até agora foi, pelo menos em muitas realidades, caracterizado pela expansão e multiplicação das obras, às vezes comprometendo a qualidade da nossa atividade, pois acabamos privilegiando mais o aspecto administrativo do que o pastoral, ou a manutenção e a construção de estruturas do que a clareza e a seriedade do projeto educativo-pastoral. Hoje somos chamados a desenvolver formas mais intensas de evangelização, a nos concentrar no amadurecimento humano e na educação da fé, a treinar adequadamente nossos colaboradores, a integrar a comunidade educativo-pastoral e, junto com ela, a desenvolver e implementar um projeto compartilhado. Essa é uma parte essencial do significado.
5. A formação do salesiano: a complexidade das situações contemporâneas, os desafios colocados pelos jovens, a necessidade da nova evangelização e a tarefa da inculturação exigem, naturalmente, uma formação adequada a essa vida renovada, capaz de habilitar o salesiano a viver a sua vocação com dinamismo e solidez, a realizar a missão com profissionalismo e competência, a assimilar pessoalmente a identidade carismática, que não é outra coisa senão apropriar-se do dom recebido de Deus no chamado. O documento sobre a Formação na Vida Consagrada afirma claramente: “A renovação dos institutos religiosos depende principalmente da formação de seus membros”.[43] Isso representa, em minha opinião, o maior desafio que a Congregação enfrenta hoje, ao qual ela pretendeu responder com a elaboração da nova Ratio.[44]
Não creio que a pergunta da década de 1970, que surgiu após o Concílio, deva ser levantada novamente: “A vida religiosa ainda?”. Tal pergunta, mesmo de um ponto de vista antropológico, parece sem sentido. A Igreja e o mundo precisam de pessoas que façam profissão de encarnar o interesse pelo Absoluto, pelo essencial, e que constituam uma reserva de humanismo, um sinal poderoso, eloquente e radical da “sequela Christi”. É isso que o Concílio Vaticano II desejava e esperava da vida religiosa. Esse tem sido o objetivo da Congregação durante esses últimos 60 anos: ser fiel a Cristo e a Dom Bosco com uma fidelidade dinâmica e vital.
Roma, maio de 2025
Pascual Chávez V., SDB
[1] VECCHI J. E., “Pastoral Care, Education, Pedagogy in Salesian Praxis”, em Il Cammino e la Prospettiva 2000, do Dicastero per la Pastorale Giovanile – SDB. Roma, 1991, p. 8.9. O artigo é muito interessante, embora leve em consideração apenas a evolução pós-conciliar na realização da missão salesiana.
[2] ACG 319 (1986), p. 3-4.
[3] Cf. SCHNEIDERS Sandra M., Finding the Treasure. Religious Life in a New Millennium [Vida Religiosa no Novo Milênio]. Mahwa, N.J. 2000. Pp. 13-17.
[4] VECCHI, “Pastoral…”, 9.
[5] VIGANÒ Egídio, O XXII Capítulo Geral, ACS 305 p. 7.
[6] Ibid.
[7] VIGANÒ Egídio, ACS 305 p. 9.
[8] Cf. RICCERI Luigi, Carta do Reitor-Mor (ACS, 254. Pp. 3-9); Relatório geral sobre o estado da Congregação. Capítulo Geral Especial. Roma, 1971. Documentos do CGE. Vol. I Orientações. Roma, 1971.
[9] RICCERI Luigi, Carta do Reitor-Mor, ACS 254 p. 6.
[10] Cf. WIRTH Morand, De Dom Bosco aos nossos dias. Tra storia e nuove sfide (1815-2000). Roma, 2000. P. 452.
[11] Cf. Relatório, pp. 5-6, 19-21, 33-42.
[12] Cf. WIRTH, De Dom Bosco, 452-454.
[13] Cf. RICCERI Luigi, Convocação do Capítulo Geral 21 (ACS, 283 pp. 3-11); Relatório geral sobre o estado da Congregação ao CG21. Roma, 1977; Documentos capitulares. Roma, 1978.
[14] VECCHI Juan E., “Rumo a uma nova etapa da pastoral juvenil salesiana” em Il Cammino e la Prospettiva 2000. Editado pelo Dicastério para a Pastoral Juvenil – SDB. Roma, 1991, pp. 46-47.
[15] VECCHI, “Towards…”, pp. 70-71.82; WIRTH, From Don Bosco, 471.
[16] Cf. VIGANÒ E., Il Capitolo Generale XXII (ACS, 305 pp. 5-20); La Società di San Francesco di Sales nel sessennio 1978-1983. Relatório do Reitor-Mor ao CG22. Roma, 1983; Documentos do CG22 (Orientações operacionais). Roma, 1984.
