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O momento culminante do Ano Jubilar para cada crente é a passagem pela Porta Santa, um gesto altamente simbólico que deve ser vivido com profunda meditação. Não se trata de uma simples visita para admirar a beleza arquitetônica, escultural ou pictórica de uma basílica: os primeiros cristãos não iam aos locais de culto por esse motivo, também porque na época não havia muito para admirar. Eles chegavam, na verdade, para rezar diante das relíquias dos santos apóstolos e mártires, e para obter a indulgência graças à sua poderosa intercessão.
Visitar os túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo sem conhecer suas vidas não é um sinal de apreço. Por isso, neste Ano Jubilar, desejamos apresentar os caminhos de fé desses dois gloriosos apóstolos, assim como foram narrados por São João Bosco.

Vida de São Paulo Apóstolo, doutor das gentes contada ao povo pelo sacerdote João Bosco

PREFÁCIO

CAPÍTULO I. Pátria, educação de São Paulo, seu ódio contra os Cristãos

CAPÍTULO II. Conversão e Batismo de Saulo — Ano de Cristo 34

CAPÍTULO III. Primeira viagem de Saulo — Retorna a Damasco; armadilhas são preparadas para ele — Vai a Jerusalém; apresenta-se aos Apóstolos — Jesus Cristo lhe aparece — Ano de Jesus Cristo 35-36-37

CAPÍTULO IV. Profecias de Ágabo — Saulo e Barnabé ordenados bispos — Vão à ilha de Chipre — Conversão do procônsul Sérgio — Castigo do mago Elimas — João Marcos retorna a Jerusalém — Ano de Jesus Cristo 40-43

CAPÍTULO V. São Paulo prega em Antioquia da Pisídia — Ano de Jesus Cristo 44

CAPÍTULO VI. São Paulo prega em outras cidades — Realiza um milagre em Listra, onde depois é apedrejado e deixado por morto — Ano de Jesus Cristo 45

CAPÍTULO VII. Paulo milagrosamente curado — Outras de suas fadigas apostólicas — Conversão de Santa Tecla

CAPÍTULO VIII. São Paulo vai conferir com São Pedro — Assiste ao Concílio de Jerusalém — Ano de Cristo 50

CAPÍTULO IX. Paulo se separa de Barnabé — Percorre várias cidades da Ásia — Deus o envia à Macedônia — Em Filipos converte a família de Lídia — Ano de Cristo 51

CAPÍTULO X. São Paulo liberta uma jovem do demônio — É açoitado com varas — É colocado na prisão — Conversão do carcereiro e de sua família — Ano de Cristo 51

CAPÍTULO XI. São Paulo prega em Tessalônica — Caso de Jasão — Vai a Bereia, onde é novamente perturbado pelos judeus — Ano de Cristo 52

CAPÍTULO XII. Estado religioso dos atenienses — São Paulo no Areópago — Conversão de São Dionísio — Ano de Cristo 52

CAPÍTULO XIII. São Paulo em Corinto — Sua moradia na casa de Áquila — Batismo de Crispo e de Sóstenes — Escreve aos Tessalonicenses — Retorno a Antioquia — Ano de Jesus Cristo 53-54

CAPÍTULO XIV. Apolo em Éfeso — O sacramento da Crisma — São Paulo opera muitos milagres — Caso de dois exorcistas judeus — Ano de Cristo 55

CAPÍTULO XV. Sacramento da Confissão — Livros perversos queimados — Carta aos Coríntios — Revolta em honra da deusa Diana — Carta aos Gálatas — Ano de Cristo 56-57

CAPÍTULO XVI. São Paulo retorna a Filipos — Segunda Carta aos fiéis de Corinto — Vai a esta cidade — Carta aos Romanos — Sua pregação prolongada em Trôade — Ressuscita um morto — Ano de Cristo 58

CAPÍTULO XVII. Pregação de São Paulo em Mileto — Sua viagem até Cesareia — Profecia de Ágabo — Ano de Cristo 58

CAPÍTULO XVIII. São Paulo se apresenta a São Tiago — Os judeus lhe tendem armadilhas — Fala ao povo — Repreende o sumo sacerdote — Ano de Cristo 59

CAPÍTULO XIX. Quarenta Judeus se comprometem com um voto a matar São Paulo — Um de seus sobrinhos descobre a trama — É transferido para Cesareia — Ano de Cristo 59

CAPÍTULO XX. Paulo diante do governador — Seus acusadores e sua defesa — Ano de Cristo 59

CAPÍTULO XXI. Paulo diante de Festo — Suas palavras ao rei Agripa — Ano de Cristo 60

CAPÍTULO XXII. São Paulo é embarcado para Roma — Sofre uma terrível tempestade, da qual é salvo com seus companheiros — Ano de Jesus Cristo 60

CAPÍTULO XXIII. São Paulo na ilha de Malta — É libertado da mordida de uma víbora — É acolhido na casa de Públio, de quem cura o pai — Ano de Cristo 60

CAPÍTULO XXIV. Viagem de São Paulo de Malta a Siracusa — Pregação em Régio — Sua chegada a Roma — Ano de Cristo 60

CAPÍTULO XXV. Paulo fala aos Judeus e lhes prega Jesus Cristo — Progresso do Evangelho em Roma — Ano de Cristo 61

CAPÍTULO XXVI. São Lucas — Os Filipenses enviam ajuda a São Paulo — Doença e cura de Epafrodito — Carta aos Filipenses — Conversão de Onésimo — Ano de Jesus Cristo 61

CAPÍTULO XXVII. Carta de São Paulo a Filêmon — Ano de Jesus Cristo 62

CAPÍTULO XXVIII. São Paulo escreve aos Colossenses, aos Efésios e aos Hebreus — Ano de Cristo 62

CAPÍTULO XXIX. São Paulo é libertado — Martírio de São Tiago, o Menor — Ano de Cristo 63

CAPÍTULO XXX. Outras viagens de São Paulo — Escreve a Timóteo e a Tito — Seu retorno a Roma — Ano de Cristo 68

CAPÍTULO XXXI. São Paulo é novamente aprisionado — Escreve a segunda carta a Timóteo — Seu martírio — Ano de Cristo 69-70

CAPÍTULO XXXII. Sepultamento de São Paulo — Maravilhas realizadas junto ao seu túmulo — Basílica a ele dedicada

CAPÍTULO XXXIII. Retrato de São Paulo — Imagem de seu espírito — Conclusão

PREFÁCIO

            São Pedro é o príncipe dos Apóstolos, primeiro Papa, Vigário de Jesus Cristo sobre a terra. Ele foi estabelecido como chefe da Igreja; mas sua missão era particularmente direcionada à conversão dos Judeus. São Paulo, por sua vez, é aquele Apóstolo que foi chamado de maneira extraordinária por Deus para levar a Luz do Evangelho aos Gentios. Esses dois grandes Santos são chamados pela Igreja como as colunas e os fundamentos da Fé, príncipes dos Apóstolos, que com seus esforços, com seus escritos e com seu sangue nos ensinaram a lei do Senhor; Ipsi nos docuerunt legem tuam, Domine (Eles nos ensinaram tua lei, Senhor). Por esse motivo, à vida de São Pedro, fazemos suceder a de São Paulo.
            É verdade que este apóstolo não é contado na série dos Papas; mas os esforços extraordinários que ele fez para ajudar São Pedro a propagar o Evangelho, seu zelo, sua caridade, a doutrina que nos deixou nos livros sagrados, o fazem parecer digno de ser colocado ao lado da vida do primeiro Papa, como uma forte coluna sobre a qual se apoia a Igreja de Jesus Cristo.

CAPÍTULO I. Pátria, educação de São Paulo, seu ódio contra os Cristãos

            São Paulo era Judeu da tribo de Benjamim. Oito dias após seu nascimento, foi circuncidado, e lhe foi imposto o nome de Saulo, que depois foi mudado para Paulo. Seu pai residia em Tarso, cidade da Cilícia, província da Ásia Menor. O imperador César Augusto concedeu muitos favores a esta cidade e, entre outros, o direito de cidadania romana. Portanto, São Paulo, sendo nascido em Tarso, era cidadão romano, qualidade que trazia consigo muitos benefícios, pois se podia gozar da imunidade das leis particulares de todos os países sujeitos ou aliados ao império romano, e em qualquer lugar um cidadão romano podia apelar ao senado ou ao imperador para ser julgado.
            Seus parentes, sendo abastados, o mandaram a Jerusalém para lhe dar uma educação condizente com seu estado. Seu mestre foi um doutor chamado Gamaliel, homem de grande virtude, de quem já falamos na vida de São Pedro. Naquela cidade, teve a sorte de encontrar um bom companheiro de Chipre, chamado Barnabé, jovem de grande virtude, cuja bondade de coração contribuiu muito para temperar o ânimo ardente do condiscípulo. Esses dois jovens sempre se mantiveram leais amigos, e nós os veremos se tornarem colegas na pregação do Evangelho.
            O pai de Saulo era Fariseu, ou seja, professava a seita mais severa entre os Judeus, que consistia em uma grande aparência externa de rigor, máxima totalmente contrária ao espírito de humildade do Evangelho. Saulo seguiu os princípios de seu pai, e como seu mestre também era Fariseu, ele se tornou cheio de entusiasmo para aumentar seu número e remover qualquer obstáculo que se opusesse a tal propósito.
            Era costume entre os Judeus fazer com que seus filhos aprendessem um ofício enquanto se dedicavam ao estudo da Bíblia. Faziam isso a fim de preservá-los dos perigos que a ociosidade traz consigo; e também para ocupar o corpo e o espírito em algo que pudesse proporcionar o sustento nas difíceis circunstâncias da vida. Saulo aprendeu o ofício de curtidor de peles e especialmente a costurar tendas. Ele se destacou entre todos da sua idade por seu zelo pela lei de Moisés e pelas tradições dos Judeus. Esse zelo pouco iluminado o tornou blasfemo, perseguidor e feroz inimigo de Jesus Cristo.
            Ele incitou os Judeus a condenar Santo Estêvão, e esteve presente à sua morte. E como sua idade não lhe permitia participar da execução da sentença, ele, quando Estêvão estava prestes a ser apedrejado, guardava as roupas de seus companheiros e os incitava com fúria a atirar pedras contra ele. Mas Estêvão, verdadeiro seguidor do Salvador, fez a vingança dos santos, ou seja, começou a orar por aqueles que o apedrejavam. Esta oração foi o princípio da conversão de Saulo; e Santo Agostinho diz precisamente que a Igreja não teria em Paulo um apóstolo, se o diácono Estêvão não tivesse orado.
            Naqueles tempos, foi suscitada uma violenta perseguição contra a Igreja de Jerusalém, e Saulo era aquele que mostrava uma ânsia feroz para dispersar e mandar à morte os discípulos de Jesus Cristo. A fim de fomentar melhor a perseguição em público e em privado, fez-se a tal propósito autorizar pelo príncipe dos sacerdotes. Então ele se tornou como um lobo faminto que não se sacia de devorar. Entrava nas casas dos Cristãos, os insultava, os maltratava, os prendia ou os fazia carregar correntes para serem depois arrastados para a prisão, fazia-os ser espancados com varas; em suma, usava todos os meios para forçá-los a blasfemar o santo nome de Jesus Cristo. A notícia das violências de Saulo se espalhou até em países distantes, de modo que o simples nome dele incutia medo entre os fiéis.
            Os perseguidores não se contentavam em ser cruéis contra as pessoas dos Cristãos; mas, como sempre foi usado pelos perseguidores, também os despojavam de seus bens e de tudo o que possuíam em comum. O que fazia com que muitos fossem levados a viver da caridade que os fiéis das Igrejas distantes lhes enviavam. Mas há um Deus que assiste e governa sua Igreja, e quando menos pensamos, ele vem em socorro de quem nele confia.

CAPÍTULO II. Conversão e Batismo de Saulo — Ano de Cristo 34

            A fúria de Saulo não podia se saciar; ele não respirava senão ameaças e massacres contra os discípulos do Senhor. Tendo ouvido que em Damasco, cidade distante cerca de cinquenta milhas de Jerusalém, muitos Judeus haviam abraçado a fé, sentiu arder em si um furioso desejo de ir lá fazer um massacre. Para agir livremente conforme lhe sugeria seu ódio contra os Cristãos, foi ao príncipe dos sacerdotes e ao senado, que com cartas o autorizaram a ir a Damasco, acorrentar todos os Judeus que se declarassem Cristãos e, portanto, conduzi-los a Jerusalém e ali puni-los com uma severidade capaz de deter aqueles que fossem tentados a imitá-los.
            Mas são vãos os projetos dos homens quando são contrários aos do Céu! Deus, movido pelas orações de Santo Estêvão e dos outros fiéis perseguidos, quis manifestar em Saulo seu poder e sua misericórdia. Saulo, com suas cartas de recomendação, cheio de ardor, devorando a estrada, estava próximo da cidade de Damasco, e já lhe parecia ter os Cristãos em suas mãos. Mas aquele era o lugar da divina misericórdia.
            No ímpeto de sua fúria cega, por volta do meio-dia, uma grande luz, mais resplandecente que a do sol, o cercou com todos os que o acompanhavam. Estonteados por aquele esplendor celeste, todos caíram ao chão como mortos; ao mesmo tempo, ouviram o ruído de uma voz, compreendida somente por Saulo. “Saulo, Saulo”, disse a voz, “por que me persegues?” Então Saulo, ainda mais apavorado, respondeu: “Quem sois vós que falais?” “Eu sou”, continuou a voz, “aquele Jesus que tu persegues. Lembra-te que é coisa muito dura dar coices contra o aguilhão, o que tu fazes resistindo a alguém mais poderoso do que tu. Perseguindo minha Igreja, tu persegues a mim mesmo; mas esta se tornará mais florescente, e não farás mal senão a ti mesmo.”
            Esta doce repreensão do Salvador, acompanhada pela unção interna de sua graça, amoleceu a dureza do coração de Saulo e o transformou em um homem completamente novo. Portanto, todo humilhado, exclamou: “Senhor, que quereis que eu faça?” Como se dissesse: Qual é o meio de procurar a vossa glória? Eu me ofereço a vós para fazer a vossa santíssima vontade.
            Jesus Cristo ordenou a Saulo que se levantasse e fosse à cidade onde um discípulo o instruiria sobre o que deveria fazer. Deus, diz Santo Agostinho, ao confiar a seus ministros a instrução de um apóstolo chamado de maneira tão extraordinária, nos ensina que devemos buscar sua santa vontade no ensinamento dos Pastores, que ele revestiu de sua autoridade para serem nossos guias espirituais na terra.
            Saulo, levantando-se, não via mais nada, embora mantivesse os olhos abertos. Portanto, foi necessário dar-lhe a mão e conduzi-lo a Damasco, como se Jesus Cristo quisesse levá-lo em triunfo. Ele se hospedou na casa de um comerciante chamado Judas; ali permaneceu três dias sem ver, sem beber e sem comer, ignorando ainda o que Deus quisesse dele.
            Havia em Damasco um discípulo chamado Ananias, muito estimado pelos Judeus por sua virtude e santidade. Jesus Cristo lhe apareceu e disse: “Ananias!” E ele respondeu: “Eis-me aqui, Senhor.” O Senhor acrescentou: “Levanta-te e vai à rua chamada Direita, e procura um certo Saulo natural de Tarso; tu o encontrarás enquanto ora.” Ananias, ao ouvir o nome de Saulo, tremeu e disse: “Ó Senhor, para onde me mandais? Vós bem sabeis o grande mal que ele fez aos fiéis em Jerusalém; agora é sabido por todos que ele veio aqui com pleno poder de prender todos os que creem em vosso Nome.” O Senhor replicou: “Vai tranquilo, não temas, porque este homem é um instrumento escolhido por mim para levar meu nome aos gentios, diante dos reis e diante dos filhos de Israel; porque eu lhe mostrarei quanto ele deve sofrer por meu nome.” Enquanto Jesus Cristo falava a Ananias, enviou a Saulo outra visão, na qual lhe apareceu um homem chamado Ananias que, aproximando-se dele, impunha-lhe as mãos para lhe devolver a vista. Foi o que fez o Senhor para assegurar a Saulo que Ananias era aquele que enviava para manifestar-lhe sua vontade.
            Ananias obedeceu, foi encontrar Saulo, impôs-lhe as mãos e disse: “Saulo, irmão, o Senhor Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas a Damasco, me enviou a ti para que recuperes a vista e sejas cheio do Espírito Santo.” Falando assim, Ananias, mantendo as mãos sobre a cabeça de Saulo, acrescentou: “Abre os olhos.” Nesse momento, caíram dos olhos de Saulo certas escamas, e ele recuperou perfeitamente a vista.
            Então Ananias disse: “Agora levanta-te e recebe o Batismo, e lava teus pecados, invocando o nome do Senhor.” Saulo levantou-se imediatamente para receber o Batismo; então, todo cheio de alegria, restaurou seu cansaço com um pouco de comida. Passados apenas alguns dias com os discípulos de Damasco, começou a pregar o Evangelho nas sinagogas, demonstrando com as Sagradas Escrituras que Jesus era Filho de Deus. Todos os que o ouviam estavam cheios de espanto, e iam dizendo: “Não é ele quem em Jerusalém perseguia aqueles que invocavam o nome de Jesus e que veio de propósito a Damasco para conduzi-los prisioneiros?”
            Mas Saulo já havia superado todo respeito humano; ele nada mais desejava do que promover a glória de Deus e reparar o escândalo dado; portanto, deixando que cada um dissesse dele o que quisesse, confundia os Judeus e com intrepidez pregava Jesus Crucificado.

