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Cada morte ou renúncia de um Pontífice abre uma das fases mais delicadas da vida da Igreja Católica: a eleição do Sucessor de São Pedro. Embora o último conclave tenha ocorrido em março de 2013, quando Jorge Mario Bergoglio se tornou o Papa Francisco, compreender como se elege um Papa continua fundamental para entender o funcionamento de uma instituição milenar que influencia mais de 1,3 bilhão de fiéis e – indiretamente – a geopolítica mundial.


1. A sede vacante
Tudo começa com a sede vacante, ou seja, o período entre a morte (ou renúncia) do Pontífice reinante e a eleição do novo. A Constituição apostólica Universi Dominici Gregis, promulgada por João Paulo II em 22 de fevereiro de 1996 e atualizada por Bento XVI em 2007 e 2013, estabelece procedimentos detalhados.

Verificação da vacância
Em caso de falecimento: o Cardeal Camerlengo – atualmente o Cardeal Kevin Farrell – constata oficialmente a morte, fecha e sela o apartamento pontifício, e notifica o evento ao Cardeal Decano do Colégio Cardinalício.
Em caso de renúncia: a sede vacante começa no horário indicado no ato de renúncia, como ocorreu às 20h do dia 28 de fevereiro de 2013 para Bento XVI.

Administração ordinária
Durante a sede vacante, o Camerlengo governa materialmente o patrimônio da Santa Sé, mas não pode realizar atos que competem exclusivamente ao Pontífice (nomeações episcopais, decisões doutrinárias, etc.).

Congregações gerais e particulares
Todos os cardeais – eleitores e não eleitores – presentes em Roma se reúnem na Sala do Sínodo para discutir questões urgentes. As “particulares” incluem o Camerlengo e três cardeais sorteados por rodízio; as “gerais” convocam todo o corpo cardinalício e são usadas, entre outras coisas, para definir a data de início do conclave.


2. Quem pode eleger e quem pode ser eleito
Os eleitores
Desde o Motu proprio Ingravescentem aetatem (1970) de Paulo VI, somente os cardeais que não tenham completado 80 anos antes do início da sede vacante têm direito a voto. O número máximo de eleitores é fixado em 120, mas pode ser temporariamente ultrapassado devido a consistórios próximos.
Os eleitores devem:
– estar presentes em Roma antes do início do conclave (salvo motivos graves);
– prestar juramento de segredo;
– hospedar-se na Domus Sanctae Marthae (Casa Santa Marta, n.d.r), a residência criada por João Paulo II para garantir dignidade e discrição.
O isolamento não é um capricho medieval: visa proteger a liberdade de consciência dos cardeais e resguardar a Igreja de interferências indevidas. Quebrar o segredo implica excomunhão automática.

Os elegíveis
Em teoria, qualquer batizado do sexo masculino pode ser eleito Papa, pois o ofício petrino é de direito divino. No entanto, desde a Idade Média até hoje, o Papa sempre foi escolhido entre os cardeais. Caso seja escolhido um não cardeal ou até mesmo um leigo, ele deverá receber imediatamente a ordenação episcopal.


3. O conclave: etimologia, logística e simbolismo
O termo “conclave” deriva do latim cum clave, “com chave”: os cardeais são “trancados” até a eleição, para evitar pressões externas. O isolamento é garantido por algumas regras:
– Locais permitidos: Capela Sistina (votações), Domus Sanctae Marthae (hospedagem), um percurso reservado entre os dois edifícios.
– Proibição de comunicação: aparelhos eletrônicos entregues, bloqueio de sinais, controle antiespionagem.
– Sigilo assegurado também por um juramento que prevê sanções espirituais (excomunhão latae sententiae) e canônicas.


4. Ordem do dia típica do conclave
1. Missa “Pro eligendo Pontifice” na Basílica de São Pedro na manhã do ingresso no conclave.
2. Procissão na Sistina recitando o Veni Creator Spiritus.
3. Juramento individual dos cardeais, pronunciado diante do Evangeliário.
4. Extra omnes! (“Fora todos!”): o Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias despede os não autorizados.
5. Primeira votação (opcional) na tarde do dia de ingresso.
6. Duas votações diárias (manhã e tarde) com, ao final, a apuração.


5. Procedimento da votação
Cada rodada segue quatro momentos:
5.1. Praescrutinium. Distribuição e preenchimento, em latim, da cédula “Eligo in Summum Pontificem…”.
5.2. Scrutinium. Cada cardeal, levando a cédula dobrada, pronuncia: “Testor Christum Dominum…”. Deposita a cédula na urna.
5.3. Post-scrutinium. Três escrutinadores sorteados contam as cédulas, leem em voz alta cada nome, registram e perfuram a cédula com agulha e linha.
5.4. Queima. Cédulas e anotações são queimadas em um forno especial; a cor da fumaça indica o resultado.
Para ser eleito é necessária a maioria qualificada, ou seja, dois terços dos votos válidos.


6. A fumaça: preta, espera; branca, alegria
Desde 2005, para tornar o sinal inequívoco aos fiéis na Praça de São Pedro, é adicionado um reagente químico:
– Fumaça preta (fumata negra): nenhum eleito.
– Fumaça branca (fumata branca): Papa eleito; também tocam os sinos.
Após a fumaça branca, levará mais 30 minutos a uma hora até que o novo Papa seja anunciado pelo Cardeal Diácono na Praça de São Pedro. Pouco depois (de 5 a 15 minutos), o novo Papa aparecerá para conceder a bênção Urbi et Orbi.


