🕙: 13 min.
image_pdfimage_print

Ninguém pode se salvar da fúria das águas em grandes enchentes. Todos precisam de um salvador para levá-los em seu barco. Aqueles que não entram no barco correm o risco de serem arrastados pelas águas furiosas. Dom Bosco compreendeu um significado mais profundo em seu sonho, o da barcaça salvadora, e o transmitiu a seus jovens.


            Dom Bosco então, diante da multidão de seus jovens, segunda-feira à noite, primeiro dia do ano, falou:
            Parecia-me estar pouco diante de um lugar que, pelo aspecto, se parecia com Castelnuovo d’Asti, mas não era. Todos os jovens do Oratório se recreavam numa imensa pradaria. Eis senão quando, de repente, águas são vistas surgir nos limites daquela planície, e nos vimos circundados de todos os lados por uma inundação, que aumentava à medida que vinha em nossa direção. O rio Pó tinha saído de seu leito, enormes e apavorantes torrentes transbordavam de suas margens.
            Nós, tomados pelo terror, saímos correndo em direção de um grande moinho isolado, longe de outras habitações, com grossas paredes, semelhantes às de uma fortaleza. Parei no pátio no meio de meus caros jovens consternados. Mas as águas começaram a invadir também aquela área; fomos obrigados a nos retirar todos em casa e, depois, subir aos quartos de cima. Das janelas se enxergava a extensão do desastre. Das colinas de Superga aos Alpes, em lugar de prados, campos cultivados, hortas, bosques, fazendas, vilarejos, cidades, não se via nada mais do que a superfície de um imenso lago. À medida que a água crescia, subíamos de um andar a outro. Tendo perdido toda esperança humana de nos salvar, comecei a encorajar os meus caros, dizendo que se colocassem todos com confiança nas mãos de Deus e nos braços de nossa querida mãe Maria.
            A água já estava quase no nível do segundo andar. Aí o susto foi total, e não havia outra forma de fugir a não ser com uma grande barcaça em forma de navio, que apareceu naquele momento, navegando perto de nós. Todos, com respiração ofegante, queriam ser os primeiros a se refugiar, mas não conseguiam, porque a barcaça não podia se aproximar da casa por causa de um muro, que emergia um pouco acima das águas. Só havia um único meio para passar; era um tronco fino e comprido de árvore. A passagem era dificílima, pois o tronco acompanhava o balanceio da barca agitada pelas águas.
            Tomei coragem e passei por primeiro, e para facilitar aos jovens o transbordo e tranquilizá-los, distribuí clérigos e padres que, do moinho seguravam um pouco quem saía e na barcaça davam a mão a quem chegava. Mas, caso singular! Depois de um pouco desse trabalho, os clérigos e os padres estavam tão cansados que, ora aqui, ora ali, caíam de exaustão, e os que os substituíam tinham o mesmo destino. Maravilhado, também eu quis experimentar, e me senti tão exausto que não podia mais ficar de pé.
            Entrementes, muitos jovens, impacientes, seja por medo da morte seja para mostrar coragem, tendo encontrado um pedaço de tábua bastante comprido e um pouco mais largo do que o tronco de árvore, fizeram uma segunda ponte e, sem esperar a ajuda dos clérigos e dos padres, estavam por se jogar precipitadamente, sem dar ouvidos a meus gritos. Eu gritava:
            – Parem, parem, caso contrário cairão!
            Aconteceu que muitos, ou machucados, ou perdendo equilíbrio, antes de chegar até a barca, caíram e, tragados por aquelas águas sujas e escuras, não foram mais vistos. A frágil ponte também afundou com todos os que estavam nela. Tão grande foi o número dos infelizes, que um quarto dos nossos jovens foi vítima de seu capricho.
            Eu, que até então tinha segurado firmemente a extremidade do tronco de árvore enquanto os jovens subiam, percebendo que a inundação ultrapassara o nível do obstáculo provocado pelo muro, achei uma maneira de puxar a barcaça para o lado do moinho. Aqui estava o P. Cagliero que, com um pé no parapeito da janela e outro na beirada da barca, dando-lhes a mão e colocando-os a salvo na barca, fez pular os jovens que haviam ficado nos quartos.