CAPÍTULO III. Primeira viagem de Saulo — Retorna a Damasco; armadilhas são preparadas para ele — Vai a Jerusalém; apresenta-se aos Apóstolos — Jesus Cristo lhe aparece — Ano de Jesus Cristo 35-36-37

            Saulo, ao ver as graves oposições que lhe eram feitas pelos judeus, achou conveniente afastar-se de Damasco para passar algum tempo com os homens simples do campo e também para ir à Arábia em busca de outros povos mais dispostos a receber a fé.
            Após três anos, acreditando que a tempestade havia cessado, retornou a Damasco, onde com zelo e força se dedicou a pregar Jesus Cristo; mas os judeus, não podendo resistir às palavras de Deus que por meio de seu ministro lhes eram pregadas, decidiram matá-lo. Para melhor conseguir seu intento, o denunciaram a Areta, rei de Damasco, apresentando Saulo como perturbador da tranquilidade pública. Esse rei, muito crédulo, ouviu a calúnia e ordenou que Saulo fosse preso, e para que não fugisse, colocou guardas em todas as portas da cidade. No entanto, essas armadilhas não puderam permanecer tão ocultas que não chegassem ao conhecimento dos discípulos e do próprio Saulo. Mas como poderiam libertá-lo? Aqueles bons discípulos o conduziram a uma casa que dava para as muralhas da cidade e, colocando-o em uma cesta, o desceram pela muralha. Assim, enquanto as guardas vigiavam todas as portas e se fazia rigorosa busca em cada canto de Damasco, Saulo, libertado de suas mãos, são e salvo, tomou o caminho para Jerusalém.
            Embora a Judeia não fosse o campo confiado ao seu zelo, o motivo de sua viagem era, no entanto, santo. Ele considerava como seu indispensável dever apresentar-se a Pedro, de quem ainda não era conhecido, e assim prestar contas de sua missão ao Vigário de Jesus Cristo. Saulo havia impresso tanto terror com seu nome nos fiéis de Jerusalém que não podiam acreditar em sua conversão. Tentava se aproximar ora de um, ora de outro; mas todos, temerosos, o evitavam sem lhe dar tempo de se explicar. Foi nesse momento que Barnabé se mostrou um verdadeiro amigo. Assim que ouviu contar a prodigiosa conversão de seu condiscípulo, foi imediatamente até ele para consolá-lo; depois, foi até os Apóstolos e contou-lhes a prodigiosa aparição de Jesus Cristo a Saulo e como ele, instruído diretamente pelo Senhor, não desejava outra coisa senão publicar o santo nome de Deus a todos os povos da terra. Diante de tão alegres notícias, os discípulos o acolheram com alegria e São Pedro o manteve vários dias em sua casa, onde não deixou de apresentá-lo aos fiéis mais zelosos; nem deixava escapar qualquer oportunidade para dar testemunho de Jesus Cristo nos mesmos lugares onde o havia blasfemado e feito blasfemar.
            E como ele pressionava os judeus com muita veemência e os confundia em público e em privado, estes se levantaram contra ele, resolvidos a tirar-lhe a vida. Por isso, os fiéis o aconselharam a partir daquela cidade. A mesma coisa Deus lhe fez conhecer por meio de uma visão. Um dia, enquanto Saulo orava no templo, Jesus Cristo lhe apareceu e lhe disse: “Parta imediatamente de Jerusalém, porque este povo não crerá no que você está prestes a dizer sobre mim.” Paulo respondeu: “Senhor, eles sabem como eu fui perseguidor do vosso santo nome; se souberem que me converti, certamente seguirão meu exemplo e também se converterão.” Jesus acrescentou: “Não é assim: eles não prestarão fé alguma às suas palavras. Vá, eu o escolhi para levar meu Evangelho a terras distantes entre os gentios” (Atos dos Apóstolos, cap. 22).
            Deliberada assim a partida de Paulo, os discípulos o acompanharam a Cesareia e de lá o enviaram a Tarso, sua pátria, com a esperança de que pudesse viver com menor perigo entre os parentes e amigos e também começar naquela cidade a fazer conhecer o nome do Senhor.

CAPÍTULO IV. Profecias de Ágabo — Saulo e Barnabé ordenados bispos — Vão à ilha de Chipre — Conversão do procônsul Sérgio — Castigo do mago Elimas — João Marcos retorna a Jerusalém — Ano de Jesus Cristo 40-43

            Enquanto Saulo pregava a palavra divina em Tarso, Barnabé começou a pregá-la com grande fruto em Antioquia. Ao ver o grande número de pessoas que a cada dia abraçavam a fé, Barnabé achou conveniente ir a Tarso para convidar Saulo a vir ajudá-lo. De fato, ambos vieram a Antioquia, e aqui, com a pregação e com os milagres, ganharam um grande número de fiéis.
            Naqueles dias, alguns profetas, ou seja, alguns fervorosos cristãos que, iluminados por Deus, previam o futuro, vieram de Jerusalém a Antioquia. Um deles, chamado Ágabo, inspirado pelo Espírito Santo, previu uma grande fome que deveria desolar toda a terra, como de fato aconteceu sob o império de Cláudio. Os fiéis, para prevenir os males que essa fome causaria, resolveram fazer uma coleta e assim cada um, segundo suas forças, enviar algum socorro aos irmãos da Judeia. O que fizeram com ótimos resultados. Para ter uma pessoa de crédito junto a todos, escolheram Saulo e Barnabé e os enviaram para levar tal esmola aos sacerdotes de Jerusalém, para que fizessem a distribuição conforme a necessidade. Cumprida sua missão, Saulo e Barnabé retornaram a Antioquia.
            Havia também nesta cidade outros profetas e doutores, entre os quais um certo Simão, apelidado de o Negro, Lúcio de Cirene e Manaém, irmão de leite de Herodes. Um dia, enquanto eles ofereciam os Santos Mistérios e jejuavam, o Espírito Santo apareceu de maneira extraordinária e disse-lhes: “Separem-me Saulo e Barnabé para a obra do sagrado ministério a que os elegi.” Então foi ordenado um jejum com orações públicas e, tendo-lhes imposto as mãos, os consagraram bispos. Esta ordenação foi modelo daquelas que a Igreja Católica costuma fazer a seus ministros: dela tiveram origem os jejuns das quatro têmporas, as orações e outras cerimônias que costumam ter lugar na sagrada ordenação.
            Saulo estava em Antioquia quando teve uma visão maravilhosa, na qual foi arrebatado ao terceiro céu, ou seja, foi elevado por Deus para contemplar as coisas do Céu mais sublimes que um homem mortal pode imaginar. Ele mesmo deixou escrito que viu coisas que não podem ser expressas com palavras, coisas nunca vistas, nunca ouvidas, e que o coração do homem não pode nem mesmo imaginar. Dessa visão celeste, Saulo, confortado, partiu com Barnabé e foi diretamente a Selêucia da Síria, assim chamada para distingui-la de outra cidade do mesmo nome situada nas proximidades do Tigre em direção à Pérsia. Também estava com eles um certo João Marcos, não o Marcos Evangelista. Ele era filho daquela piedosa viúva na casa da qual São Pedro se refugiou quando foi miraculosamente libertado da prisão por um anjo. Era primo de Barnabé e havia sido levado de Jerusalém a Antioquia na ocasião em que foram lá levar as esmolas.
            Selêucia tinha um porto no Mediterrâneo: de lá, nossos operários evangélicos embarcaram para ir à ilha de Chipre, pátria de São Barnabé. Chegando a Salamina, cidade e porto considerável daquela ilha, começaram a anunciar o Evangelho aos judeus e depois aos gentios, que eram mais simples e mais dispostos a receber a fé. Os dois Apóstolos, pregando por toda aquela ilha, chegaram a Pafos, capital do país, onde residia o procônsul, ou seja, o governador romano chamado Sérgio Paulo. Aqui o zelo de Saulo teve a oportunidade de se exercitar devido a um mago chamado Bar-Jesus ou Elimas. Este, seja para ganhar o favor do procônsul ou para tirar dinheiro de suas fraudes, seduzia o povo e afastava Sérgio de seguir os sentimentos piedosos de seu coração. O procônsul, tendo ouvido falar dos pregadores que haviam vindo ao país que ele governava, mandou chamá-los para que fossem lhe fazer conhecer sua doutrina. Foram imediatamente Saulo e Barnabé expor-lhe as verdades do Evangelho; mas Elimas, ao ver-se privado da matéria de seus ganhos, temendo talvez algo pior, começou a obstruir os desígnios de Deus, contradizendo a doutrina de Saulo e desacreditando-o perante o procônsul para mantê-lo afastado da verdade. Então Saulo, todo aceso de zelo e do Espírito Santo, fixou o olhar nele: “Sem-vergonha”, disse-lhe, “arca de impiedade e de fraude, filho do diabo, inimigo de toda justiça, você ainda não se detém de perverter os caminhos retos do Senhor? Agora, eis que a mão de Deus pesa sobre você: desde este momento você será cego e pelo tempo que Deus quiser não verá a luz do sol.” Imediatamente caiu sobre seus olhos uma névoa, da qual, privado da faculdade de ver, ele andava tateando, procurando quem lhe desse a mão.
            Diante desse fato terrível, Sérgio reconheceu a mão de Deus e, movido pelos sermões de Saulo e por aquele milagre, creu em Jesus Cristo e abraçou a fé com toda sua família. Também o mago Elimas, apavorado por essa repentina cegueira, reconheceu o poder divino nas palavras de Paulo e, renunciando à arte mágica, se converteu, fez penitência e abraçou a fé. Nessa ocasião, Saulo tomou o nome de Paulo, tanto em memória da conversão daquele governador, quanto para ser mais bem acolhido entre os gentios, pois Saulo era um nome hebraico, enquanto Paulo era um nome romano.
            Recolhendo em Pafos um considerável fruto de sua pregação, Paulo e Barnabé, com outros companheiros, embarcaram rumo a Perge, cidade da Panfília. Ali, despediram João Marcos, que até então havia se esforçado em ajudá-los. Barnabé gostaria de mantê-lo ainda; mas Paulo, percebendo nele uma certa pusilanimidade e inconstância, decidiu enviá-lo de volta à sua mãe em Jerusalém. Veremos em breve este discípulo reparar a fraqueza agora demonstrada e se tornar um fervoroso pregador.

CAPÍTULO V. São Paulo prega em Antioquia da Pisídia — Ano de Jesus Cristo 44

            De Perge, São Paulo foi com São Barnabé a Antioquia da Pisídia, assim chamada para distingui-la de Antioquia da Síria, que era a grande capital do Oriente. Ali os judeus, como em muitas outras cidades da Ásia, tinham sua sinagoga onde nos dias de sábado se reuniam para ouvir a explicação da Lei de Moisés e dos Profetas. Os dois apóstolos também compareceram e com eles muitos judeus e gentios que já adoravam o verdadeiro Deus. Segundo o costume dos judeus, os doutores da lei leram um trecho da Bíblia que depois entregaram a Paulo, pedindo-lhe que lhes dissesse algo edificante. Paulo, que não esperava outra coisa senão a oportunidade de falar, levantou-se, indicou com a mão que todos fizessem silêncio e começou a falar assim: «Filhos de Israel, e vocês todos que temem o Senhor, como me convidam a falar, peço que me ouçam com a atenção que merece a dignidade das coisas que estou prestes a lhes dizer.
            «Aquele Deus que escolheu nossos pais quando estavam no Egito e com uma longa série de prodígios fez deles uma nação privilegiada, honrou de maneira especial a linhagem de Davi prometendo que dela faria nascer o Salvador do mundo. Aquela grande promessa, confirmada por tantas profecias, finalmente se cumpriu na pessoa de Jesus de Nazaré. João, ao qual certamente vocês creem, aquele João cujas sublimes virtudes fizeram acreditar que era o Messias, deu-lhe o mais autorizado testemunho dizendo que não se considerava digno de desatar nem mesmo as correias de suas sandálias. Vocês hoje, irmãos, vocês dignos filhos de Abraão, e vocês todos adoradores do verdadeiro Deus, de qualquer nação ou linhagem que sejam, são aqueles a quem é particularmente dirigida a palavra de salvação. Os habitantes de Jerusalém, enganados por seus chefes, não quiseram reconhecer o Redentor que lhes pregamos. Ao contrário, deram-lhe a morte; mas Deus onipotente não permitiu, como havia predito, que o corpo de seu Cristo sofresse corrupção no sepulcro. Portanto, no terceiro dia após a morte, o fez ressurgir glorioso e triunfante.
            Até este ponto vocês não têm culpa alguma, porque a luz da verdade ainda não havia chegado até vocês. Mas tremam de agora em diante se algum dia fecharem os olhos; tremam por provocar sobre vocês a maldição fulminada pelos profetas contra quem não quer reconhecer a grande obra do Senhor, cujo cumprimento deve ocorrer nestes dias».
            Terminada a fala, todos os ouvintes se retiraram em silêncio, meditando sobre as coisas ouvidas de São Paulo.
            Entretanto, eram diversos os pensamentos que ocupavam suas mentes. Os bons estavam cheios de alegria pelas palavras de salvação que lhes foram anunciadas, mas grande parte dos judeus, sempre persuadidos de que o Messias deveria restabelecer o poder temporal de sua nação e envergonhando-se de reconhecer como Messias aquele que seus príncipes haviam condenado à morte ignominiosa, acolheram com desdém a pregação de Paulo. No entanto, mostraram-se satisfeitos e convidaram o Apóstolo a retornar no sábado seguinte, com ânimo, porém, bem diferente: os maliciosos para se prepararem para contradizê-lo, e aqueles que temiam o Senhor, israelitas e gentios, para melhor se instruírem e se confirmarem na fé. No dia combinado, reuniu-se uma imensa multidão para ouvir esta nova doutrina. Assim que São Paulo começou a pregar, imediatamente os doutores da sinagoga se levantaram contra ele. Opondo inicialmente algumas dificuldades; quando perceberam que não podiam resistir à força das razões com as quais São Paulo provava as verdades da fé, entregaram-se a gritos, injúrias e blasfêmias. Os dois apóstolos, vendo-se sufocar a palavra na boca, com forte ânimo exclamaram em alta voz: «A vocês se deveria em primeiro lugar anunciar a divina palavra; mas já que vocês tapam maldosamente os ouvidos e com fúria a rejeitam, tornam-se indignos da vida eterna. Nós, portanto, nos voltamos para os gentios para cumprir a promessa feita por Deus pela boca de seu profeta quando disse: “Eu te destinei para luz dos gentios e para a salvação deles até a extremidade da terra”».
            Os judeus então, ainda mais movidos por inveja e indignação, incitaram contra os Apóstolos uma feroz perseguição.
            Serviram-se de algumas mulheres que gozavam de crédito por serem piedosas e honestas, e com elas incitaram os magistrados da cidade, e todos juntos, gritando e fazendo alvoroço, forçaram os Apóstolos a sair de seus limites. Assim forçados, Paulo e Barnabé partiram daquela infeliz terra e, no ato de sua partida, segundo o mandamento de Jesus Cristo, sacudiram a poeira de seus pés em sinal de renunciar para sempre a qualquer relação com eles, como homens reprovados por Deus e atingidos pela maldição divina.

CAPÍTULO VI. São Paulo prega em outras cidades — Realiza um milagre em Listra, onde depois é apedrejado e deixado por morto — Ano de Jesus Cristo 45

            Paulo e Barnabé, expulsos da Pisídia, foram para a Licaônia, outra província da Ásia Menor, e se dirigiram a Icônio, que era a capital. Os santos Apóstolos, buscando apenas a glória de Deus, esquecendo os maus-tratos que haviam recebido em Antioquia pelos Judeus, se dedicaram imediatamente a pregar o Evangelho na sinagoga. Aqui Deus abençoou seus esforços, e uma multidão de Judeus e Gentios abraçou a fé. Mas aqueles entre os Judeus que permaneceram incrédulos e se obstinaram na impiedade, iniciaram outra perseguição contra os Apóstolos. Alguns os recebiam como homens enviados por Deus, outros os proclamavam impostores. Portanto, tendo sido avisados de que muitos deles, protegidos pelos chefes da sinagoga e pelos magistrados, queriam apedrejá-los, foram a Listra e depois a Derbe, cidades não muito distantes de Icônio. Essas cidades e os países vizinhos foram o campo onde nossos zelosos operários se dedicaram a semear a palavra do Senhor. Entre os muitos milagres que Deus realizou pela mão de São Paulo nesta missão, foi brilhante aquele que estamos prestes a relatar.
            Em Listra havia um homem coxo desde o nascimento, que nunca havia conseguido dar um passo com seus pés. Tendo ouvido que São Paulo realizava milagres extraordinários, sentiu nascer em seu coração uma viva confiança de que também poderia obter a saúde por meio dele, como tantos outros já haviam conseguido. Ele ouvia as pregações do Apóstolo, quando este, olhando fixamente para aquele infeliz e penetrando as boas disposições de sua alma, lhe disse em alta voz: “Levanta-te e fica em pé sobre os teus pés”. A um tal comando, o coxo se levantou e começou a andar rapidamente. A multidão que estava presente a tal milagre se sentiu tomada de entusiasmo e maravilha. “Esses não são homens”, exclamavam de todos os lados, “mas são deuses revestidos de aparência humana, descidos do céu entre nós”. E segundo tal suposição errônea, chamavam Barnabé de Júpiter, porque o viam de semblante mais majestoso, e Paulo, que falava com maravilhosa eloquência, chamavam de Mercúrio, que entre os Gentios era o intérprete e mensageiro de Júpiter e o deus da eloquência. Chegou a notícia do fato ao sacerdote do templo de Júpiter, que estava fora da cidade, e ele julgou ser seu dever oferecer aos grandes hóspedes um solene sacrifício e convidar todo o povo a participar. Preparadas as vítimas, as coroas e tudo o que fosse necessário para a função, trouxeram tudo diante da casa onde estavam hospedados Paulo e Barnabé, querendo de todas as maneiras fazer-lhes um sacrifício. Os dois Apóstolos, acesos de santo zelo, se lançaram na multidão e, em sinal de dor, rasgando suas vestes, gritavam: “Oh, o que fazeis, ó miseráveis? Nós somos homens mortais como vós; nós, com todo o espírito, vos exortamos a converter-vos do culto dos deuses ao culto daquele Senhor que criou o céu e a terra, e que, embora no passado tenha tolerado que os Gentios seguissem suas loucuras, no entanto forneceu claros argumentos de seu ser e de sua infinita bondade com obras que o fazem conhecer como supremo Senhor de todas as coisas”.
            A tão franca fala acalmaram-se os ânimos e abandonaram a ideia de fazer aquele sacrifício. Os sacerdotes ainda não haviam cedido totalmente e estavam perplexos se deveriam desistir quando chegaram de Antioquia e de Icônio alguns Judeus, enviados das sinagogas para perturbar as santas empreitadas dos Apóstolos. Aqueles malignos fizeram tanto e disseram tanto que conseguiram revoltar todo o povo contra os dois Apóstolos. Assim, aqueles que poucos dias antes os veneravam como deuses, agora os chamavam de malfeitores; e como apenas São Paulo havia falado, a ira se voltou toda contra ele.
            Lançaram sobre ele tal tempestade de pedras que, acreditando-o morto, o arrastaram para fora da cidade. Veja, leitor, como se deve avaliar a glória do mundo! Aqueles que hoje o querem elevar acima das estrelas, amanhã talvez o queiram no mais profundo dos abismos! Bem-aventurados aqueles que depositam em Deus sua confiança.