7. “Acceptasne electionem?” – Aceitação e nome pontifício
Quando alguém alcança a maioria necessária, o Cardeal Decano (ou o mais velho por ordem e antiguidade jurídica, se o Decano for o eleito) pergunta: «Acceptasne electionem de te canonice factam in Summum Pontificem?» (Aceita a eleição?). Se o eleito concordar — Accepto! — é perguntado: «Quo nomine vis vocari?» (Com que nome quer ser chamado?). A escolha do nome é um ato carregado de significados teológicos e pastorais: remete a modelos (Francisco de Assis) ou intenções reformadoras (João XXIII).


8. Ritos imediatamente seguintes
8.1 Vestição.
8.2 Entrada na Capela do Choro, onde o novo Papa pode se recolher.
8.3 Obedientia: os cardeais eleitores desfilam para o primeiro ato de obediência.
8.4 Anúncio ao mundo: o cardeal Protodiácono aparece na Loggia (balcão, n.d.r.) central, com o famoso «Annuntio vobis gaudium magnum: habemus Papam!».
8.5 Primeira bênçãoUrbi et Orbi” do novo Pontífice.

A partir desse momento, ele assume o cargo e inicia formalmente seu pontificado, enquanto a coroação com o pálio petrino e o anel do Pescador ocorre na Missa de inauguração (geralmente no domingo seguinte).


9. Alguns aspectos históricos e desenvolvimento das normas
Séculos I–III. Aclamação do clero e do povo romano. Na ausência de uma normativa estável, a influência imperial era forte.
1059 – In nomine Domini. Colégio cardinalício. Nicolau II limita a intervenção leiga; nascimento oficial do conclave.
1274 – Ubi Periculum. Clausura obrigatória. Gregório X reduz as manobras políticas, introduz o confinamento.
1621-1622 – Gregório XV. Escrutínio secreto sistemático. Aperfeiçoamento das cédulas; exigência dos dois terços.
1970 – Paulo VI. Limite de idade de 80 anos. Reduz o eleitorado, favorecendo decisões mais rápidas.
1996 – João Paulo II. Universi Dominici Gregis. Codificação moderna do processo, introduz a Domus Sanctae Marthae.


10. Alguns dados concretos deste Conclave
Cardeais vivos: 252 (idade média: 78,0 anos).
Cardeais votantes: 134 (135). O Cardeal Antonio Cañizares Llovera, Arcebispo emérito de Valência, Espanha, e o Cardeal John Njue, Arcebispo emérito de Nairóbi, Quênia, comunicaram que não poderão participar do conclave.
Dos 135 cardeais votantes, 108 (80%) foram nomeados pelo Papa Francisco. 22 (16%) foram nomeados pelo Papa Bento XVI. Os restantes 5 (4%) foram nomeados pelo Papa São João Paulo II.
Dos 135 cardeais votantes, 25 participaram como eleitores no Conclave de 2013.
Idade média dos 134 cardeais eleitores participantes: 70,3 anos.
Anos médios de serviço como cardeal dos 134 cardeais eleitores participantes: 7,1 anos.
Duração média de um papado: cerca de 7,5 anos.

Início do Conclave: 16h30 de 7 de maio, na Capela Sistina.
Cardeais votantes no Conclave: 134. Número de votos necessários para eleição é 2/3, ou seja, 89 votos.

Horário das votações: 4 sessões por dia (2 pela manhã, 2 à tarde).
Após 3 dias completos (a definir), a votação é suspensa por um dia inteiro (“para permitir uma pausa de oração, uma discussão informal entre os eleitores e uma breve exortação espiritual”).
Seguem-se outras 7 votações e outra pausa de até um dia inteiro.
Seguem-se outras 7 votações e outra pausa de até um dia inteiro.
Seguem-se outras 7 votações e então uma pausa para avaliar como proceder.


11. Dinâmicas “internas” não escritas
Mesmo dentro do rígido quadro jurídico, a escolha do Papa é um processo espiritual, mas também humano, influenciado por:
– Perfis dos candidatos (“papáveis”): origem geográfica, experiências pastorais, competências doutrinárias.
– Correntes eclesiais: curial ou pastoral, reformista ou conservadora, sensibilidades litúrgicas.
– Agenda global: relações ecumênicas, diálogo inter-religioso, crises sociais (migrantes, mudança climática).
– Línguas e redes pessoais: os cardeais tendem a se reunir por regiões (grupo dos “latino-americanos”, “africanos”, etc.) e a se encontrar informalmente durante refeições ou “passeios” nos jardins do Vaticano.


Um evento espiritual e institucional ao mesmo tempo
A eleição de um Papa não é um procedimento técnico comparável a uma assembleia societária. Apesar da dimensão humana, é um ato espiritual guiado essencialmente pelo Espírito Santo.
O cuidado com normas minuciosas – desde o selo das portas da Sistina até a queima das cédulas – mostra como a Igreja transformou sua longa experiência histórica em um sistema hoje percebido como estável e solene. Saber como se escolhe um Papa, portanto, não é apenas curiosidade: é compreender a dinâmica entre autoridade, colegialidade e tradição que sustenta a mais antiga instituição religiosa ainda em funcionamento em escala mundial. E, em uma época de mudanças vertiginosas, aquela “fumacinha” que sobe do telhado da Sistina continua a lembrar que decisões seculares ainda podem falar ao coração de bilhões de pessoas, dentro e fora da Igreja.
Que esse conhecimento dos dados e procedimentos nos ajude a orar mais profundamente, como se deve orar antes de toda decisão importante que afeta nossa vida.