            Nem todos os jovens estavam salvos ainda. Uns quantos tinham subido ao sótão e daí para o telhado. Ali estavam agrupados no cume apertando-se uns aos outros, enquanto a inundação crescia sem parar um instante, cobrindo já as extremidades e uma parte das beiradas do telhado. Com a água, também a barca subira e eu, vendo aqueles pobrezinhos em tão horrível dificuldade, gritei-lhes que rezassem de coração, que permanecessem quietos, que descessem unidos, segurando-se uns aos outros pelos braços para não escorregar. Obedeceram. Com o lado da nave encostada na beirada do telhado, eles também, ajudados pelos companheiros, vieram a bordo. Aqui havia grande quantidade de pães guardados em muitos cestos.
            Quando estavam todos na barcaça, incerto ainda de escapar daquele perigo, tomei o comando de capitão e disse aos jovens:
            – Maria é a Estrela do Mar. Não abandona quem nela confia; coloquemo-nos todos sob seu mando. Ela nos tirará dos perigos e nos guiará a um porto tranquilo.
            Aí entregamos a barca aos vagalhões, enquanto flutuava maravilhosamente e se movia, afastrando-se daquele lugar (facta est quase navis institoris, de longe portans panem suum = é parecida com o navio do comerciante, que importa de longe as provisões. – Pr 31,16). O ímpeto das ondas agitadas pelo vento lhe imprimia tamanha velocidade que nós, abraçados uns aos outros, formamos um só corpo para não cair.
            Percorrida muita distância em brevíssimo tempo, de repente a barca para e começa a girar em volta de si mesma com extraordinária velocidade; parecia afundar. Porém, uma golfada violentíssima de vento a tirou do vórtice. Tomou, então, uma velocidade mais regular e, repetindo-se de quando em quando um redemoinho e golpe de vento salvador, foi parar perto de uma margem mais enxuta, bonita e extensa que parecia erguer-se como uma colina no meio daquele mar.
            Muitos jovens se encantaram. Dizendo que o Senhor tinha posto o homem na terra e não sobre as águas, sem pedir licença, saíram da barca festejando. Convidando outros a segui-los, desembarcaram naquela colina. Sua alegria durou pouco, pois crescendo de novo as águas, devido a um repentino recrudescimento da tempestade, invadiram as fraldas daquela linda colina, e rapidamente soltando gritos desesperadores, aqueles infelizes se viram com a água até à cintura. Depois, derrubados pelas ondas, desapareceram. Eu exclamei:
            – É mesmo verdade que quem faz de própria cabeça para caro.
            A barca embalada por aquele turbilhão ameaçava de novo afundar. Vi então meus jovens de rosto pálido e ofegante. Gritei-lhes:
            – Tenham coragem; Maria não nos abandonará. – Unânimes, de coração, recitamos os atos de fé, de esperança, de caridade e de contrição, alguns Pai Nossos e Ave Marias e a Salve Rainha; então, ajoelhados, dando-nos as mãos, recitamos individualmente orações particulares. Entretanto, alguns insensatos, indiferentes àquele perigo, como se nada estivesse acontecendo, levantando-se e vagueando, giravam ora para cá e ora para lá, dando risadas de mofa e gozando do comportamento de súplica dos companheiros. Eis que a nave para de improviso, gira sobre si mesma com rapidez, e um vento furioso jogou aqueles miseráveis nas ondas. Eram trinta, e sendo a água profunda e barrenta, assim que caíram nela, nada mais se viu deles. Nós entoamos a Salve Rainha e, mais do que nunca, invocamos de coração a proteção da Estrela do Mar.