CAPÍTULO VII. Paulo milagrosamente curado — Outras de suas fadigas apostólicas — Conversão de Santa Tecla

            Os discípulos com outros fiéis, tendo sabido ou talvez visto o que havia sido feito a Paulo, se reuniram em torno do seu corpo chorando-o como morto. Mas logo foram consolados; pois, seja que Paulo estivesse realmente morto, seja que estivesse apenas todo machucado, Deus em um instante o fez retornar são e vigoroso como antes, a tal ponto que ele pôde se levantar por si mesmo e, cercado pelos discípulos, retornar à cidade de Listra entre aqueles mesmos que pouco antes o haviam apedrejado.
            Mas no dia seguinte, saindo daquela cidade, passou a Derbe, outra cidade da Licaônia. Aí pregou Jesus Cristo e fez muitas conversões. Paulo e Barnabé visitaram muitas cidades onde já haviam pregado e, observando os graves perigos a que estavam expostos aqueles que há pouco tempo haviam abraçado à fé, ordenaram Bispos e Sacerdotes que tivessem cuidado daquelas igrejas.
            Entre as conversões realizadas nesta terceira missão de Paulo é muito célebre a de Santa Tecla. Enquanto ele pregava em Icônio, essa jovem foi ouvi-lo. Anteriormente, ela havia se dedicado às belas letras e ao estudo da filosofia profana. Já seus parentes a haviam prometido a um jovem nobre, rico e muito poderoso. Encontrando-se um dia ouvindo São Paulo enquanto pregava sobre o valor da virgindade, apaixonou-se por essa preciosa virtude. Ao ouvir depois a grande estima que o Salvador tinha por ela e o grande prêmio que era reservado no céu àqueles que têm a bela sorte de conservá-la, sentiu ardente desejo de consagrar-se a Jesus Cristo e renunciar a todas as vantagens dos casamentos terrenos. Ao recusar aquele casamento, vantajoso aos olhos do mundo, seus parentes se indignaram fortemente e, de acordo com o noivo, tentaram todas as maneiras, todas as lisonjas para fazê-la mudar de propósito. Tudo em vão: quando uma alma é ferida pelo amor de Deus, todo esforço humano não consegue mais afastá-la do objeto que ama. De fato, os parentes, o noivo, os amigos, mudando o amor em fúria, incitaram os juízes e os magistrados de Icônio contra a santa virgem e das ameaças passaram aos fatos.
            Ela foi jogada em um cercado de feras famintas e ferozes; Tecla, unicamente armada da confiança em Deus, faz o sinal da Santa Cruz, e aqueles animais depõem sua ferocidade e respeitam a esposa de Jesus Cristo. Acende-se uma fogueira na qual ela é precipitada; mas, feito apenas o sinal da Cruz, as chamas se extinguem e ela se conserva ilesa. Em suma, foi exposta a todo tipo de tormentos e de todos foi prodigiosamente libertada. Por essas coisas, foi-lhe dado o nome de protomártir, ou seja, primeira mártir entre as mulheres, como Santo Estêvão foi o primeiro mártir entre os homens. Ela viveu ainda muitos anos no exercício das mais heroicas virtudes e morreu em paz em idade muito avançada.

CAPÍTULO VIII. São Paulo vai conferir com São Pedro — Assiste ao Concílio de Jerusalém — Ano de Cristo 50

            Após as fadigas e os sofrimentos suportados por Paulo e Barnabé em sua terceira missão, contentes com as almas que conseguiram conduzir ao aprisco de Jesus Cristo, retornaram a Antioquia da Síria. Lá contaram aos fiéis daquela cidade as maravilhas operadas por Deus na conversão dos Gentios. O Santo Apóstolo foi ali consolado com uma revelação, na qual Deus lhe ordenou que se dirigisse a Jerusalém para conferir com São Pedro sobre o Evangelho que ele pregava. Deus havia ordenado isso para que São Paulo reconhecesse em São Pedro o Chefe da Igreja, e assim todos os fiéis compreendessem como os dois príncipes dos Apóstolos pregavam uma mesma fé, um só Deus, um só batismo, um só Salvador Jesus Cristo.
            Paulo partiu em companhia de Barnabé, levando consigo um discípulo chamado Tito, ganho à fé no decorrer desta terceira missão. Este é aquele famoso Tito, que se tornou modelo de virtude, fiel seguidor e colaborador do nosso santo Apóstolo e de quem também teremos muitas vezes a falar. Chegando a Jerusalém, apresentaram-se aos Apóstolos Pedro, Tiago e João, que eram considerados como as principais colunas da Igreja. Entre outras coisas, foi ali acordado que Pedro com Tiago e João se aplicariam de maneira especial para conduzir os Judeus à fé; Paulo e Barnabé, por sua vez, se dedicariam principalmente à conversão dos Gentios.
            Paulo permaneceu quinze dias naquela cidade, após o que retornou com seus companheiros a Antioquia. Lá encontraram os fiéis muito agitados por uma questão derivada do fato de que os Judeus queriam obrigar os Gentios a se submeterem à circuncisão e às outras cerimônias da lei de Moisés, o que era o mesmo que dizer que era necessário se tornar um bom Judeu para depois se tornar um bom Cristão. As contendas foram tão longe que, não podendo se aquietar de outra forma, foi decidido enviar Paulo e Barnabé a Jerusalém para consultar o Chefe da Igreja para que por ele fosse decidida a questão.
            Nós já contamos na vida de São Pedro como Deus, com uma maravilhosa revelação, havia feito conhecer a este príncipe dos Apóstolos que os Gentios, ao virem à fé, não eram obrigados à circuncisão nem às outras cerimônias da lei de Moisés; no entanto, para que a vontade de Deus fosse conhecida por todos e fosse de modo solene resolvida toda a dificuldade, Pedro convocou um concílio universal, que foi o modelo de todos os concílios que foram celebrados nos tempos futuros. Ali Paulo e Barnabé expuseram o estado da questão, que foi definida por São Pedro e confirmada pelos outros Apóstolos da seguinte maneira:
            «Os Apóstolos e os anciãos aos irmãos convertidos do paganismo, que habitam em Antioquia e nas outras partes da Síria e da Cilícia. Tendo nós entendido que alguns que foram daqui têm perturbado e angustiado as vossas consciências com ideias arbitrárias, pareceu bem a nós aqui reunidos escolher e enviar a vós Paulo e Barnabé, homens a nós caríssimos, que sacrificaram suas vidas pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Com eles enviamos Silas e Judas, os quais, entregando-vos nossas cartas, vos confirmarão de boca as mesmas verdades. De fato, foi julgado pelo Espírito Santo e por nós não vos impor outra lei, exceto aquelas que deveis observar, isto é, abster-vos das coisas sacrificadas aos ídolos, das carnes sufocadas, do sangue e da fornicação, das quais coisas abstendo-vos fareis bem. Fiquem em paz.»
            Esta última coisa, ou seja, a fornicação, não precisava ser proibida, sendo totalmente contrária aos ditames da razão e proibida pelo sexto preceito do Decálogo. No entanto, foi renovada tal proibição em relação aos Gentios, que no culto de seus falsos deuses pensavam que era lícito, ao contrário, coisa agradável àquelas imundas divindades.
            Chegando Paulo e Barnabé com Silas e Judas a Antioquia, publicaram a carta com o decreto do concílio, com o qual não só aquietaram o tumulto, mas encheram os irmãos de alegria, reconhecendo cada um a voz de Deus na de São Pedro e do concílio. Silas e Judas contribuíram muito para aquela alegria comum, pois sendo eles profetas, ou seja, cheios do Espírito Santo e dotados do dom da palavra divina e de uma graça particular para interpretar as Sagradas Escrituras, tiveram muita eficácia em confirmar os fiéis na fé, na concordância e nos bons propósitos.
            São Pedro, tendo sido informado dos progressos extraordinários que o Evangelho fazia em Antioquia, quis também ir visitar aqueles fiéis, a quem já havia pregado por mais anos e entre os quais havia mantido a Sé Pontifícia por sete anos. Enquanto os dois príncipes dos Apóstolos permaneciam em Antioquia, aconteceu que Pedro, para agradar aos Judeus, praticava algumas cerimônias da lei mosaica; o que causava uma certa aversão por parte dos Gentios, sem que São Pedro estivesse ciente disso. São Paulo, ao tomar conhecimento desse fato, avisou publicamente São Pedro, o qual com admirável humildade recebeu o aviso sem proferir palavras de desculpa; ao contrário, a partir de então tornou-se muito amigo de São Paulo, e em suas cartas não costumava chamá-lo por outro nome senão pelo de irmão caríssimo. Exemplo digno de ser imitado por aqueles que de alguma forma são avisados de seus defeitos.

CAPÍTULO IX. Paulo se separa de Barnabé — Percorre várias cidades da Ásia — Deus o envia à Macedônia — Em Filipos converte a família de Lídia — Ano de Cristo 51

            Paulo e Barnabé pregaram por algum tempo o Evangelho na cidade de Antioquia, esforçando-se até para divulgá-lo nos países vizinhos. Não muito depois, Paulo pensou em visitar as Igrejas onde havia pregado. Disse, portanto, a Barnabé: “Parece-me bem que voltemos a ver os fiéis daquelas cidades e terras onde pregamos, para ver como vão as coisas da religião entre eles.” Nada estava mais a peito de Barnabé, e por isso ele imediatamente concordou com o Santo Apóstolo; mas propôs levar consigo também aquele João Marcos que os havia seguido na missão anterior e depois os deixara em Perge. Talvez ele desejasse apagar a mancha que havia feito naquela ocasião, por isso queria estar novamente em sua companhia. São Paulo não pensava assim: “Você vê”, dizia a Barnabé, “que este não é um homem em quem se possa confiar: certamente você se lembra de como, ao chegarmos a Perge da Panfília, ele nos abandonou.” Barnabé insistia dizendo que poderia ser acolhido, e apresentava boas razões. Não conseguindo os dois Apóstolos entrar em acordo, decidiram se separar e seguir caminhos diferentes.
            Assim Deus fez servir essa diversidade de sentimentos para sua maior glória; porque, separados, levavam a luz do Evangelho a mais lugares, coisa que não teriam feito indo ambos juntos.
            Barnabé foi com João Marcos para a ilha de Chipre e visitou aquelas Igrejas onde havia pregado com São Paulo na missão anterior. Este Apóstolo trabalhou muito para difundir a fé em Jesus Cristo e finalmente foi coroado com o martírio em Chipre, sua pátria. João Marcos, desta vez, foi constante, e o veremos depois como fiel companheiro de São Paulo, que teve muito a louvar seu zelo e caridade.
            São Paulo levou consigo Silas, aquele que lhe fora designado como companheiro para levar os atos do concílio de Jerusalém a Antioquia, iniciou sua quarta viagem e foi visitar várias Igrejas que ele havia fundado. Primeiro foi a Derbe, depois a Listra, onde algum tempo atrás o Santo Apóstolo fora deixado como morto. Mas Deus quis desta vez compensá-lo pelo que havia sofrido antes.
            Ele encontrou lá um jovem que havia convertido na outra missão, chamado Timóteo. Paulo já conhecia o belo caráter deste discípulo e em seu coração havia decidido torná-lo um colaborador do Evangelho, ou seja, consagrá-lo sacerdote e tomá-lo como companheiro em seus trabalhos apostólicos. Antes, porém, de conferir-lhe a sagrada ordenação, Paulo pediu informações aos fiéis de Listra e descobriu que todos elogiavam este bom jovem, magnificando sua virtude, modéstia e seu espírito de oração; e isso diziam não apenas os de Listra, mas até mesmo os de Icônio e das outras cidades vizinhas, e todos pressagiavam em Timóteo um zeloso sacerdote e um santo bispo.
            Diante desses luminosos testemunhos, Paulo não teve mais dificuldade em consagrá-lo sacerdote. Paulo, portanto, levando consigo Timóteo e Silas, continuou a visita das Igrejas, recomendando a todos que observassem e se mantivessem firmes nas decisões do concílio de Jerusalém. Assim fizeram os de Antioquia, e assim fizeram em todo tempo os pregadores do Evangelho para assegurar os fiéis de não caírem em erro: manter-se aos decretos, às ordens dos concílios e do Papa Romano, sucessor de São Pedro.
            Paulo e seus companheiros atravessaram a Galácia e a Frígia para levar o Evangelho à Ásia, mas o Espírito Santo o proibiu.
            Para facilitar a compreensão das coisas que estamos prestes a contar, é bom notar de passagem que pela palavra Ásia em sentido amplo se entende uma das três partes do mundo. Costuma-se chamar de Ásia Maior toda a extensão da Ásia, exceto aquela parte que se chama Ásia Menor, hoje Anatólia, que é a península compreendida entre o Mar de Chipre, o Egeu e o Mar Negro. Também foi chamada de Ásia Proconsular uma parte da Ásia Menor mais ou menos extensa de acordo com o número das províncias confiadas ao governo do procônsul romano. Aqui, por Ásia, onde São Paulo planejava ir, entende-se uma porção da Ásia Proconsular, situada em torno de Éfeso e compreendida entre os montes Tauro, o Mar Negro e a Frígia.
            São Paulo então pensou em ir à Bitínia, que é outra província da Ásia Menor um pouco mais em direção ao Mar Negro; mas nem isso lhe foi permitido por Deus. Portanto, voltou e foi a Trôade, que é uma cidade e província onde antigamente havia uma famosa cidade chamada Troia. Deus havia reservado para outro tempo a pregação do Evangelho àqueles povos; por ora, queria enviá-lo a outros países.
            Enquanto São Paulo estava em Trôade, apareceu-lhe um anjo vestido de homem segundo o uso dos macedônios, que, estando em pé diante dele, começou a suplicá-lo assim: “Oh! tenha piedade de nós; passe à Macedônia e venha em nosso socorro.” Dessa visão, São Paulo conheceu a vontade do Senhor e sem demora se preparou para atravessar o mar e ir à Macedônia.
            Em Trôade, juntou-se a São Paulo um primo seu chamado Lucas, que lhe foi de grande ajuda em suas fadigas apostólicas. Ele era um médico de Antioquia, de grande inteligência, que escrevia com pureza e elegância em grego. Ele foi para Paulo o que São Marcos foi para São Pedro; e assim como ele, escreveu o Evangelho que lemos sob o nome de Evangelho segundo Lucas. Também o livro intitulado Atos dos Apóstolos, do qual extraímos quase todas as coisas que dizemos sobre São Paulo, é obra de São Lucas. Desde que se uniu como companheiro do nosso Apóstolo, não houve mais perigo, fadiga ou sofrimento que pudesse abalar sua constância.
            Paulo, portanto, segundo o aviso do anjo, juntamente com Silas, Timóteo e Lucas, embarcou de Trôade, navegou pelo Egeu (que separa a Europa da Ásia) e com próspera navegação chegou à ilha de Samotrácia, depois a Neápolis, não a capital do Reino de Nápoles, mas uma pequena cidade na fronteira da Trácia e da Macedônia. Sem parar, o Apóstolo foi diretamente a Filipos, cidade principal, assim chamada porque foi edificada por um rei daquele país chamado Filipe. Ali permaneceram por algum tempo.
            Naquela cidade, os judeus não tinham sinagoga, seja porque fossem proibidos, seja porque eram muito poucos em número. Tinham apenas uma “proseuca”, ou seja, lugar de oração, que chamamos de oratório. No dia de sábado, Paulo e seus companheiros saíram da cidade à beira de um rio onde encontraram uma “proseuca” com algumas mulheres. Começaram imediatamente a pregar o reino de Deus àquela audiência simples. Uma comerciante chamada Lídia foi a primeira a ser chamada por Deus; assim, ela e sua família receberam o Batismo.
            Esta mulher piedosa, grata pelos benefícios recebidos, assim pediu aos mestres e aos pais de sua alma: “Se vocês me consideram fiel a Deus, não me neguem uma graça após aquela do Batismo que reconheço ter recebido de vocês. Venham à minha casa, permaneçam quanto desejarem e considerem-na como sua.” Paulo não queria consentir; mas ela fez tais insistências que ele teve que aceitar. Eis o fruto que produz a palavra de Deus, quando é bem ouvida. Ela gera a fé; mas deve ser ouvida e explicada pelos ministros sagrados, como dizia o próprio São Paulo: “Fides ex auditu, auditus autem per verbum Christi” (A fé vem do ouvir, e o ouvir vem pela palavra de Cristo).