[17] Capítulo Geral 22 da Sociedade de São Francisco de Sales. Documentos. Roma, 1984, p. 19.
[18] Cf. WIRTH, De Dom Bosco, 468.
[19] Cf. VIGANÒ Egídio, Convocação do Capítulo Geral 23 (ACG, 327 pp. 3-25); A Sociedade de São Francisco de Sales no sexênio 1984-1990. Relatório do Reitor-Mor. Roma, 1990. Educar os jovens à fé. Documentos capitulares. Roma, 1990.
[20] WIRTH, De Dom Bosco, 483-484.
[21] Cf. VIGANÒ Egídio, Convocação do Capítulo Geral 24 (ACG, 350 pp. 3-33). VECCHI Juan E., A Sociedade de São Francisco de Sales no sexênio 1990-95. Relatório do Vigário do Reitor-Mor. Roma, 1996. Salesianos e leigos: comunhão e participação no espírito e na missão de Dom Bosco. Documento capitular. Roma, 1996.
[22] Cf. VECCHI Juan E., Rumo ao Capítulo Geral 25 (ACG, 372 pp. 3-39).
[23] LIPOVETSKY G., La era del vacío, Barcelona, 41990, citado por Albuquerque E., Cuadernos de Formación Permanente, CCS. Madri, 2001, p. 97.
[24] VECCHI, Verso…, 14.
[25] P. Chávez, “Testemunhas do radicalismo evangélico. Chamados a viver com fidelidade o projeto apostólico de Dom Bosco”. “Trabalho e temperança”, ACG 413 (2012) 5. Os itálicos são meus.
[26] “Somente através da conversão é que se chega a ser cristão; isso é tão válido para toda a existência do indivíduo quanto para a vida da Igreja” (Bento XVI, “Warum ich noch in der Kirche bin”, en Id., Grundsatzreden aus fünf Jahrzehten, Regensburg 2005, 105-107).
[27] João Paulo II, Vita Consecrata, 18.
[28] “Em nosso tempo, quando em vastas áreas da Terra a fé corre o risco de se extinguir como uma chama que não consegue mais encontrar alimento, a prioridade acima de tudo é tornar Deus presente neste mundo e abrir o acesso a Deus para as pessoas. Não a qualquer deus, mas àquele Deus que falou no Sinai; àquele Deus cuja face reconhecemos no amor conduzido até o fim (cf. Jo 13,1) – em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado. O verdadeiro problema neste momento da nossa história é que Deus está desaparecendo do horizonte da humanidade e que, com a extinção da luz que vem de Deus, a humanidade está sendo tomada por uma falta de orientação, cujos efeitos destrutivos estão se tornando cada vez mais evidentes para nós”. (Bento XVI, Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a remissão da excomunhão dos quatro bispos consagrados pelo Arcebispo Lefebvre, Vaticano, 20 de março de 2009. Cf. http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/letters/2009/documents/hf_ben-xvi_let_20090310_remissione-scomunica_it.html
[29] Chávez, “Witnesses”, 8.22.
[30] Chávez, “Witnesses” (Testemunhas), 19.
[31] João Paulo II, Ecclesia in Europa, nº 38
[32] Ibid.
[33] Ibid.
[34] VECCHI, “Pastoral”, 8.
[35] SCHNEIDERS, Encontrando. xxiii.
[36] VIGANÒ E., ACG 339 pp. 12-13.
[37] Cf. BARTOLOMÉ Juan José, “Malestar de la fe, ¿en la vida consagrada? Una cuestión previa a la evangelización”, Salesianum 62 (2000), 147-164.
[38] Cf. PIKAZA X., Esquema teológico de la Vida Religiosa. Ediciones Sígueme, Salamanca 1978, pp. 29-44.
[39] Cf. CENCINI A., “Identidad y Misión de la Vida Consagrada”, Confer 154 (2001), 251-268.
[40] Cf. MOLONEY Francis J., Disciples and Prophets: A Biblical Model for the Religious Life. Editado por Darton, Longman e Todd em Londres, 1980.
[41] VECCHI Juan E., Experts, Witnesses, and Builders of Communion (Peritos, Testemunhas e Construtores da Comunhão). ACG 363, 21. Não é por acaso que o próprio P. Vecchi cita esse texto em sua carta de convocação do CG25, ACG 372, 30.
[42] Cf. AA.VV., Para a fidelidade criativa. Refundação: realocação de carismas, redesenho da presença. The Calamus. Roma, 1999, que recolhe o 54º Convenius Semestralis da USG, em Ariccia, em novembro de 1998.
[43] Potissimum Institutioni, 1.
[44] A formação dos salesianos por Dom Bosco. Princípios e normas. Ratio Institutionis et Studiorum. Quinta edição. Roma, 13 de janeiro de 2025.