            Sobreveio a calma. E a nave, como um peixe, continuava a avançar sem que soubéssemos para onde nos teria conduzido. A bordo fervia continuamente e de várias maneiras um trabalho de salvamento. Fazia-se de tudo para impedir aos jovens de cair nas águas e para salvar os que haviam caído. Pois havia daqueles que, segurando-se incautamente nos baixos parapeitos da barcaça, caíam no lago. Havia também os prepotentes e cruéis que chamavam colegas para perto da beirada e com um empurrão os atiravam nas águas. Por isso vários padres preparavam varas fortes, grossas cordas e anzóis de diversas espécies. Outros amarravam os anzóis às varas e os distribuíam e estes e àqueles. Outros já estavam em seus lugares com as varas levantadas e, com o olhar fixo sobre as ondas, atentos ao grito de socorro. Mal um jovem caía, as varas se abaixavam, o náufrago se agarrava na linha ou, então, com o anzol era fisgado pela cintura ou pelas roupas e, assim, era trazido a salvo. Entre os encarregados da pesca havia os que atrapalhavam ou impediam os pescadores e aqueles que preparavam ou distribuíam os anzóis. E os clérigos vigiavam por todos os lados para segurar os jovens que formavam ainda uma multidão.
            Eu estava aos pés de um estandarte fixado no centro, rodeado por muitíssimos jovens, padres e clérigos que executavam minhas ordens. Até o momento que ficaram dóceis e obedientes às minhas palavras, tudo ia bem, estavam tranquilos, contentes e seguros. Não poucos começaram a achar incômoda a barcaça, a considerar a viagem muito longa, a se queixar do desconforto e dos perigos da travessia, a apostar a respeito do lugar aonde haveríamos de aportar, a pensar em maneira de procurar outro refúgio, e se iludir na esperança de que perto haveria terra, onde encontrariam abrigo seguro, a duvidar que cedo faltariam víveres, a discutir entre si, a recusar obedecer-me. Em vão me esforçava com motivações para persuadi-los.
            E eis outras barcaças, que se aproximavam parecendo terem direção diferente da nossa, e os imprudentes decidiram secundar seus caprichos, afastar-se de mim e fazer seu próprio gosto. Atiraram às águas algumas mesas que estavam na nossa barcaça e, tendo visto outras bastante largas que flutuavam não muito afastadas, saltaram nelas e se afastaram atrás das barcaças que haviam aparecido. Foi uma cena indescritível e dolorosa para mim; via aqueles infelizes irem ao encontro da ruína. O vento soprava, os vagalhões se agitavam; alguns afundaram debaixo deles que se levantavam e abaixavam com fúria; outros foram envolvidos pelas espirais dos vórtices e arrastados para os abismos; outros bateram em obstáculos na superfície da água e desapareceram de cabeça para baixo. Alguns quantos conseguiram subir nas barcaças que, entretanto, não demoraram a submergir. A noite tornou-se escura e negra. Ao longe se ouviam gritos lancinantes daqueles que pereciam. Todos naufragaram. In mare mundi submergentur omnes illi quos non suscipit navis ista (No mar do mundo naufragarão todos aqueles que esta nave não acolhe), isto é, o navio que é Maria Santíssima.
            O número de meus queridos filhos tinha diminuído muito. Apesar disso, o barco entrou numa espécie de estreito apertadíssimo, entre duas margens lamacentas cobertas de arbustos e grandes lascas, pedregulhos, estacas, galhada, pedras quebradas, antenas, remos. Ao redor da barca viam-se tarântulas, sapos, cobras, dragões, crocodilos, tubarões, víboras e mil outros animais nojentos. Nos salgueiros chorões que pendiam sobre nossa embarcação, havia gatões de corpo estranho que dilaceravam pedaços de membros humanos. E muitos macacos que, balançando nos galhos, se esforçavam para tocar e enroscar-se nos jovens. Mas estes, inclinando-se amedrontados, se esquivavam daquelas insídias.
            Foi ali, naquele canal, que revimos com grande surpresa e horror os pobres companheiros perdidos ou que haviam desertado de nós. Depois do naufrágio tinham sido jogados pelas ondas naquela praia. Os membros de alguns estavam em pedaços por causa do choque violentíssimo contra os escolhos. Um estava soterrado no pântano e dele só eram vistos os cabelos e metade de um braço. Aqui emergia da lama um dorso, mais adiante, uma cabeça; alhures boiava inteiramente visível algum cadáver.