CAPÍTULO X. São Paulo liberta uma jovem do demônio — É açoitado com varas — É colocado na prisão — Conversão do carcereiro e de sua família — Ano de Cristo 51

            São Paulo e seus companheiros andavam por aí espalhando a semente da palavra de Deus pela cidade de Filipos. Um dia, indo à “proseuca”, encontraram uma pitonisa, que diríamos ser uma maga ou bruxa. Ela tinha um demônio que falava por sua boca e adivinhava muitas coisas extraordinárias; o que dava muito lucro aos seus senhores, pois as pessoas ignorantes iam consultá-la e para se fazer prever o futuro tinham que pagar bem pelas consultas. Assim, ela começou a seguir São Paulo e seus companheiros, gritando-lhes: “Estes homens são servos do Deus Altíssimo; eles vos mostram o caminho da salvação.” São Paulo a deixou falar sem dizer nada, até que, aborrecido e indignado, se voltou para aquele espírito maligno que falava por sua boca e disse em tom ameaçador: “Em nome de Jesus Cristo, eu te ordeno que saias imediatamente desta jovem.” O dizer e o fazer foram uma só coisa, porque, forçado pela poderosa virtude do nome de Jesus Cristo, teve que sair daquele corpo, e pela sua partida a maga ficou sem magia.
            Vocês, leitores, compreenderão a razão pela qual o demônio louvava São Paulo, e este santo Apóstolo rejeitou os louvores. O espírito maligno queria que São Paulo o deixasse em paz, e assim o povo acreditasse que a doutrina de São Paulo era a mesma das adivinhações daquela endemoninhada. O santo Apóstolo quis demonstrar que não havia qualquer acordo entre Cristo e o demônio, e ao recusar suas adulações, mostrou quão grande era o poder do nome de Jesus Cristo sobre todos os espíritos do inferno.
            Os senhores daquela jovem, vendo que com o demônio se foi toda a esperança de lucro, se indignaram fortemente contra São Paulo e, sem esperar qualquer sentença, pegaram a ele e a seus companheiros e os levaram ao Palácio da Justiça. Chegando à presença dos juízes, disseram: “Estes homens de raça judaica estão perturbando nossa cidade para introduzir uma religião nova, que certamente é um sacrilégio.” O povo, ouvindo que se tratava de uma ofensa à religião, se enfureceu e se lançou contra eles de todos os lados.
            Os juízes se mostraram cheios de indignação e, rasgando suas vestes, sem fazer qualquer processo, sem examinar se havia crime ou não, mandaram que fossem severamente açoitados com varas e, quando estavam saciados ou cansados de bater, mandaram que Paulo e Silas fossem levados à prisão, ordenando ao carcereiro que os guardasse com a máxima diligência. Este não apenas os trancou na prisão, mas para maior segurança prendeu seus pés entre os grilhões. Aqueles santos homens, no horror da prisão, cobertos de feridas, longe de se queixar, exultavam de alegria e durante a noite iam cantando louvores a Deus. Os outros prisioneiros estavam maravilhados.
            Era meia-noite e ainda cantavam e bendiziam a Deus, quando de repente se ouviu um fortíssimo terremoto, que com horrível estrondo fez tremer até os fundamentos daquele edifício. A este tremor caem as correntes dos prisioneiros, quebram-se seus grilhões, as portas das prisões se abrem e todos os detidos se encontram em liberdade. O carcereiro acordou e, correndo para saber o que havia acontecido, encontrou as portas abertas. Então, ele, não duvidando que os prisioneiros haviam fugido, e por isso talvez ele mesmo tivesse que pagar com a vida, no excesso da desesperação corre, saca uma espada, a aponta para o peito e já está prestes a se matar. Paulo, ou pela claridade da lua ou à luz de alguma lamparina, vendo aquele homem em tal ato de desespero, “Para!”, começou a gritar, “Não te faças nenhum mal, estamos todos aqui.” Acalmado por estas palavras, ele se tranquiliza um pouco e, mandando trazer luz, entrou na prisão e encontrou os prisioneiros cada um em seu lugar. Tomado de espanto e movido por uma luz interior da graça de Deus, todo tremendo se lançou aos pés de Paulo e Silas, dizendo: “Senhores, que devo fazer para ser salvo?”
            Todos podem imaginar quanta alegria Paulo sentiu em seu coração ao ouvir tais palavras! Ele se voltou para ele e respondeu: “Crê no Filho de Deus, Jesus Cristo, e serás salvo tu e toda a tua família.”
            Aquele bom homem, sem demora, levou para casa os santos prisioneiros, lavou suas feridas com aquele amor e reverência que teria feito a seu pai. Reunida então sua família, foram instruídos na verdade da fé. Ouvindo com humildade de coração a palavra de Deus, aprenderam em breve o que era necessário para se tornarem cristãos. Assim, São Paulo, vendo-os cheios de fé e da graça do Espírito Santo, os batizou a todos. Então, começaram a agradecer a Deus pelos benefícios recebidos. Aqueles novos fiéis, vendo Paulo e Silas exaustos e enfraquecidos pelos açoites e pelo longo jejum, correram imediatamente para preparar-lhes o jantar com o qual foram restaurados. Os dois Apóstolos sentiram o maior conforto pelas almas que haviam ganho para Jesus Cristo; por isso, cheios de gratidão a Deus, retornaram à prisão esperando aquelas disposições que a divina Providência lhes faria conhecer a respeito.
            Enquanto isso, os magistrados se arrependeram de terem feito bater e trancar na prisão aqueles em quem não puderam encontrar culpa alguma, e mandaram alguns oficiais dizer ao carcereiro que deixasse em liberdade os dois prisioneiros. Muito feliz com tal notícia, o carcereiro correu imediatamente para comunicá-la aos Apóstolos. “Vocês”, disse, “podem certamente ir em paz.” Mas a Paulo pareceu que deveria ser diferente. Se eles assim fugissem às escondidas, se acreditaria que eram culpados de grave delito, e isso em detrimento do Evangelho. Ele, portanto, chamou a si os oficiais e disse-lhes: “Seus magistrados, sem ter conhecimento deste caso, sem qualquer forma de julgamento, publicamente nos fizeram bater, nós que somos cidadãos romanos; e agora querem nos mandar embora às escondidas. Certamente não será assim: que venham eles mesmos e nos conduzam para fora da prisão.” Aqueles mensageiros levaram esta resposta aos magistrados; os quais, tendo entendido que eram cidadãos romanos, ficaram tomados de grande temor, porque bater num cidadão romano era crime capital. Por isso, vieram imediatamente à prisão e com palavras amáveis se desculparam pelo que haviam feito e, tirando-os honrosamente da prisão, pediram que saíssem da cidade. Os Apóstolos foram imediatamente à casa de Lídia, onde encontraram os companheiros imersos em consternação por causa deles; e ficaram grandemente consolados ao vê-los postos em liberdade. Depois disso, partiram da cidade de Filipos. Assim, aqueles cidadãos rejeitaram as graças do Senhor em troca das graças dos homens.

CAPÍTULO XI. São Paulo prega em Tessalônica — Caso de Jasão — Vai a Bereia, onde é novamente perturbado pelos judeus — Ano de Cristo 52

            Paulo, com seus companheiros, partiu de Filipos, deixando ali as duas famílias de Lídia e do carcereiro convertidas a Jesus Cristo. Passando pelas cidades de Anfípolis e Apolônia, chegou a Tessalônica, a principal cidade da Macedônia, muito famosa pelo seu comércio e pelo seu porto no Egeu. Hoje em dia é chamada Salônica.
            Lá Deus havia preparado ao santo Apóstolo muitos sofrimentos e muitas almas para ganhar a Cristo. Ele começou a pregar e, por três sábados, continuou a demonstrar com as Sagradas Escrituras que Jesus Cristo era o Messias, o Filho de Deus, que as coisas que lhe aconteceram haviam sido anunciadas pelos Profetas; portanto, deviam ou renunciar às profecias ou crer na vinda do Messias. A tal pregação, alguns creram e abraçaram a fé; mas outros, especialmente os judeus, mostraram-se obstinados e, com grande ódio, levantaram-se contra São Paulo. Colocando-se à frente de alguns malvados da plebe, reuniram-se e, em grupos, tumultuaram toda a cidade. E, como Silas e Paulo haviam se hospedado na casa de um certo Jasão, correram tumultuando até a casa dele para tirá-los e conduzi-los diante do povo. Os fiéis perceberam a tempo e conseguiram fazê-los fugir. Não conseguindo mais encontrá-los, pegaram Jasão junto com alguns fiéis e os arrastaram diante dos magistrados da cidade, gritando em alta voz: “Esses perturbadores da humanidade vieram também aqui de Filipos; e Jasão os acolheu em sua casa; agora estes transgridem os decretos e violam a majestade de César, afirmando que há um outro Rei, isto é, Jesus Nazareno.” Essas palavras inflamaram os tessalonicenses e fizeram os mesmos magistrados se enfurecerem. Mas Jasão, assegurando-os de que não queriam fazer tumultos e que, caso pedissem aqueles estrangeiros, ele os apresentaria, mostraram-se satisfeitos e o tumulto se acalmou. Mas Silas e Paulo, vendo inútil todo esforço naquela cidade, seguiram os conselhos dos irmãos e foram a Bereia, outra cidade daquela província.
            Em Bereia, Paulo começou a pregar na sinagoga dos judeus, ou seja, colocou-se no mesmo perigo do qual havia sido quase milagrosamente libertado pouco antes. Mas desta vez sua coragem foi amplamente recompensada. Os bereanos ouviram a palavra de Deus com grande avidez. Paulo sempre citava aqueles trechos da Bíblia que diziam respeito a Jesus Cristo, e os ouvintes corriam imediatamente para conferi-los e verificar os textos que ele citava; e, encontrando-os correspondentes com exatidão, se inclinavam à verdade e acreditavam no Evangelho. Assim fazia o Salvador com os judeus da Palestina quando os convidava a ler atentamente as Sagradas Escrituras: Scrutamini Scripturas, et ipsae testimonium perhibent de me (Examinai as Escrituras e são elas que dão testemunho de mim – Jo 5,39).
            No entanto, as conversões ocorridas em Bereia não puderam permanecer ocultas a ponto de não chegarem notícias aos de Tessalônica. Os obstinados judeus desta cidade correram em grande número a Bereia para prejudicar a obra de Deus e impedir a conversão dos gentios. São Paulo era principalmente procurado como aquele que sustentava em particular a pregação. Os irmãos, vendo-o em perigo, fizeram-no acompanhar secretamente para fora da cidade por pessoas de confiança e, por caminhos seguros, o conduziram a Atenas. Permaneceram, porém, em Bereia Silas e Timóteo. Mas Paulo, ao despedir aqueles que o haviam acompanhado, recomendou-lhes com urgência que dissessem a Silas e a Timóteo que o alcançassem o mais rápido possível. Os santos Padres, na obstinação dos judeus de Tessalônica, reconhecem aqueles cristãos que, não contentes em não aproveitar eles mesmos os benefícios da religião, buscam afastar os outros, o que fazem ou caluniando os sagrados ministros ou desprezando as coisas da mesma religião. O Salvador diz a estes: “A vós será tirada a minha vinha”, isto é, a minha religião, “e será dada a outros povos que a cultivarão melhor do que vós e trarão frutos a seu tempo.” Ameaça terrível, mas que, infelizmente, já se concretizou e se está concretizando em muitos países, onde outrora florescia a religião cristã, os quais atualmente vemos imersos nas densas trevas do erro, do vício e da desordem. — Deus nos livre deste flagelo!

CAPÍTULO XII. Estado religioso dos atenienses — São Paulo no Areópago — Conversão de São Dionísio — Ano de Cristo 52

            Atenas era uma das cidades mais antigas, mais ricas e mais comerciais do mundo. Ali a ciência, o valor militar, os filósofos, os oradores, os poetas sempre foram os mestres da humanidade. Os próprios romanos haviam enviado a Atenas para coletar leis que levaram a Roma como oráculos de sabedoria. Havia também um senado de homens considerados espelho de virtude, justiça e prudência; eles eram chamados areopagitas, do Areópago, lugar onde tinham o tribunal. Mas com tanta ciência, estavam imersos na vergonhosa ignorância das coisas da religião. As seitas dominantes eram a dos epicureus e a dos estoicos. Os epicureus negavam a Deus a criação do mundo e a providência, nem admitiam prêmio ou pena na outra vida; por isso colocavam a beatitude nos prazeres da terra. Os estoicos consideravam o supremo bem apenas na virtude e faziam o homem em algumas coisas maior do que o próprio Deus, porque acreditavam ter a virtude e a sabedoria por si mesmos. Todos adoravam mais deuses, e não havia crime que não fosse favorecido por alguma insensata divindade.
            São Paulo, homem desconhecido, considerado vil por ser judeu, deveria pregar-lhes a Jesus Cristo, também judeu, morto na cruz, e levá-los a adorá-lo como verdadeiro Deus. Portanto, somente Deus poderia fazer com que as palavras de São Paulo pudessem mudar corações tão inveterados no vício e alheios à verdadeira virtude, e fazer com que abraçassem e professassem a santa religião cristã.
            Enquanto Paulo aguardava Silas e Timóteo, sentia em seu coração compaixão por aqueles miseráveis enganados e, como de costume, começava a discutir com os judeus e com todos aqueles que se encontravam com ele, ora nas sinagogas, ora nas praças. Os epicureus e os estoicos também vieram discutir com ele e, não podendo resistir às razões, iam dizendo: “O que quer dizer esse charlatão?” Outros diziam: “Parece que este quer nos mostrar algum novo Deus.” O que diziam porque ouviam mencionar Jesus Cristo e a ressurreição. Alguns outros, querendo agir com mais prudência, convidaram Paulo a ir ao Areópago. Quando chegou a esse magnífico senado, disseram-lhe: “Poderíamos saber algo sobre essa tua nova doutrina? Pois tu nos fazes soar aos ouvidos coisas nunca antes ouvidas por nós. Desejamos saber a realidade do que ensinas.”
            Ao saber que um estrangeiro deveria falar no Areópago, acorreu uma grande multidão de gente.
            Convém aqui notar que entre os atenienses era severamente proibido dizer a menor palavra contra suas inúmeras e estúpidas divindades, e consideravam crime capital receber ou adicionar entre eles algum deus estrangeiro, que não fosse cuidadosamente examinado e proposto pelo senado. Dois filósofos, um chamado Anaxágoras e o outro Sócrates, foram mortos apenas por terem deixado entender que não podiam admitir tantas ridículas divindades. Destas coisas se entende facilmente o perigo em que estava São Paulo pregando o verdadeiro Deus àquela terrível assembleia e tentando derrubar todos os seus deuses.
            O santo Apóstolo, portanto, vendo-se naquele augusto senado e devendo falar aos mais sábios dos homens, julgou bem adotar um estilo e uma maneira de raciocinar muito mais elegantes do que costumava. E, como aqueles senadores não admitissem o argumento das Escrituras, ele pensou em se fazer ouvir pela força da razão. Levantando-se, portanto, e fazendo silêncio entre todos, começou:
            «Homens atenienses, eu vos vejo em todas as coisas religiosos até o escrúpulo. Porque, passando por esta cidade e considerando os vossos simulacros, encontrei também um altar com esta inscrição: Ao Deus Desconhecido. Eu, portanto, venho anunciar-vos aquele Deus que vós adorais sem conhecer. Ele é aquele Deus que fez o mundo e todas as coisas que nele existem. Ele é o Senhor do céu e da terra, por isso não habita em templos feitos por mãos humanas. Nem ele é servido pelas mãos dos mortais como se tivesse necessidade deles; pois, ao contrário, ele é quem dá a todos a vida, o fôlego e todas as coisas. Ele fez com que de um só homem descendessem todos os outros, cuja descendência se espalhou por toda a terra. Ele fixou os tempos e os limites da sua habitação, para que buscassem a Deus, se porventura o pudessem encontrar, embora Ele não esteja longe de nós.
            «Porque nele vivemos, nos movemos e somos, como também disse algum dos vossos poetas (Arato, famoso poeta da Cilícia): “Porque somos também sua descendência”. Sendo, portanto, nós descendência de Deus, não devemos considerar que Ele seja semelhante ao ouro ou à prata ou à pedra esculpida pela arte ou pela invenção dos homens. Deus, porém, na sua misericórdia, fechou os olhos para o passado sobre tal ignorância; mas agora ordenou que façamos penitência. Pois Ele fixou um dia em que julgará com justiça todo o mundo por meio de um homem estabelecido por Ele, como deu prova a todos ressuscitando-o dos mortos».
            Até este ponto, aqueles ouvintes levianos, cujos vícios e erros haviam sido atacados com muita sutileza, mantiveram-se em bom comportamento. Mas ao primeiro anúncio do dogma extraordinário da ressurreição, os epicureus se levantaram e, em grande parte, saíram zombando daquela doutrina que certamente lhes incutia terror. Outros, mais discretos, disseram-lhe que por aquele dia bastava, e que o ouviriam outra vez sobre o mesmo assunto. Assim foi recebido o mais eloquente dos Apóstolos por aquela assembleia soberba. Adiaram o aproveitamento da graça de Deus; essa graça não lemos que tenha sido depois concedida a eles por Deus.
            Deus, porém, não deixou de consolar seu servo com a conquista de algumas almas privilegiadas. Entre outras, foi Dionísio, um dos juízes do Areópago, e uma mulher chamada Dâmaris, que se acredita ser sua esposa. Conta-se que este Dionísio, à morte do Salvador, contemplando aquele eclipse pelo qual as trevas se espalharam sobre toda a terra, exclamou: “Ou o mundo se desfaz, ou o autor da natureza sofre violência.” Assim que ele pôde conhecer a causa daquele acontecimento, rendeu-se imediatamente às palavras de São Paulo. Conta-se também que, tendo ido visitar a Mãe de Deus, ficou tão surpreso com tanta beleza e majestade, que se prostrou ao chão para venerá-la, afirmando que a adoraria como uma divindade se a fé não o tivesse assegurado que há um só Deus. Depois São Paulo o consagrou bispo de Atenas e morreu coroado pelo martírio.

CAPÍTULO XIII. São Paulo em Corinto — Sua moradia na casa de Áquila — Batismo de Crispo e de Sóstenes — Escreve aos Tessalonicenses — Retorno a Antioquia — Ano de Jesus Cristo 53-54

            Se Atenas era a cidade mais célebre pela ciência, Corinto era considerada a primeira pelo comércio. Para lá convergiam mercadores de todas as partes. Tinha dois portos no istmo do Peloponeso: um chamado Cencreia, que dava para o Egeu, e o outro chamado Léquio, que se debruçava sobre o Adriático. A desordem e a imoralidade eram levadas ao triunfo. Apesar de tais obstáculos, São Paulo, assim que chegou a esta cidade, começou a pregar em público e em privado.
            Ele se hospedou na casa de um judeu chamado Áquila. Este era um fervoroso cristão que, para evitar a perseguição publicada pelo imperador Cláudio contra os cristãos, havia fugido da Itália com sua esposa chamada Priscila e viera a Corinto. Exerciam a mesma arte que Paulo havia aprendido na juventude, ou seja, fabricavam tendas para uso dos soldados. Para não ser um peso para seus anfitriões, o santo Apóstolo também se dedicava ao trabalho e passava na oficina todo o tempo que lhe restava livre do sagrado ministério. Todo sábado, porém, ia à sinagoga e se esforçava para fazer conhecer aos judeus que as profecias referentes ao Messias haviam se cumprido na pessoa de Jesus Cristo.
            Chegaram, entretanto, Silas e Timóteo de Bereia. Eles haviam partido para Atenas, onde souberam que Paulo já havia partido, e o alcançaram em Corinto. À sua chegada, Paulo se dedicou com mais coragem a pregar aos judeus; mas, à medida que a obstinação deles crescia a cada dia, Paulo, não podendo mais suportar tantas blasfêmias e tal abuso de graças, assim movido por Deus, anunciou-lhes iminentes os flagelos divinos com estas palavras: «O vosso sangue recaia sobre vós; eu sou inocente. Eis que me volto para os gentios, e doravante serei tudo para eles».
            Entre os judeus que blasfemavam contra Jesus Cristo, talvez houvesse alguns que trabalhavam na oficina de Áquila; por isso, o Apóstolo, a fim de evitar a companhia dos malignos, abandonou a casa dele e se transferiu para a casa de um certo Tito Justo, que havia sido recentemente convertido do paganismo à fé. Perto de Tito morava um certo Crispo, chefe da sinagoga. Este, instruído pelo Apóstolo, abraçou a fé com toda a sua família.
            As grandes ocupações de Paulo em Corinto não o fizeram esquecer seus amados fiéis de Tessalônica. Quando Timóteo chegou de lá, ele lhe contou grandes coisas sobre o fervor daqueles cristãos, sua grande caridade, a boa memória que conservavam dele e o ardente desejo de revê-lo. Não podendo Paulo ir pessoalmente, como desejava, escreveu-lhes uma carta, que se acredita ser a primeira carta escrita por São Paulo.
            Nesta carta, ele se alegra muito com os tessalonicenses por sua fé e caridade, depois os exorta a se guardarem das desordens sensuais e de toda fraude. E como a ociosidade é a fonte de todos os vícios, assim ele os encoraja a se dedicarem seriamente ao trabalho, considerando indigno de comer quem não quer trabalhar: Si quis non vult operari nec manducet. (Se alguém não quer trabalhar, também não coma). Conclui então lembrando-lhes o grande prêmio que Deus tem preparado no céu para o menor esforço suportado na vida presente por amor a Ele.
            Pouco depois desta carta, teve outras notícias dos mesmos fiéis de Tessalônica. Eles estavam grandemente inquietos por alguns impostores que andavam pregando iminente o juízo universal. O Apóstolo escreveu-lhes uma segunda carta, avisando-os para não se deixarem enganar por seus discursos falaciosos. Nota ser certo o dia do juízo universal, mas antes devem aparecer muitos sinais, entre os quais a pregação do Evangelho em toda a terra. Exorta-os a se manterem firmes nas tradições que lhes foram comunicadas por carta e de viva voz. Finalmente, recomenda-se às suas orações e insiste muito em fugir dos curiosos e dos ociosos, que são considerados como a peste da religião e da sociedade.
            Enquanto São Paulo confortava os fiéis de Tessalônica, surgiram contra ele tais perseguições que ele se teria decidido a fugir daquela cidade se não tivesse sido confortado por Deus com uma visão. Apareceu-lhe Jesus Cristo e lhe disse: «Não temas, eu estou contigo, ninguém poderá te fazer mal; nesta cidade é grande o número daqueles que por meio de ti se converterão à fé». Encorajado por tais palavras, o Apóstolo permaneceu em Corinto dezoito meses.
            A conversão de Sóstenes foi uma das que trouxe grande consolação à alma de Paulo. Ele sucedeu a Crispo na função de chefe da sinagoga. A conversão desses dois principais representantes de sua seita irritou ferozmente os judeus, e em seu furor pegaram o Apóstolo e o conduziram ao procônsul, acusando-o de ensinar uma religião contrária à dos judeus. Galião, tal é o nome daquele governador, ouvindo que se tratava de coisas de religião, não quis envolver-se como juiz. Limitou-se a responder assim: «Se se tratasse de alguma injustiça ou de algum crime público, eu os ouviria de bom grado; mas tratando-se de questões pertencentes à religião, decidam vocês mesmos, eu não pretendo julgar essas matérias». Aquele procônsul considerava que as questões e as diferenças relacionadas à religião deveriam ser discutidas pelos sacerdotes e não pelas autoridades civis, e por isso foi sábia sua resposta.
            Indignados os judeus com tal repulsa, se voltaram contra Sóstenes, incitaram também os ministros do tribunal a se unirem a eles para espancá-lo diante do mesmo Galião, sem que ele os proibisse. Sóstenes suportou com invicta paciência aquela afronta e, assim que foi libertado, uniu-se a Paulo e se tornou seu fiel companheiro em suas viagens.
            Vendo-se Paulo como por milagre libertado de tão grave tempestade, fez a Deus um voto em agradecimento. Esse voto era semelhante ao dos nazireus, o qual consistia particularmente em se abster por um determinado tempo do vinho e de qualquer outra coisa que embriagasse, e em deixar crescer os cabelos, o que entre os antigos era sinal de luto e de penitência. Quando estava para terminar o tempo do voto, deveria fazer um sacrifício no templo com várias cerimônias prescritas pela lei de Moisés.
            Cumprida uma parte de seu voto, São Paulo, em companhia de Áquila e Priscila, embarcou rumo a Éfeso, cidade da Ásia Menor. Segundo seu costume, Paulo foi visitar a sinagoga e disputou várias vezes com os judeus. Pacíficas foram essas disputas, aliás, os judeus o convidaram a ficar mais tempo; mas Paulo queria prosseguir sua viagem para se encontrar em Jerusalém e cumprir seu voto. Porém, prometeu àqueles fiéis que retornaria, e quase como garantia de seu retorno deixou com eles Áquila e Priscila. De Éfeso, São Paulo embarcou para a Palestina e chegou a Cesareia, onde, desembarcando, se encaminhou a pé para Jerusalém. Foi visitar os fiéis desta Igreja e, cumpridas as coisas para as quais havia empreendido a viagem, veio a Antioquia, onde se demorou por algum tempo.
            Tudo é digno de admiração neste grande Apóstolo. Notemos aqui somente uma coisa que ele recomenda calorosamente aos fiéis de Corinto. Para dar-lhes um importante aviso sobre como se manter firmes na fé, escreve: Itaque, fratres, state, et tenete traditiones quas didicistis sive per sermonem sive per epistolam nostram (Portanto, irmãos, ficai firmes e guardai cuidadosamente os ensinamentos que vos transmitimos, de viva voz ou por carta). Com essas palavras, São Paulo ordenava que se tivesse a mesma reverência pela palavra de Deus escrita e pela palavra de Deus transmitida por tradição, como ensina a Igreja Católica.

CAPÍTULO XIV. Apolo em Éfeso — O sacramento da Crisma — São Paulo opera muitos milagres — Caso de dois exorcistas judeus — Ano de Cristo 55

            São Paulo permaneceu algum tempo em Antioquia, mas vendo aqueles fiéis suficientemente providos de pastores sagrados, decidiu partir para visitar novamente os países onde já havia pregado. Esta é a quinta viagem de nosso santo Apóstolo. Ele foi à Galácia, ao Ponto, à Frígia e à Bitínia; depois, conforme a promessa feita, retornou a Éfeso, onde Áquila e Priscila o esperavam. Em todo lugar foi acolhido, como ele mesmo escreve, como um anjo de paz.
            Entre a partida e o retorno de Paulo a Éfeso, foi a esta cidade um judeu chamado Apolo. Ele era um homem eloquente e profundamente instruído nas Sagradas Escrituras. Adorava o Salvador e o pregava também com zelo, mas não conhecia outro batismo senão aquele pregado por São João Batista. Áquila e Priscila perceberam que ele tinha uma ideia muito confusa dos Mistérios da Fé e, chamando-o a si, o instruíram melhor na doutrina, vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo.
            Desejoso de levar a palavra de salvação a outros povos, decidiu passar à Acaia, ou seja, à Grécia. Os efésios, que há algum tempo admiravam suas virtudes e começavam a amá-lo como pai, quiseram acompanhá-lo com uma carta em que elogiavam muito seu zelo e o recomendavam aos coríntios. Ele de fato fez muito bem àqueles cristãos. Quando o Apóstolo chegou a Éfeso, encontrou vários fiéis instruídos por Apolo e, querendo conhecer o estado dessas almas, perguntou se haviam recebido o Espírito Santo; ou seja, se haviam recebido o sacramento da Crisma, que se costumava administrar naqueles tempos após o batismo, e no qual se conferia a plenitude dos dons do Espírito Santo. Mas aquela boa gente respondeu: «Nós não sabemos nem mesmo que haja um Espírito Santo». Maravilhado o Apóstolo com tal resposta e, tendo entendido que haviam recebido apenas o batismo de São João Batista, ordenou que fossem novamente batizados com o batismo de Jesus Cristo, ou seja, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Depois disso, Paulo, impondo as mãos, administrou-lhes o sacramento da Crisma, e aqueles novos fiéis receberam não apenas os efeitos invisíveis da graça, mas também sinais particulares e manifestos da onipotência divina, o que os tornava capazes de falar fluentemente línguas que antes não entendiam, profetizando coisas futuras e interpretando as Sagradas Escrituras.
            São Paulo pregou por três meses na sinagoga, exortando os judeus a crerem em Jesus Cristo. Muitos creram, mas alguns, mostrando-se obstinados, blasfemavam até o santo nome de Jesus Cristo. Paulo, pela honra do Evangelho ridicularizado por esses ímpios e para fugir da companhia dos malignos, cessou de pregar na sinagoga, rompeu toda comunicação com eles e se retirou para a casa de um gentil cristão chamado Tiranos, que era professor. São Paulo fez daquela escola uma Igreja de Jesus Cristo, onde, pregando e explicando as verdades da fé, atraía gentios e judeus de todas as partes da Ásia.
            Deus ajudava sua obra confirmando com prodígios inauditos a doutrina pregada por seu servo. Os panos, os lenços e as faixas que haviam tocado o corpo de Paulo eram levados de um lado para o outro e colocados sobre os enfermos e os endemoninhados, e isso bastava para que imediatamente fugissem as doenças e os espíritos imundos. Foi esta uma maravilha nunca ouvida, e Deus quis certamente que tal fato fosse registrado na Bíblia para confundir aqueles que tanto investiram e ainda investem contra a veneração que os católicos prestam às sagradas relíquias. Talvez queiram eles condenar como superstição aqueles primeiros cristãos, que aplicavam sobre os doentes os lenços que haviam tocado o corpo de Paulo? Coisas que São Paulo nunca proibiu e que Deus demonstrava aprovar com milagres?
            A propósito da invocação do nome de Jesus Cristo para fazer milagres, ocorreu um fato muito curioso. Entre os efésios havia muitos que pretendiam expulsar os demônios dos corpos com certas palavras mágicas ou usando raízes de ervas ou perfumes. Mas seus resultados sempre eram pouco favoráveis. Também alguns exorcistas judeus, vendo que até as vestes de Paulo expulsavam os demônios, ficaram tomados de inveja e tentaram, como fazia São Paulo, usar o nome de Jesus Cristo para expulsar o demônio de um homem. «Eu te conjuro», iam dizendo, «e te ordeno que saias deste corpo pelo Jesus que é pregado por Paulo». O demônio, que sabia as coisas melhor do que eles, por boca do endemoninhado respondeu: «Eu conheço Jesus e sei também quem é Paulo; mas vocês são impostores. Que direito têm vocês sobre mim?» Dito isso, lançou-se sobre eles, espancou-os e os feriu de tal modo que dois deles mal puderam fugir, todos feridos e com as roupas rasgadas. Este fato estrepitoso, tendo-se divulgado por toda a cidade, causou grande temor, e ninguém mais ousava nomear o santo nome de Jesus Cristo senão com respeito e veneração.

CAPÍTULO XV. Sacramento da Confissão — Livros perversos queimados — Carta aos Coríntios — Revolta em honra da deusa Diana — Carta aos Gálatas — Ano de Cristo 56-57

            Deus, sempre misericordioso, sabe extrair o bem até mesmo dos próprios pecados. O fato dos dois exorcistas tão maltratados por aquele endemoninhado causou grande medo em todos os efésios, e tanto os judeus quanto os gentios apressaram-se a renunciar ao demônio e a abraçar a fé. Foi então que muitos daqueles que haviam crido vinham em grande número a confessar e a declarar o mal cometido em suas vidas para obter o perdão: “Vinham confessando e declarando seus atos”. Este é um claro testemunho da confissão sacramental ordenada pelo Salvador e praticada desde os tempos apostólicos.
            O primeiro fruto da confissão e do arrependimento daqueles fiéis foi afastar de si as ocasiões do pecado. Por isso, todos aqueles que possuíam livros perversos, ou seja, contrários aos bons costumes ou à religião, os entregavam para que fossem queimados. Tantos trouxeram que, fazendo um monte na praça, fizeram uma fogueira na presença de todo o povo, considerando melhor queimar aqueles livros na vida presente para evitar o fogo eterno do inferno. O valor daqueles livros formava uma soma que correspondia quase a cem mil francos. Ninguém, porém, tentou vendê-los, pois isso seria oferecer a outros a ocasião de fazer o mal, o que nunca é permitido. Enquanto essas coisas aconteciam, chegou de Corinto a Éfeso Apolo com outros, anunciando que haviam surgido discórdias entre aqueles fiéis. O santo Apóstolo esforçou-se para remediar a situação com uma carta, na qual recomenda a eles a unidade de fé, a obediência aos seus pastores, a caridade mútua e especialmente para com os pobres; incita os ricos a não prepararem banquetes luxuosos e a não abandonarem os pobres na miséria. Insiste, então, que cada um purifique sua consciência antes de se aproximar do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo, dizendo: “Aquele que come aquele Corpo e bebe aquele Sangue indignamente, come seu próprio juízo e sua própria condenação”. Também havia acontecido que um jovem havia cometido grave pecado com sua madrasta. O santo, para fazer compreender o devido horror, ordenou que ele fosse separado por algum tempo dos outros fiéis para que voltasse a si mesmo. Este é um verdadeiro exemplo de excomunhão, como a Igreja Católica ainda pratica, quando por graves delitos excomunga, ou seja, declara separados dos outros aqueles cristãos que são culpados. Paulo enviou seu discípulo Tito para levar esta carta a Corinto. O fruto parece ter sido muito copioso.
            Ele estava em Éfeso quando se desencadeou contra ele uma terrível perseguição por obra de um ourives chamado Demétrio. Este fabricava pequenos templos de prata nos quais se colocava uma estatueta da deusa Diana, divindade venerada em Éfeso e em toda a Ásia. Isso lhe proporcionava comércio e grande lucro, pois a maior parte dos estrangeiros que vinham às festas de Diana levava consigo esses sinais de devoção. Demétrio era o principal artífice e com isso fornecia trabalho e sustento para as famílias de muitos operários.
            À medida que crescia o número de cristãos, diminuía o número de compradores das estatuetas de Diana. Assim, um dia, Demétrio reuniu um grande número de cidadãos e demonstrou como, não tendo eles outros meios de viver, Paulo os faria morrer de fome. “Pelo menos”, acrescentava, “não se tratasse apenas do nosso interesse privado; mas o templo da nossa grande deusa, tão celebrado em todo o mundo, está prestes a ser abandonado”. A essas palavras foi interrompido por mil vozes diferentes que gritavam com a mais furiosa confusão: “A grande Diana dos Efésios! A grande Diana dos Efésios!” Toda a cidade se agitou; correram gritando em busca de Paulo e, não conseguindo encontrá-lo imediatamente, arrastaram consigo dois de seus companheiros chamados Gaio e Aristarco. Um judeu chamado Alexandre quis falar. Mas assim que conseguiu abrir a boca, de todos os lados começaram a gritar com voz ainda mais alta: “A grande Diana dos Efésios! Quão grande é a Diana dos Efésios!” Este grito foi repetido por duas horas inteiras.
            Paulo queria avançar em meio ao tumulto para falar, mas alguns irmãos, sabendo que ele se exporia a morte certa, o impediram. Deus, porém, que tem nas mãos o coração dos homens, restaurou plena calma entre aquele povo de uma maneira inesperada. Um homem sábio, um simples secretário e, pelo que parece, amigo de Paulo, conseguiu acalmar aquele furor. Assim que pôde falar, disse: “E quem não sabe que a cidade de Éfeso tem uma devoção e um culto particular à grande Diana, filha de Júpiter? Sendo tal coisa acreditada por todos, vocês não devem se perturbar nem se apegar a tão temerário remédio, como se pudesse cair em dúvida tal devoção estabelecida por todos os séculos. Quanto a Gaio e Aristarco, direi que eles não estão convencidos de nenhuma blasfêmia contra Diana. Se Demétrio e seus companheiros têm algo contra eles, que levem a causa diante do tribunal. Se continuarmos com essas demonstrações públicas, seremos acusados de sedição”. Aquelas palavras acalmaram o tumulto e cada um voltou às suas ocupações.
            Após esse tumulto, Paulo queria partir imediatamente para a Macedônia, mas teve que adiar sua partida devido a algumas desordens ocorridas entre os fiéis da Galácia. Alguns falsos pregadores começaram a desacreditar São Paulo e suas pregações, afirmando que a doutrina dele era diferente da dos outros Apóstolos e que a circuncisão e as cerimônias da lei de Moisés eram absolutamente necessárias.
            O santo Apóstolo escreveu uma carta na qual demonstra a conformidade de doutrina entre ele e os Apóstolos; prova que muitas coisas da lei de Moisés não eram mais necessárias para a salvação; recomenda que se cuidem bem dos falsos pregadores e que se gloriem somente em Jesus, em cujo nome deseja paz e bênçãos.
            Enviada a carta aos fiéis da Galácia, ele partiu para a Macedônia após ter permanecido três anos em Éfeso, ou seja, do ano cinquenta e quatro ao ano cinquenta e sete de Jesus Cristo. Durante a estada de São Paulo em Éfeso, Deus lhe fez conhecer em espírito que o chamava para a Macedônia, para a Grécia, para Jerusalém e para Roma.