            De repente ouve-se a voz de um jovem da barcaça gritando:
            – Aqui está um monstro que devora as carnes do fulano de tal!
            E chama repetidamente pelo nome aquele desgraçado, apontando-o com o dedo aos companheiros aterrorizados. Mas outro era o espetáculo que se apresentava a nossos olhos. Não longe se levantava uma gigantesca fornalha; nela se propagava um alto e ardentíssimo fogo. Nela apareciam formas humanas e se viam pés, pernas, braços, mãos, cabeças, ora subindo ora descendo entre as chamas, confusamente, da mesma maneira que uma leguminosa na panela quando esta ferve. Observando com atenção, descobrimos muitos de nossos alunos e ficamos espantados. Acima daquele fogo havia como que uma grande cobertura, na qual estava escrito em grandes caracteres estas palavras: – O SEXTO E O SÉTIMO CONDUZEM AQUI.
            Perto havia um extenso e alto promontório com muitíssimas árvores desordenadamente dispostas. Aí se movimentava grande multidão de nossos jovens. Haviam ou caído nas ondas ou se afastado durante a viagem. Eu desci à terra sem olhar ao perigo. Aproximei-me e vi que estavam os olhos, os ouvidos, os cabelos ou até o coração, cheios de insetos e vermes nojentos que os roíam, causando-lhes enorme dor. Um destes sofria mais do que os outros; queria me aproximar dele, mas ele fugia de mim, escondendo-se atrás das árvores. Vi outros que, abrindo as vestes por causa da dor, mostravam a pessoa envolta por serpentes; outros tinham víboras no colo.
            Mostrei a todos uma fonte que jorrava em grande quantidade água fresca e ferruginosa. Quem nela se lavasse, ficava curado no mesmo instante e podia voltar para a barcaça. Grande parte daqueles infelizes obedeceu a meu convite; entretanto, alguns recusaram. Eu, então, deixando de esperar, dirigi-me àqueles que tinham recuperado a saúde, e que, às minhas insistências, me seguiram em segurança, pois os monstros tinham se retirado. Apenas embarcados, a barcaça empurrada pelo vento saiu daquele estreito pelo lado oposto do qual tinha entrado, lançando-se num oceano sem limites.
            Nós, lamentando o triste destino e fim lacrimoso dos nossos companheiros abandonados naquele lugar, começamos a cantar: Lodate Maria, o lingue fedeli (Louvando Maria o povo fiel…), em agradecimento à grande Mãe do céu, por nos haver protegido até então. No mesmo instante, como se fosse a mando de Maria, a fúria do vento cessou, e a nave começou a deslizar veloz por sobre ondas plácidas, com tanta facilidade que não se pode descrever. Parecia que ela avançasse unicamente com o impulso que os jovens lhe davam jogando para trás a água com a palma da mão.
            E eis que aparece no céu o arco-íris, mais maravilhoso e variado que uma aurora boreal. Passando nele lemos, sem entender-lhe o sentido, escrita em grandes caracteres, a palavra MEDOUM. A mim, porém, pareceu que cada letra é o começo destas palavras: Mater Et Domina Omnis Universi Maria (Mãe e Senhora de Todo o Universo Maria).
            Após longo trecho de viagem, eis que desponta terra ao longe no horizonte. Aproximando-nos pouco a pouco, sentimos despertar no coração uma inexprimível alegria. Essa terra, muito amena por causa de pequenos bosques com toda espécie de árvores, oferecia a mais encantadora paisagem, porque era iluminada como a claridade da luz do sol nascente por detrás das colinas. Era uma luz que brilhava inefavelmente serena, parecida à de uma esplêndida tarde de verão, que infundia uma sensação de repouso e de paz.