CAPÍTULO XVI. São Paulo retorna a Filipos — Segunda Carta aos fiéis de Corinto — Vai a esta cidade — Carta aos Romanos — Sua pregação prolongada em Trôade — Ressuscita um morto — Ano de Cristo 58

            Antes de partir de Éfeso, Paulo convocou os discípulos e, fazendo-lhes uma paterna exortação, os abraçou ternamente; depois, pôs-se em viagem para a Macedônia. Desejava permanecer algum tempo em Trôade, onde esperava encontrar seu discípulo Tito; mas, não o tendo encontrado e desejando saber logo o estado da Igreja de Corinto, partiu de Trôade, atravessou o Helesponto, que hoje se chama estreito de Dardanelos, e passou para a Macedônia, onde teve que sofrer muito pela fé.
            Mas Deus lhe preparou uma grande consolação com a chegada de Tito, que o alcançou na cidade de Filipos. Esse discípulo expôs ao santo Apóstolo como sua carta havia produzido efeitos salutares entre os cristãos de Corinto, que o nome de Paulo era caríssimo a todos e que cada um ardia de desejo de revê-lo em breve.
            Para dar vazão aos sentimentos paternais de seu coração, o Apóstolo escreveu de Filipos uma segunda carta na qual demonstra toda a ternura para com aqueles que se conservavam fiéis e repreende alguns que buscavam perverter a doutrina de Jesus Cristo. Tendo então entendido que aquele jovem, excomungado em sua primeira carta, havia se convertido sinceramente, e ouvindo de Tito que a dor o havia quase levado à desesperação, o santo Apóstolo recomendou que se tivesse consideração por ele, o absolveu da excomunhão e o restituiu à comunhão dos fiéis. Com a carta, recomendou muitas coisas a serem comunicadas por meio de Tito, que era o portador. Acompanharam Tito nesta viagem outros discípulos, entre os quais São Lucas, que há alguns anos era bispo de Filipos. São Paulo consagrou Santo Epafrodito bispo para aquela cidade e assim São Lucas tornou-se novamente companheiro do santo mestre nas fadigas do apostolado.
            Da Macedônia, Paulo dirigiu-se a Corinto, onde ordenou tudo o que dizia respeito à celebração dos santos mistérios, como havia prometido em sua primeira carta, o que deve ser entendido como aqueles ritos que em todas as Igrejas comumente se observam, como seria o jejum antes da Santa Comunhão e outras coisas semelhantes que dizem respeito à administração dos Sacramentos.
            O Apóstolo passou o inverno nesta cidade, esforçando-se para consolar seus filhos em Jesus Cristo, que não se cansavam de ouvi-lo e de admirar nele um zeloso pastor e um terno pai.
            De Corinto, estendeu também suas solicitações a outros povos e especialmente aos romanos, já convertidos à fé por São Pedro com anos de fadigas e de sofrimentos. Áquila, com outros amigos, tendo entendido que a perseguição havia cessado, havia retornado a Roma. Paulo soube deles que naquela metrópole do império haviam surgido dissensões entre gentios e judeus. Os gentios invectivavam os judeus por não terem correspondido aos benefícios recebidos de Deus, tendo ingrata e cruelmente crucificado o Salvador; os judeus, por sua vez, faziam invectivas aos gentios por terem seguido a idolatria e venerado as divindades mais infames. O santo Apóstolo escreveu sua famosa Carta aos Romanos, toda cheia de argumentos sublimes, que trata com aquela agudeza de espírito própria de um homem douto e santo, que escreve inspirado por Deus. Não é possível resumir sem risco de alterar seu sentido. Ela é a mais longa, a mais elegante de todas as outras e a mais cheia de erudição. Exorto-te, leitor, a lê-la atentamente, mas com as devidas interpretações que se costumam unir à Vulgata. Ela é a sexta carta de São Paulo e foi escrita da cidade de Corinto no ano 58 de Jesus Cristo. Mas, pelo grande respeito que em todo tempo se teve pela dignidade da Igreja de Roma, é considerada a primeira entre as catorze cartas deste santo Apóstolo. Nesta carta, São Paulo não fala de São Pedro, porque ele estava ocupado na fundação de outras Igrejas. Ela foi levada por uma diaconisa, ou seja, monja, chamada Febe, que o Apóstolo recomenda muito junto aos irmãos de Roma.
            Desejando São Paulo partir de Corinto para se dirigir a Jerusalém, soube que os judeus estudavam armar-lhe emboscadas ao longo do caminho; por isso, em vez de embarcar no porto de Cencreia para Jerusalém, Paulo voltou e continuou a viagem pela Macedônia. Acompanharam-no Sosípato, filho de Pirro de Bereia, Aristarco e Segundo de Tessalônica, Gaio de Derbe e Timóteo de Listra, Tíquico e Trófimo da Ásia. Estes vieram com ele até Filipos; depois, com exceção de Lucas, passaram a Trôade com a ordem de esperá-lo lá, enquanto ele se deteria nesta cidade até depois das festas pascais. Passada tal solenidade, Paulo e Lucas, em cinco dias de navegação, chegaram a Trôade e lá se detiveram sete dias.
            Aconteceu que, na véspera da partida de Paulo, era o primeiro dia da semana, ou seja, dia de domingo, em que os fiéis costumavam se reunir para ouvir a palavra de Deus e assistir aos sacrifícios divinos. Entre outras coisas, faziam a fração do pão, ou seja, celebravam a Santa Missa, à qual participavam os fiéis, recebendo o Corpo do Senhor sob a espécie do pão. Desde então, a Missa era considerada o ato mais sagrado e solene para a santificação do dia festivo.
            Paulo, que estava prestes a partir no dia seguinte, prolongou o discurso até altas horas da noite e, para iluminar o cenáculo, foram acesas muitas lâmpadas. O dia de domingo, a hora noturna, o cenáculo no terceiro andar da casa, as muitas lâmpadas acesas, atraíram uma imensa multidão de gente. Enquanto todos estavam atentos ao raciocínio de Paulo, um jovem chamado Êutico, ou por desejo de ver o Apóstolo ou para poder ouvi-lo melhor, subiu sobre uma janela e se sentou no peitoril. Agora, seja pelo calor que fazia, seja pela hora tardia ou talvez pelo cansaço, o fato é que aquele jovem adormeceu; e no sono, abandonando-se ao peso de seu próprio corpo, caiu no chão da rua. Ouve-se um lamento ressoar pela assembleia; correm e encontram o jovem sem vida.
            Paulo desce imediatamente, e, colocando-se com o corpo sobre o cadáver, o abençoa, o abraça e, com seu sopro ou, melhor, com a viva fé em Deus, o restitui à nova vida. Realizado este milagre, sem se importar com os aplausos que de todos os lados se faziam, subiu novamente ao cenáculo e continuou a pregar até a manhã.
            A grande solicitude dos fiéis de Trôade para assistir às sagradas funções deve servir de estímulo a todos os cristãos a santificar os dias festivos com obras de piedade, especialmente ouvindo devotamente a Santa Missa e escutando a palavra de Deus, mesmo com algum incômodo.

CAPÍTULO XVII. Pregação de São Paulo em Mileto — Sua viagem até Cesareia — Profecia de Ágabo — Ano de Cristo 58

            Terminada aquela reunião, que durou cerca de vinte e quatro horas, o incansável Apóstolo partiu com seus companheiros para Mitilene, nobre cidade da ilha de Lesbos. Daqui, prosseguindo a viagem, em poucos dias chegou a Mileto, cidade da Cária, província da Ásia Menor. O Apóstolo não quis parar em Éfeso para não ser obrigado por aqueles cristãos, que ternamente o amavam, a atrasar demais seu caminho. Ele se apressava com o objetivo de chegar a Jerusalém para a festa de Pentecostes. De Mileto, Paulo enviou recado a Éfeso para comunicar sua chegada aos bispos e aos sacerdotes daquela cidade e das províncias vizinhas, convidando-os a vir visitá-lo e também a conferenciar com ele sobre as coisas da fé, se fosse necessário. Vieram em grande número.
            Quando São Paulo se viu cercado por aqueles veneráveis pregadores do Evangelho, começou a expor-lhes as tribulações sofridas dia e noite pelas armadilhas dos judeus. «Agora vou a Jerusalém», dizia, «guiado pelo Espírito Santo, que, em todos os lugares por onde passo, me faz conhecer as cadeias e as tribulações que me aguardam naquela cidade. Mas nada disso me assusta, nem considero minha vida mais preciosa do que meu dever. Para mim, pouco importa viver ou morrer, desde que eu termine minha corrida dando glorioso testemunho do Evangelho que Jesus Cristo me confiou. Vocês não verão mais meu rosto, mas cuidem de vocês mesmos e de todo o rebanho, sobre o qual o Espírito Santo os constituiu bispos para governar a Igreja de Deus, adquirida por ele com seu precioso sangue». Então passou a avisá-los que, após sua partida, surgiriam lobos vorazes e homens perversos para corromper a doutrina de Jesus Cristo. Tendo dito essas palavras, todos se puseram de joelhos e rezaram juntos. Ninguém podia conter as lágrimas, e todos se lançavam ao pescoço de Paulo, imprimindo-lhe mil beijos. Estavam especialmente inconsoláveis por aquelas palavras de que não veriam mais seu rosto. Para desfrutar ainda alguns momentos de sua doce companhia, o acompanharam até o navio e não sem uma espécie de violência se separaram de seu querido mestre.
            Paulo, junto com seus companheiros, de Mileto passou para a ilha de Coo, muito renomada por um templo dos Gentios dedicado a Juno e a Esculápio. No dia seguinte chegaram a Rodes, ilha muito célebre especialmente por seu Colosso, que era uma estátua de extraordinária altura e grandeza. Daí vieram a Pátara, cidade capital da Lícia, muito renomada por um grande templo dedicado ao deus Apolo. Daqui navegaram até Tiro, onde o navio deveria descarregar sua carga.
            Tiro é a cidade principal da Fenícia, agora chamada Sur, às margens do Mediterrâneo. Assim que desembarcaram, encontraram alguns profetas que iam publicando os males que sobre o santo Apóstolo se abateriam em Jerusalém, e queriam dissuadi-lo daquela viagem. Mas ele, após sete dias, quis partir. Aqueles bons cristãos, com suas esposas e filhos, o acompanharam para fora da cidade, onde, dobrando os joelhos na praia, rezaram com ele. Então, trocando as mais cordiais saudações, embarcaram e foram acompanhados pelos olhares dos sidônios até que a distância do navio os tirou de vista. Chegando a Ptolemaida, pararam um dia para saudar e confortar aqueles cristãos na fé; continuando então seu caminho, chegaram a Cesareia.
            Ali, Paulo foi recebido com júbilo pelo diácono Filipe. Este santo discípulo, após ter pregado aos samaritanos, ao eunuco da rainha Candace e em muitas cidades da Palestina, havia fixado sua residência em Cesareia para cuidar daquelas almas que ele havia regenerado em Jesus Cristo.
            Veio naqueles tempos a Cesareia o profeta Ágabo e, indo visitar o santo Apóstolo, tirou-lhe do corpo o cinto e, amarrando-se com ele os pés e as mãos, disse: «Eis o que o Espírito Santo me diz abertamente: o homem a quem pertence este cinto será assim amarrado pelos judeus em Jerusalém».
            A profecia de Ágabo comoveu todos os presentes, pois os males que estavam preparados para o santo Apóstolo em Jerusalém se tornavam cada vez mais evidentes; por isso, os próprios companheiros de Paulo, chorando, lhe suplicavam para não ir. Mas Paulo corajosamente respondia: «Ah! Eu vos imploro, não choreis. Com essas vossas lágrimas não fazeis outra coisa senão aumentar a aflição do meu coração. Sabei que estou pronto não apenas a sofrer as cadeias, mas a enfrentar também a morte pelo nome de Jesus Cristo».
            Então todos, reconhecendo a vontade de Deus na firmeza do santo Apóstolo, disseram em uma só voz: «Seja feita a vontade do Senhor». Dito isso, partiram em direção a Jerusalém com um certo Menásson, que havia sido discípulo e seguidor de Jesus Cristo. Ele tinha residência fixa em Jerusalém e ia com eles para hospedá-los em sua casa.

CAPÍTULO XVIII. São Paulo se apresenta a São Tiago — Os judeus lhe tendem armadilhas — Fala ao povo — Repreende o sumo sacerdote — Ano de Cristo 59

            Estamos agora prontos para contar uma longa série de sofrimentos e perseguições que o santo Apóstolo suportou em quatro anos de prisão. Deus quis preparar seu servo para essas lutas fazendo-o conhecê-las muito antes; de fato, os males previstos causam menor espanto, e o homem está mais disposto a suportá-los. Chegando Paulo com seus companheiros a Jerusalém, foram recebidos pelos cristãos desta cidade com os sinais da maior benevolência. No dia seguinte, foram visitar o bispo da cidade, que era São Tiago, o Menor, junto ao qual também se haviam reunido os principais sacerdotes da diocese. Paulo contou as maravilhas que Deus havia operado por seu ministério entre os Gentios, pelo que todos agradeceram de coração ao Senhor.
            No entanto, apressaram-se em avisar Paulo do perigo que o ameaçava. «Muitos judeus», disseram-lhe, «se converteram à fé e vários deles são tenazes em relação à circuncisão e às cerimônias legais. Agora, sabendo-se que você dispensa os Gentios dessas observâncias, há um ódio terrível contra você. É necessário, portanto, que você demonstre não ser inimigo dos judeus. Faça assim: na ocasião em que quatro judeus devem cumprir um voto, você participará da função e pagará por eles as despesas que forem necessárias para esta solenidade».
            Paulo aderiu prontamente ao sábio conselho e participou daquela obra de piedade. Dirigiu-se ao templo e a função estava no final, quando alguns judeus vindos da Ásia incitaram o povo contra ele, gritando: «Socorro, israelitas, socorro! Este homem é aquele que vai por todo o mundo pregando contra o povo, contra a lei e contra este mesmo templo. Ele não hesitou em violar a santidade dele introduzindo Gentios dentro dele».
            Embora tais acusações fossem calúnias, toda a cidade se agitou e, fazendo-se um grande concurso de povo, prenderam São Paulo, arrastaram-no para fora do templo para matá-lo como blasfemo. Mas o ruído do tumulto chegou ao tribuno romano, que correu imediatamente com os guardas. Os sediciosos, vendo os guardas, cessaram de agredir Paulo e o entregaram ao tribuno, que, fazendo-o amarrar, ordenou que fosse conduzido à torre Antônia, que era uma fortaleza e um quartel de soldados próximo ao templo. Lísias, tal era o nome do tribuno, desejava saber o motivo daquele tumulto, mas nada pôde saber, porque os gritos e os clamores do povo abafavam toda voz. Enquanto Paulo subia os degraus da fortaleza, foi necessário que os soldados o carregassem nos braços para tirá-lo das mãos dos judeus, que, não podendo tê-lo em seu poder, gritavam: «Matem-no, tirem-no do mundo».
            Quando estava prestes a entrar na torre, falou assim em grego ao tribuno: «É-me permitido dizer uma palavra?» O tribuno se admirou de que ele falasse grego e lhe disse: «Você sabe grego? Não é você aquele egípcio que pouco antes incitou uma rebelião e conduziu consigo no deserto quatro mil assassinos?» «Não, certamente», respondeu Paulo, «eu sou judeu, cidadão de Tarso, cidade da Cilícia. Mas, por favor, me permite falar ao povo?» O que lhe foi concedido, Paulo, dos degraus da torre, levantou um pouco a mão sobrecarregada pelo peso das cadeias, fez sinal ao povo para que ficasse em silêncio e começou a expor o que dizia respeito à sua pátria, sua conversão e sua pregação, e como Deus o havia destinado a levar a fé entre os Gentios.
            O povo o ouviu em profundo silêncio até essas últimas palavras; mas quando ouviu falar dos Gentios, como agitado por mil fúrias, irrompeu em gritos desenfreados, e quem por indignação jogava ao chão suas vestes, quem espalhava no ar a poeira, e todos gritavam: «Este é indigno de viver, seja tirado do mundo!»
            O tribuno, que nada havia entendido do discurso de São Paulo, porque ele falara em língua hebraica, temendo que o povo chegasse a graves excessos, ordenou aos seus que levassem Paulo para a fortaleza, e depois o flagelassem e o submetessem à tortura para forçá-lo a revelar a causa da sedição. Mas Paulo, que sabia que ainda não havia chegado a hora em que deveria sofrer tais males por Jesus Cristo, voltou-se para o centurião encarregado de executar aquela ordem injusta e lhe disse: «Você acha que é lícito flagelar um cidadão romano, sem que seja condenado?» Ouvindo isso, o centurião correu até o tribuno dizendo: «O que você está prestes a fazer? Não sabe que este homem é cidadão romano?»
            O tribuno teve medo, porque havia feito Paulo ser amarrado, o que acarretava pena de morte. Ele mesmo foi até Paulo e lhe disse: «Você é realmente cidadão romano?» Ele respondeu: «Sou realmente». «Eu», acrescentou o tribuno, «adquiri a caro preço tal direito de cidadania romana». «E eu», replicou Paulo, «gozo dele por meu nascimento». Sabendo disso, fez suspender a ordem de submeter Paulo à tortura, e o próprio tribuno ficou apreensivo, e buscou outro meio para saber as acusações que os judeus faziam contra ele. Ordenou que no dia seguinte se reunissem o Sinédrio e todos os sacerdotes judeus; depois, mandando retirar as cadeias de Paulo, fez com que ele fosse trazido ao meio do conselho.
            O Apóstolo, fixando os olhos naquela assembleia, disse: «Eu, irmãos, até este dia tenho caminhado diante de Deus com boa consciência». Assim que ouviram essas palavras, o sumo sacerdote, de nome Ananias, ordenou a um dos presentes que desse a Paulo uma forte pancada. O Apóstolo não julgou que deveria tolerar tão grave injúria e, com a liberdade e o zelo que usavam os antigos profetas, disse: «Muralha caiada, Deus te ferirá, assim como você mandou me ferir, porque, fingindo julgar segundo a lei, me manda ferir contra a própria lei». Ouvindo essas palavras, todos se ressentiram: «Ei», disseram-lhe, «você tem a ousadia de insultar o sumo sacerdote?» «Perdoem-me, irmãos», respondeu Paulo, «eu não sabia que este era o príncipe dos sacerdotes, pois bem conheço a lei que proíbe maldizer o príncipe do povo».
            Paulo não havia reconhecido o sumo sacerdote ou porque ele não tinha as insígnias de seu grau, ou não falava e não agia com a dignidade que convinha a tal pessoa. Nem São Paulo amaldiçoava Ananias, mas previu os males que sobre ele cairiam, como de fato aconteceu. Para se livrar de alguma maneira das mãos de seus inimigos, Paulo uniu a simplicidade da pomba à prudência da serpente e, sabendo que a assembleia era composta de saduceus e fariseus, pensou em provocar divisão entre eles exclamando: «Eu, irmãos, sou fariseu, filho e aluno de fariseus. O motivo pelo qual sou chamado a julgamento é a minha esperança na ressurreição dos mortos». Essas palavras geraram graves dissensões entre os ouvintes; quem era contra Paulo, quem a favor dele.
            Entretanto, levantou-se um clamor que fazia temer graves desordens. O tribuno, temendo que os mais enfurecidos se lançassem contra Paulo e o despedaçassem, ordenou aos soldados que o tirassem de suas mãos e o reconduzissem à torre. Deus, porém, quis consolar seu servo pelo que havia sofrido naquele dia. À noite, lhe apareceu e lhe disse: «Anime-se: depois de me ter dado testemunho em Jerusalém, você fará o mesmo em Roma».

CAPÍTULO XIX. Quarenta Judeus se comprometem com um voto a matar São Paulo — Um de seus sobrinhos descobre a trama — É transferido para Cesareia — Ano de Cristo 59

            Os judeus, vendo que seu plano havia falhado, passaram a noite seguinte elaborando vários projetos. Quarenta deles tomaram a desesperada resolução de se comprometerem com um voto a não comer nem beber antes de terem matado Paulo. Após tramarem essa conspiração, foram até os príncipes dos sacerdotes e os anciãos, contando-lhes o propósito. «Para ter esse rebelde em nossas mãos», acrescentaram, «encontramos um caminho seguro; resta apenas que vocês nos ajudem. Façam saber ao tribuno, em nome do Sinédrio, que desejam examinar mais alguns pontos do caso de Paulo e que, portanto, o apresentem novamente amanhã. Ele certamente concordará com o pedido. Mas tenham certeza de que, antes que Paulo seja conduzido diante de vocês, nós o despedaçaremos com estas mãos». Os anciãos louvaram o plano e prometeram colaborar.
            Ou porque algum dos conspiradores não manteve o segredo, ou porque não se preocuparam em fechar a porta ao tramarem seu plano, é certo que foram descobertos. Um filho da irmã de Paulo soube de tudo e, correndo até a torre, conseguiu passar entre os guardas, apresentar-se ao tio e contar-lhe toda a trama. Paulo instruiu bem o sobrinho sobre como agir. Chamado então um oficial que estava de guarda, disse-lhe: «Peço que leve este jovem ao capitão; ele tem algo a comunicar».
            O centurião o levou ao capitão e disse: «Aquele Paulo que está na prisão me pediu para trazer este jovem a você, porque ele tem algo a lhe dizer». O capitão pegou o jovem pela mão e, levando-o para um lado, perguntou o que ele tinha a relatar. «Os judeus», respondeu, «se combinaram para pedir que você faça Paulo ser levado ao Sinédrio amanhã, sob o pretexto de querer examinar mais a fundo seu caso. Mas você não deve dar ouvidos a eles: saiba que estão armando uma emboscada e quarenta deles se comprometeram com um voto terrível a não comer nem beber até que o tenham matado. Agora estão prontos para agir, esperando apenas seu consentimento». «Muito bem», disse o capitão, «você fez bem em me contar essas coisas. Agora pode ir, mas não diga a ninguém que você me revelou isso».
            Dessa desesperada resolução, Lísias compreendeu que reter Paulo por mais tempo em Jerusalém equivalia a deixá-lo em perigo, do qual talvez não pudesse salvá-lo. Portanto, sem hesitar, chamou dois centuriões e disse-lhes: «Coloquem em ordem duzentos soldados de infantaria e outros tantos armados de lança, com setenta homens a cavalo, e acompanhem Paulo até Cesareia. Preparem também um cavalo para ele, para que seja levado lá são e salvo e se apresente ao governador Félix». O tribuno acompanhou Paulo com uma carta ao governador, que dizia:
            «Cláudio Lísias ao excelentíssimo governador Félix, saúde. Envio-lhe este homem que, preso pelos judeus, estava prestes a ser morto por eles. Ao chegar com meus soldados, o tirei das mãos deles, tendo sabido que é cidadão romano. Quis então me informar de qual crime era acusado, e o conduzi ao Sinédrio e descobri que era acusado por questões relacionadas à sua lei, mas sem nenhuma culpa que merecesse morte ou prisão. Mas, tendo-me sido informado que lhe armam uma trama de morte, decidi enviá-lo a você, convidando ao mesmo tempo seus acusadores a se apresentarem diante de seu tribunal para expor suas acusações contra ele. Passe bem».
            Em cumprimento das ordens recebidas, naquela mesma noite os soldados partiram com Paulo e o conduziram a Antipátride, cidade situada a meio caminho entre Jerusalém e Cesareia. Nesse ponto do percurso, não temendo mais ser atacados pelos judeus, mandaram de volta os quatrocentos soldados a Jerusalém, e Paulo, acompanhado apenas pelos setenta cavaleiros, chegou no dia seguinte a Cesareia.
            Assim Deus, da maneira mais simples, libertava seu Apóstolo de um grave perigo e fazia conhecer que os projetos dos homens sempre se tornam vãos quando são contrários à vontade divina.

CAPÍTULO XX. Paulo diante do governador — Seus acusadores e sua defesa — Ano de Cristo 59

            No dia seguinte, Paulo chegou a Cesareia e foi apresentado ao governador com a carta do capitão Lísias. Lida a carta, o governador chamou Paulo à parte e, sabendo que era de Tarso, disse-lhe: «Ouvirei você quando chegarem seus acusadores». Enquanto isso, mandou que fosse guardado na prisão de seu palácio.
            Os quarenta conspiradores, quando viram que o golpe havia falhado, ficaram atônitos. Pode-se acreditar que, sem se importar com o voto feito, se puseram a comer e beber para continuar sua trama. De acordo com o sumo sacerdote, com os anciãos e com um certo Tértulo, famoso orador, partiram em direção a Cesareia, aonde chegaram cinco dias após a chegada de Paulo. Todos se apresentaram diante do governador, e Tértulo começou a falar assim contra Paulo: «Encontramos este homem pestilento, que suscita revoltas entre todos os judeus do mundo. Ele é chefe da seita dos nazarenos. Tentou também profanar nosso templo, e nós o prendemos. Queríamos julgá-lo segundo nossa lei, mas interveio o capitão Lísias, que o tirou à força de nossas mãos. Ele ordenou que seus acusadores se apresentassem diante de você. Agora estamos aqui. Ao examiná-lo, você poderá verificar as culpas das quais o acusamos». O que Tértulo afirmara foi confirmado pelos judeus presentes.
            Paulo, tendo recebido do governador a oportunidade de responder, começou a se defender assim: «Pois, excelentíssimo Félix, há muitos anos você governa este país, certamente é capaz de conhecer as coisas que aqui aconteceram. De bom grado me defendo diante de você. Como pode verificar, não faz mais de doze dias que subi a Jerusalém para adorar. Neste breve tempo, ninguém pode dizer que me encontrou no templo ou nas sinagogas ou em outro lugar público ou privado discutindo com alguém, nem reunindo multidões ou fomentando desordens. Não podem provar nenhuma das acusações que me fazem. Mas confesso que sigo o Caminho que eles chamam de seita, servindo assim ao Deus de nossos pais, crendo em tudo que é conforme à Lei e está escrito nos Profetas. Tenho em Deus a mesma esperança que eles têm, de que haverá uma ressurreição dos justos e dos injustos. Por isso, também me esforço para ter sempre uma consciência irrepreensível diante de Deus e dos homens. Depois de muitos anos, vim trazer esmolas à minha nação e apresentar ofertas. Enquanto estava envolvido nesses rituais de purificação, sem multidão nem tumulto, alguns judeus da Ásia me encontraram no templo. Eles deveriam ter comparecido diante de você para me acusar, se tivessem algo contra mim. Ou que digam estes mesmos se encontraram alguma culpa em mim, quando compareci diante do Sinédrio, além desta única declaração que fiz em alta voz no meio deles: “É por causa da ressurreição dos mortos que sou julgado hoje diante de vocês”».
            Seus acusadores ficaram confusos e, olhando uns para os outros, não encontravam palavras a proferir. O próprio governador, já inclinado a favor dos cristãos, sabia que eles, longe de serem sediciosos, eram os mais dóceis e fiéis entre seus súditos. Mas não quis proferir sentença e reservou-se para ouvi-lo novamente quando o capitão Lísias viesse de Jerusalém a Cesareia. Enquanto isso, ordenou que Paulo fosse guardado, mas concedendo-lhe certa liberdade e permitindo que seus amigos o servissem.
            Algum tempo depois, o governador, talvez para agradar sua esposa, que era judia, fez vir Paulo à sua presença para ouvi-lo falar sobre religião. O Apóstolo expôs vividamente as verdades da fé, o rigor dos juízos que Deus reservará aos ímpios na outra vida, de tal forma que Félix, assustado e perturbado, disse: «Por agora basta; ouvirei você novamente quando tiver a oportunidade». Na verdade, ele o chamou mais vezes, mas não para se instruir na fé, mas esperando que Paulo lhe oferecesse dinheiro em troca da liberdade. Portanto, embora conhecesse a inocência de Paulo, manteve-o na prisão em Cesareia por dois anos. Assim fazem aqueles cristãos que, por ganho temporário ou para agradar aos homens, vendem a justiça e violam os mais sagrados deveres da consciência e da religião.

CAPÍTULO XXI. Paulo diante de Festo — Suas palavras ao rei Agripa — Ano de Cristo 60

            Já fazia dois anos que o santo Apóstolo estava preso, quando a Félix sucedeu outro governador chamado Festo. Três dias após assumir o cargo, o novo governador foi a Jerusalém e logo os chefes dos sacerdotes e os principais judeus se apresentaram a ele para renovar as acusações contra o santo Apóstolo. Pediram-lhe como um favor especial que levasse Paulo a Jerusalém para ser julgado no Sinédrio; mas na verdade tinham a intenção de assassiná-lo ao longo do caminho. Festo, talvez já avisado para não confiar neles, respondeu que em breve voltaria a Cesareia; «Aqueles entre vocês», disse, «que têm algo contra Paulo, venham comigo e ouvirei suas acusações».
            Após alguns dias, Festo voltou a Cesareia e com ele os judeus acusadores de Paulo. No dia seguinte, fez vir o santo Apóstolo diante de seu tribunal, e os judeus lhe fizeram muitas graves acusações, sem, no entanto, poderem prová-las. Paulo respondeu-lhes com poucas palavras, e seus acusadores silenciaram. No entanto, Festo, desejando conquistar a benevolência dos judeus, perguntou-lhe se queria ir a Jerusalém para ser julgado no Sinédrio, na sua presença. Percebendo Paulo que Festo se inclinava a entregá-lo nas mãos dos judeus, respondeu: «Estou diante do tribunal de César, onde devo ser julgado. Não cometi nenhum mal contra os judeus, como bem sabes. Se, portanto, sou culpado e cometi algo que merece a morte, não me recuso a morrer; mas se não há nada de verdadeiro nas acusações que estes fazem contra mim, ninguém tem o direito de me entregar a eles. Apelo a César». Este apelo do nosso Apóstolo era justo e conforme às leis romanas, pois o governador se mostrava disposto a entregar um cidadão romano, reconhecido inocente, ao poder dos judeus que queriam sua morte a todo custo. Os santos Padres refletem que não o desejo da vida, mas o bem da Igreja o levou a apelar a Roma, onde, por divina revelação, sabia quanto deveria trabalhar para a glória de Deus e a salvação das almas.
            Festo, após consultar seu conselho, respondeu: «Você apelou a César, a César irá».
            Não muitos dias depois, veio a Cesareia o rei Agripa, filho daquele Agripa que havia feito morrer São Tiago, o Maior, e aprisionado São Pedro. Ele veio com sua irmã Berenice para prestar as devidas homenagens ao novo governador da Judeia. Tendo-se detido vários dias, Festo falou-lhes do processo de Paulo. Agripa manifestou o desejo de ouvi-lo. Para agradá-lo, Festo fez preparar uma sala com grande pompa e, convidando à audiência os tribunos e outros magistrados, fez conduzir Paulo à presença de Agripa e Berenice. «Eis», disse Festo, «aquele homem contra quem recorreu a mim toda a multidão dos judeus, protestando com grandes clamores que não deveria mais viver. Eu, porém, não encontrei nele nada que mereça a morte. No entanto, tendo ele apelado ao tribunal do imperador, devo enviá-lo a Roma. Mas como não tenho nada certo para escrever ao nosso soberano, achei conveniente apresentá-lo diante de vocês e especialmente a ti, ó rei Agripa, para que, após interrogá-lo, me digam o que devo escrever, não me parecendo conveniente enviar um prisioneiro sem especificar as acusações contra ele».
            Agripa, dirigindo-se a Paulo, disse: «É-te permitido falar em tua defesa». Paulo começou a falar assim: «Considero-me feliz, ó rei Agripa, por poder hoje me defender diante de ti contra todas as acusações dos judeus, especialmente porque és experiente em todas as tradições e questões que os envolvem. Peço-te, portanto, que me ouças com paciência. Todos os judeus conhecem minha vida desde a juventude, passada entre meu povo e em Jerusalém. Sabem que vivi segundo a seita mais rigorosa da nossa religião, a dos fariseus. E agora sou chamado a julgamento por causa da esperança na promessa feita por Deus a nossos pais, aquela que nossas doze tribos esperam ver cumprida, servindo a Deus noite e dia. É por essa esperança, ó rei, que sou acusado pelos judeus. Por que é considerado inconcebível entre vocês que Deus ressuscite os mortos?
            Eu também considerava meu dever fazer muitas coisas contra o nome de Jesus Nazareno. Assim fiz em Jerusalém: obtive dos chefes dos sacerdotes a autorização para aprisionar muitos santos e, quando eram mortos, expressava meu voto. Frequentemente, indo de sinagoga em sinagoga, tentava forçá-los a blasfemar; e na minha fúria desenfreada os perseguia até nas cidades estrangeiras.
            Em tais circunstâncias, enquanto ia a Damasco com a autorização e o mandato dos chefes dos sacerdotes, ao meio-dia, ó rei, vi no caminho uma luz do céu, mais brilhante que o sol, que envolveu a mim e aqueles que estavam comigo. Todos caíram por terra e eu ouvi uma voz que me dizia em língua hebraica: “Saulo, Saulo, por que me persegues? É duro para ti recalcitrar contra o aguilhão”. Eu disse: “Quem és, Senhor?” E o Senhor respondeu: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Mas levanta-te e fica em pé; porque te apareci para constituir-te ministro e testemunha do que viste de mim e do que te mostrarei. Eu te livrarei do povo e dos gentios, aos quais te envio para abrir-lhes os olhos, a fim de que se convertam das trevas à luz e do poder de Satanás a Deus, e obtenham, mediante a fé em mim, a remissão dos pecados e a sorte entre os santificados”.
            Portanto, ó rei Agripa, não desobedeci à visão celestial; mas antes a aqueles de Damasco, depois a Jerusalém e em toda a Judeia, e finalmente aos gentios, anunciei que se arrependessem e se convertessem a Deus, fazendo obras dignas de arrependimento. Por isso os judeus, tendo-me capturado no templo, tentaram me matar. Mas, graças à ajuda de Deus, até este dia estou aqui a testemunhar diante dos pequenos e dos grandes, não dizendo outra coisa senão o que os profetas e Moisés declararam que deveria acontecer: que o Cristo haveria de sofrer e, como o primeiro entre os ressuscitados dos mortos, anunciaria a luz ao povo e aos gentios».
            Festo interrompeu o discurso do Apóstolo e em alta voz exclamou: «Tu estás louco, Paulo; a demasiada ciência te deixou louco». Ao que Paulo respondeu: «Não estou louco, excelentíssimo Festo, mas estou dizendo palavras de verdade e de bom senso. O rei, a quem falo com franqueza, conhece estas coisas; creio, de fato, que nada do que aconteceu lhe é desconhecido, pois não são fatos ocorridos em segredo. Crês tu nos profetas, ó rei Agripa? Sei que crês». Agripa disse a Paulo: «Ainda um pouco e me convences a me tornar cristão». E Paulo replicou: «Que Deus me conceda que, seja em pouco tempo, seja em muito, não só tu, mas também todos aqueles que hoje me ouvem se tornem tais como eu sou, exceto por estas cadeias».
            Então o rei, o governador, Berenice e os outros se levantaram e, retirando-se à parte, disseram uns aos outros: «Este homem não fez nada que mereça morte ou prisão». E Agripa disse a Festo: «Este homem poderia ter sido libertado, se não tivesse apelado a César».
            Assim, o discurso de Paulo, que deveria converter todos aqueles juízes, não serviu de nada, pois eles fecharam o coração às graças que Deus queria lhes conceder. Esta é uma imagem daqueles cristãos que ouvem a palavra de Deus, mas não se resolvem a colocar em prática as boas inspirações que às vezes sentem nascer no coração.