            Finalmente tocando contra as areias da praia e arrastando nelas, a barcaça parou no seco, aos pés de um belíssimo vinhedo. Desta barcaça se pode muito bem dizer: Eam tu Deus pontem fecisti, quo a mundi fluctibus trajicientes ad tranquillum portum tuum deveniamos (Ó Deus, fizeste a ponte pela qual podemos passar sobre as ondas do mundo e chegar tranquilos no porto).
            Os jovens estavam desejosos de entrar na vinha, e alguns, mais curiosos do que outros, num pulo estavam na praia. Mas, depois de alguns passos, lembrando do destino infeliz daqueles primeiros que se encantaram com a margem no meio do mar borrascoso, retornaram bem de pressa ao barco.
            Todos tinham os olhos voltados para mim; a pergunta estava na fronte de cada um:
            – Dom Bosco, está na hora de descer e parar?
            Primeiro refleti um pouco e depois lhes falei: – Desçamos, chegou a hora. Agora estamos em segurança!
            Houve um grito geral de alegria! Todos, esfregando as mãos de satisfação, entraram no vinhedo arrumado com a maior ordem. Cachos de uva, parecidos com aqueles da terra prometida, pendiam das videiras. Nas árvores havia toda espécie de frutas que se possa desejar na bela estação, com sabor nunca experimentado. No meio daquela extensíssima vinha, surgia um grande castelo rodeado por encantador e real jardim e por fortes muros.
            Encaminhamo-nos para visitá-lo, sendo-nos concedida entrada franca. Estávamos cansados e famintos; numa sala ampla, completamente revestida de ouro, tinha sido preparada para nós uma grande mesa com toda qualidade das mais finas comidas, de que pudemos nos servir à vontade.
            Enquanto terminávamos de nos alimentar, entrou na sala um nobre rapaz, ricamente vestido, de indescritível beleza. Cumprimentou-nos com cortesia afetuosa e familiar, dizendo nome de todos. Vendo que estávamos estupefatos e maravilhados por sua beleza e por tantas coisas que tínhamos já observado, nos disse: – Isso não é nada; venham e verão. – Todos nós o seguimos e, dos parapeitos das sacadas, nos mostrou os jardins, dizendo que nós éramos os donos deles para nossos recreios. Conduziu-nos de sala em sala, uma mais magnífica que a outra pela arquitetura, colunatas e decorações de todo estilo. Depois, abrindo uma porta que dava a uma capela, convidou-nos a entrar. Por fora a capela parecia pequena, mas assim que passamos os umbrais, podíamos ver. O piso, as paredes, as arcadas, eram guarnecidas e enriquecidas com admiráveis trabalhos em mármore, prata, ouro e pedras preciosas, que, eu extático, exclamei: – Mas isto é beleza de paraíso; faço qualquer coisa para ficar aqui para sempre!
            No meio do grande templo, sobre rica base levantava-se uma grande magnífica estátua representando Maria Auxiliadora. Chamei muitos jovens que haviam se espalhado aqui e acolá, para contemplar a beleza do magnífico edifício sagrado. A multidão toda se colocou diante daquela estátua para agradecer à Virgem Celeste pelos muitos favores que nos concedeu. Nesse instante tomei consciência da imensidão daquela igreja, pois todos os milhares de jovens pareciam um grupo pequeno ocupando o centro.
            Enquanto os jovens estavam contemplando aquela estátua que tinha fisionomia suave, verdadeiramente celestial, de repente ela parece movimentar-se e sorrir. E eis que acontece um murmúrio, um estremecimento na multidão. Exclamaram alguns: – Nossa Senhora movimenta os olhos! – De fato, Maria Santíssima mexia com inefável bondade os seus olhos maternos sobre os jovens. Pouco depois um segundo grito geral: – Nossa Senhora mexe as mãos. – De fato, abrindo lentamente os braços, ela levantava o manto, como para acolher a todos debaixo dele. Em nossas faces corriam lágrimas pela emoção. Alguns disseram: – Nossa Senhora mexe os lábios! – Houve um silêncio profundo; e Nossa Senhora abriu a boca, dizendo com voz argentina e suavíssima:
            – SE VOCÊS FOREM FILHOS DEVOTOS PARA MIM, EU SEREI MÃE PIEDOSA PARA VOCÊS!
            A estas palavras todos caímos de joelhos e entoamos o canto: Lodate Maria, o lingue fedeli.
            Esta harmonia era tão forte, tão suave que, vencido por ela, eu acordei. Assim acabou a visão.
            Dom Bosco concluía:
            Vejam, meus caros filhos! Neste sonho podemos reconhecer o mar borrascoso deste mundo. Se vocês forem dóceis e obedientes às minhas palavras e não derem corda aos maus conselheiros, depois de se terem esforçado para fazer o bem e fugir do mal, vencidas todas as nossas más tendências, chegaremos, no fim de nossa vida, a uma praia segura. Então virá ao nosso encontro, enviado pela Santíssima Nossa Senhora, aquele que, em nome de nosso bom Deus, nos introduzirá no seu jardim real, isto é, no Paraíso, na sua amabilíssima presença para nos confortar de nossos esforços. Mas se fizerem o contrário daquilo que eu lhes ensino, satisfazendo os próprios caprichos e não dando atenção aos meus conselhos, naufragarão miseravelmente.
            Em diversas ocasiões, em particular, Dom Bosco dava alguma explicação detalhada deste sonho, que se refere não só ao Oratório, mas também à Pia Sociedade.
            “O prado é o mundo; a água que ameaçava nos afogar são os perigos do mundo. A inundação, tão terrivelmente extensa, os vícios, e as afirmações irreligiosas são as perseguições contra os bons. – O moinho, quer dizer um lugar isolado e tranquilo, mas ainda ameaçado, é a casa do pão, a Igreja Católica. – Os cestos de pão, a Santíssima Eucaristia que serve de Viático aos navegantes. – A barcaça é o Oratório. – O tronco de árvore, que dá passagem do moinho à barca, é a cruz, ou seja, o sacrifício de si mesmo a Deus por meio da mortificação cristã. – A tábua, colocada pelos jovens como ponto mais cômodo para entrar no barco, significa a transgressão do regulamento. Muitos entram com finalidades estranhas e baixas: fazer carreira, lucro, honrarias, comodidades, mudança de condições e de estado; estes são os que não rezam e debocham da piedade dos outros. – Os sacerdotes e os clérigos simbolizam a obediência e indicam os prodígios de salvação que conseguem realizar. – Os vórtices são as diversas e tremendas perseguições que surgiram e surgirão. – A ilha submersa, os desobedientes que não querem permanecer na barca e voltam para o mundo desprezando a vocação. – O mesmo seja dito dos que procuram refúgio em outras barcas. – Muitos dos que tinham caído na água estendiam a mão aos que estavam na barca e, ajudados pelos companheiros, voltavam. Eram os que tinham boa vontade, e que, tendo comedito pecado, se colocavam novamente na graça de Deus por meio da penitência. – O estreito, os gatões, os macacos e demais monstros, são as revoltas, as ocasiões e as seduções para a culpa etc. – Os insetos nos olhos, na língua, no coração, são os maus olhares, as conversas obscenas, os afetos desordenados. – A fonte de água ferruginosa, com o poder de matar todos os insetos e de curar no mesmo instante, são os Sacramentos da Confissão e da Comunhão. – A lama e o fogo são lugar de pecados e de condenação. Convém observar, contudo: isso não quer dizer que todos aqueles que caíram na lama e nunca mais foram vistos, e todos os que eram devorados pelas chamas devem se perder no inferno. Não! Deus nos livre de afirmar isso. Mas quer significar que ainda estavam sem a graça de Deus; se tivessem morrido naquele momento estariam eternamente perdidos. – A ilha feliz e o templo são a Sociedade Salesiana, firme e triunfante. E o maravilhoso moço que acolhe os jovens, conduzindo-os a visitar o palácio e o templo, parece ser um aluno falecido que já está na posse do Paraíso. Talvez Domingos Sávio. (MBp VIII, 303-312)