CAPÍTULO XXII. São Paulo é embarcado para Roma — Sofre uma terrível tempestade, da qual é salvo com seus companheiros — Ano de Jesus Cristo 60

            Quando Festo decidiu que Paulo seria conduzido a Roma por mar, ele, juntamente com muitos outros prisioneiros, foi confiado a um centurião chamado Júlio. Com ele estavam seus dois fiéis discípulos Aristarco e Lucas. Embarcaram em um navio proveniente de Adramítio, cidade marítima da Ásia. Costeando a Palestina, chegaram a Sidônia no dia seguinte. O centurião, que os acompanhava, logo percebeu que Paulo não era um homem comum e, admirando suas virtudes, começou a tratá-lo com respeito. Desembarcando em Sidônia, deu-lhe plena liberdade para visitar os amigos, permanecer com eles e receber algum sustento.
            De Sidônia navegaram ao longo das costas da ilha de Chipre e, como o vento estava um tanto contrário, atravessaram o mar da Cilícia e da Panfília, que é uma parte do Mediterrâneo, e chegaram a Mira, cidade da Lícia. Aqui o centurião, tendo encontrado um navio que de Alexandria ia para a Itália com carga de trigo, transferiu para ele seus passageiros. Mas navegando muito lentamente, tiveram grande dificuldade para chegar até a ilha de Creta, hoje chamada Cândia. Pararam em um lugar chamado Bons Portos, perto de Salmone, cidade daquela ilha.
            Sendo a estação muito avançada, Paulo, certamente inspirado por Deus, exortava os marinheiros a não se arriscarem a continuar a navegação em um tempo tão perigoso. Mas o piloto e o mestre do navio, não dando peso às palavras de Paulo, afirmavam que não havia nada a temer. Partiram, portanto, com a intenção de alcançar outro porto daquela ilha chamado Fenícia, esperando poder passar lá o inverno com mais segurança. Mas após um breve trecho, o navio foi sacudido por um forte vento, ao qual não podendo resistir, os navegantes se viram obrigados a abandonar a si mesmos e o navio à mercê das ondas. Chegando a Gavdos, uma ilhota pouco distante de Creta, perceberam que estavam próximos a um banco de areia e, temendo romper o navio contra ele, esforçaram-se para tomar outra direção. Mas a tempestade se intensificando cada vez mais e o navio se agitando cada vez mais, todos se encontraram em grande perigo. Jogaram ao mar as mercadorias, depois os móveis e os armamentos do navio para aliviá-lo. No entanto, após vários dias, não aparecendo mais nem sol nem estrelas e com a tempestade se intensificando, parecia perdida toda a esperança de salvação. A esses males se acrescentava que, ou pela náusea do mar em tempestade, ou pelo medo da morte, ninguém pensava em comer, o que era prejudicial, pois os marinheiros não tinham forças para governar o navio. Arrependeram-se então de não terem seguido o conselho de Paulo, mas era tarde.
            Paulo, vendo o desânimo entre os marinheiros e os passageiros, animado pela confiança em Deus, os confortou dizendo: «Irmãos, vocês deveriam ter acreditado em mim e não partir de Creta; assim teríamos evitado essas perdas e essas desgraças. No entanto, tenham coragem; acreditem em mim, em nome de Deus eu lhes asseguro que nenhum de nós se perderá; apenas o navio se despedaçará. Esta noite me apareceu o anjo do Senhor e me disse: “Não temas, Paulo, tu deves comparecer diante de César; e eis que Deus te concede a vida de todos aqueles que navegam contigo”. Portanto, tenham coragem, irmãos, tudo acontecerá como me foi dito».
            Entretanto, já se haviam passado quatorze dias desde que sofriam aquela tempestade, e cada um pensava estar sendo engolido pelas ondas a qualquer momento. Era meia-noite quando, na escuridão das trevas, pareceu aos marinheiros que se aproximavam da terra. Para se certificar, lançaram a sonda e encontraram vinte braças de profundidade, depois quinze. Temendo então acabar contra algum rochedo, lançaram quatro âncoras para parar o navio, aguardando a luz do dia que lhes mostrasse onde estavam.
            Nesse momento, os marinheiros tiveram a ideia de fugir do navio e tentar se salvar naquela terra que parecia próxima. Paulo, sempre guiado pela luz divina, dirigiu-se ao centurião e aos soldados dizendo: «Se estes não permanecerem a bordo, vocês não poderão ser salvos, porque Deus não quer ser tentado a fazer milagres». A essas palavras todos silenciaram e seguiram o conselho de Paulo. Ao amanhecer, o santo Apóstolo deu uma olhada àqueles que estavam no navio e, vendo-os todos exaustos pelas fadigas e esgotados pelo jejum, disse-lhes: «Irmãos, é o décimo quarto dia que, esperando uma melhora, não comeram nada. Agora eu lhes peço que não se deixem morrer por inanição. Já lhes assegurei, e ainda lhes asseguro, que nem um dos seus cabelos perecerá. Portanto, coragem». Dito isso, Paulo tomou pão, deu graças a Deus, partiu-o e, à vista de todos, começou a comer. Então todos se reanimaram e comeram juntos com ele; eram em número de 276 pessoas.
            Mas, continuando a fúria dos ventos e das ondas, foram forçados a jogar ao mar também o trigo que haviam guardado para seu uso. Feito dia, pareceram ver uma enseada e se esforçaram para levar o navio até lá e buscar salvação. Mas, empurrada pela força dos ventos, a nave encalhou em um banco de areia, começando a se romper e desintegrar. Vendo a água penetrar por várias fendas, os soldados queriam tomar o cruel partido de matar todos os prisioneiros, tanto para aliviar o navio quanto porque não fugissem após se salvarem a nado.
            Mas o centurião, que amava Paulo e queria salvá-lo, não aprovou tal conselho, mas ordenou que aqueles que sabiam nadar se jogassem ao mar para alcançar a terra; aos outros foi dito que se agarrassem a tábuas ou a destroços do navio; e assim chegaram todos sãos e salvos à costa.

CAPÍTULO XXIII. São Paulo na ilha de Malta — É libertado da mordida de uma víbora — É acolhido na casa de Públio, de quem cura o pai — Ano de Cristo 60

            Nem Paulo nem seus companheiros conheciam a terra em que haviam desembarcado após saírem das ondas. Informando-se com os primeiros habitantes que encontraram, souberam que aquele lugar se chamava Melita, hoje Malta, uma ilha do Mediterrâneo situada entre a África e a Sicília. Ao saber da grande quantidade de náufragos que haviam saído das ondas como tantos peixes, os ilhéus correram e, embora fossem bárbaros, se compadeceram ao vê-los tão cansados, exaustos e tremendo de frio. Para aquecê-los, acenderam uma grande fogueira.
            Paulo, sempre atento a exercer obras de caridade, foi buscar um feixe de ramos secos. Enquanto os colocava no fogo, uma víbora que estava entre eles, entorpecida pelo frio, despertada pelo calor, saltou e se agarrou à mão de Paulo. Aqueles bárbaros, vendo a serpente pendurada em sua mão, pensaram mal dele e diziam uns aos outros: “Este homem deve ser um assassino ou algum grande criminoso; escapou do mar, mas a vingança divina o atinge em terra”. Mas quão cautelosos devemos ser ao julgar temerariamente nosso próximo!
            Paulo, reavivando a fé em Jesus Cristo, que havia assegurado a seus Apóstolos que nem serpentes nem venenos lhes causariam dano, sacudiu a mão, lançou a víbora ao fogo e não sofreu nenhum mal. Aquela boa gente esperava que, entrando o veneno no sangue de Paulo, ele deveria inchar e cair morto após poucos instantes, como acontecia a quem tivesse a desgraça de ser mordido por aqueles animais. Esperaram por muito tempo e, vendo que nada lhe acontecia, mudaram de opinião e diziam que Paulo era um grande deus descido do céu. Talvez acreditassem que ele fosse Hércules, considerado deus e protetor de Malta. Segundo as lendas, Hércules, ainda criança, teria matado uma serpente, por isso chamado “ofiotoco”, ou seja, matador de serpentes.
            Deus confirmou este primeiro prodígio com outro ainda mais estrepitoso e permanente: de fato, foi retirada toda força venenosa das serpentes daquela ilha, de modo que, a partir daquela época, não se teve mais a temer a mordida das víboras. Que mais? Diz-se que a própria terra da ilha de Malta, levada para outros lugares, é um remédio seguro contra as mordidas das víboras e das serpentes.
            O governador da ilha, um príncipe chamado Públio, homem muito rico, ao saber do modo milagroso com que aqueles náufragos foram salvos das águas e informado, ou tendo sido testemunha, do milagre da víbora, mandou convidar Paulo e seus companheiros, que haviam chegado em número de 276. Recebeu-os em sua casa e os honrou por três dias, oferecendo-lhes alojamento e alimento às suas custas. Deus não deixou sem recompensa a liberalidade e cortesia de Públio. Ele tinha seu pai de cama, aflito por febre e grave diarreia que o haviam levado à beira da morte. Paulo foi ver o doente e, após lhe dirigir palavras de caridade e consolo, começou a orar. Levantando-se então, aproximou-se da cama, impôs as mãos sobre o enfermo que imediatamente se curou. Assim, o bom velho, livre de todo mal e plenamente restabelecido, correu para abraçar seu filho, bendizendo Paulo e o Deus que ele pregava. Públio, seu pai e sua família (assim assegura São João Crisóstomo), cheios de gratidão para com o grande Apóstolo, se fizeram instruir na fé e receberam o batismo das mãos de Paulo.
            Espalhada a notícia da cura milagrosa do pai de Públio, todos aqueles que estavam doentes ou tinham enfermos de qualquer doença iam ou se faziam levar aos pés de Paulo, e ele, abençoando-os em nome de Jesus Cristo, os mandava todos curados, bendizendo a Deus e crendo no Evangelho. Em pouco tempo, toda aquela ilha recebeu o batismo e, derrubados os templos dos ídolos, ergueram outros dedicados ao culto do verdadeiro Deus.

CAPÍTULO XXIV. Viagem de São Paulo de Malta a Siracusa — Pregação em Régio — Sua chegada a Roma — Ano de Cristo 60

            Os malteses estavam cheios de entusiasmo por Paulo e pela doutrina por ele pregada, tanto que, além de abraçar em massa a fé, competiam em fornecer a ele e a seus companheiros o que era necessário para o tempo que permaneceram em Malta e para a viagem até Roma. Paulo permaneceu em Malta três meses, devido ao inverno em que o mar não é navegável. Acredita-se comumente que nesse período ele tenha guiado Públio à perfeição cristã e que, antes de partir, o tenha ordenado bispo daquela ilha; o que certamente foi de grande consolação para aqueles fiéis.
            Chegando a primavera e decidida a partida para Roma, o centurião Júlio se acertou com um navio que de Alexandria ia em direção à Itália e que tinha como insígnia dois deuses chamados Castor e Pólux, que os idólatras acreditavam serem protetores da navegação. Com grande pesar dos malteses, embarcaram em direção à Sicília, uma ilha muito próxima à Itália, e favorecidos pelo vento chegaram rapidamente a Siracusa, cidade principal desta ilha. Aqui o Evangelho já havia sido pregado por São Pedro, que havia ordenado bispo São Marciano. Este digno pastor quis hospedar em sua casa o santo Apóstolo e fez-lhe celebrar os santos mistérios em uma gruta, com grande alegria sua e daqueles fiéis. Uma igreja muito antiga, que ainda existe hoje naquela cidade, é dedicada ao nosso santo Apóstolo, e acredita-se que tenha sido edificada sobre a própria gruta onde São Paulo havia pregado a palavra de Deus e celebrado os divinos mistérios.
            Partindo de Siracusa, contornaram a ilha da Sicília, passaram pelo porto de Messina e chegaram com seus companheiros a Régio, cidade e porto da Calábria, muito próximo à Sicília. Aqui pararam por um dia.
            Historiadores acreditados daquele país contam muitas coisas maravilhosas realizadas por São Paulo naquela breve estadia; entre estas escolhemos o seguinte fato. Os regianos, que eram idólatras, ao ouvirem que em seu porto havia aportado um navio com a insígnia de Castor e Pólux, muito honrados por eles, correram em massa para vê-lo. Paulo quis aproveitar aquela afluência para pregar Jesus Cristo, mas eles não queriam ouvi-lo. Então ele, movido pela fé naquele Jesus que por sua mão havia operado tantas maravilhas, tirou um pedaço de vela e disse: “Peço que me deixem falar pelo menos pelo tempo que este pedacinho de vela levar para se consumir”. Aceitaram a condição com risadas e se aquietaram.
            Paulo colocou aquele pavio sobre uma coluna de pedra situada à beira-mar. Imediatamente toda a coluna pegou fogo e apareceu uma grande chama, que lhe serviu de tocha ardente. Teve tempo abundante para ensiná-los, pois aqueles bárbaros, perplexos por tal milagre, ficaram ouvindo Paulo mansamente quanto ele quis falar; e ninguém se atreveu a perturbá-lo. A fé foi acolhida, e no local do milagre foi erguida uma magnífica igreja ao verdadeiro Deus. No altar-mor foi colocada aquela coluna e, para conservar a memória daquele prodígio, foi estabelecida uma solenidade com ofício próprio. Na missa se lê uma oração que se traduz assim: “Ó Deus, que à pregação do Apóstolo Paulo, fazendo brilhar milagrosamente uma coluna de pedra, vos dignastes instruir os povos de Régio com a luz da fé, concedei-nos, vos pedimos, merecer ter no céu como intercessor aquele que tivemos como pregador do Evangelho na terra” (Cesari. Atos dos Apóstolos, vol. 2).
            Após aquele dia, convidados por um tempo favorável, Paulo e seus companheiros embarcaram para Pozzuoli, cidade da Campânia distante nove milhas de Nápoles. Aqui foi grandemente consolado pelo encontro com vários que já haviam abraçado a fé, pregada a eles por São Pedro alguns anos antes.
            Aqueles bons cristãos também sentiram grande consolo e pediram a Paulo que permanecesse com eles sete dias. Paulo, obtendo licença do centurião, ficou aquele tempo e, em dia festivo, falou à numerosa assembleia daqueles fiéis.
            As notícias da chegada do grande Apóstolo na Itália já haviam chegado a Roma, e os fiéis daquela cidade, desejosos de conhecer pessoalmente o autor da famosa carta de Corinto, vieram encontrá-lo no Fórum de Ápio, hoje chamado Fossa Nova, que é uma cidade distante cerca de 50 milhas de Roma. Continuando o caminho, chegaram às Três Tabernas, lugar distante cerca de 30 milhas de Roma, onde encontrou muitos outros que haviam vindo até lá para lhe fazer uma acolhida festiva.
            Acompanhado por aquele grande número de fiéis, que não se cansavam de admirar aquele grande ministro de Jesus Cristo, ele chegou a Roma como se fosse conduzido em triunfo. Aqui a fé cristã, como foi dito, já havia sido pregada por São Pedro, que há dezoito anos mantinha aí a sede pontifícia.

CAPÍTULO XXV. Paulo fala aos Judeus e lhes prega Jesus Cristo — Progresso do Evangelho em Roma — Ano de Cristo 61

            Chegando a Roma, Paulo foi entregue ao prefeito do pretório, ou seja, ao general das guardas pretorianas, assim chamadas porque tinham a especial responsabilidade de guardar a pessoa do imperador. O nome daquele ilustre romano era Afrânio Burro, de quem a história faz menção muito honrosa.
            O centurião Júlio se preocupou em recomendar Paulo àquele prefeito, que o tratou com singularíssima benignidade. As cartas dos governadores Félix e Festo, que certamente deveriam ter feito conhecer a inocência de Paulo, e o bom testemunho prestado pelo centurião Júlio, o colocaram em boa luz e reverência perante Burro, que lhe deu plena liberdade de viver sozinho onde quisesse, com a condição de ser vigiado por um soldado quando saísse de casa. Paulo, porém, tinha sempre no braço uma corrente quando estava em casa; se saísse, a corrente que o prendia passava por trás para mantê-lo ligado ao soldado que o acompanhava, de modo que aquele soldado estava sempre atado a Paulo pela mesma corrente. O santo Apóstolo alugou uma casa, na qual se hospedou com seus companheiros, entre os quais são especialmente mencionados Lucas, Aristarco e Timóteo, aquele seu fiel discípulo de Listra.
            Três dias após sua chegada, ele mandou convidar os principais Judeus que moravam em Roma, pedindo-lhes que viessem até ele em sua hospedagem. Reunidos em bom número, ele lhes falou assim: “Não gostaria que o estado em que me vedes e as correntes com as quais estou preso vos causem uma má opinião sobre mim. Deus sabe que não fiz nada contra meu povo, nem contra os costumes e as leis da minha pátria. Fui acorrentado em Jerusalém e depois entregue aos romanos. Estes me examinaram e, não tendo encontrado em mim nada que merecesse castigo, queriam me mandar livre; mas, opondo-se fortemente os Judeus, fui forçado a apelar para César.”
            “Esta é a única razão pela qual fui conduzido a Roma. Não quero aqui acusar meus irmãos, mas desejo fazer-vos saber o motivo da minha vinda e, ao mesmo tempo, falar-vos do Messias e da ressurreição, que é justamente o motivo destas correntes. Sobre este assunto desejo muito poder abrir meu coração a vós”.
            A tais palavras, os Judeus responderam: “Na verdade, não nos chegaram cartas da Judeia, nem alguém veio nos relatar algo contra ti. Estamos também no vivo desejo de conhecer teus sentimentos, pois sabemos que a seita dos cristãos é contestada em todo o mundo”.
            Paulo aceitou de bom grado o convite e, marcando-lhes um dia, reuniu um grande número de Judeus em sua casa. Ele então começou a expor a doutrina de Jesus Cristo, a divindade de sua pessoa, a necessidade da fé nele, confirmando tudo com as palavras dos Profetas e de Moisés. Tal era o desejo de ouvir e tal a ansiedade de pregar, que o discurso de Paulo se prolongou da manhã até a noite. Entre os Judeus que o ouviam, muitos creram e abraçaram a fé, mas vários se opuseram fortemente a ele.
            O santo Apóstolo, vendo tanta obstinação por parte daqueles que deveriam ser os primeiros a crer, disse-lhes estas duras palavras: “Desta inflexível obstinação que vejo aqui entre vós em Roma, como também encontrei em todas as partes do mundo, a culpa é vossa. Esta vossa dureza já foi predita pelo profeta Isaías, quando disse: “Vai a este povo e dirás: Ouvireis com os ouvidos, mas não entendereis; vereis com os olhos, mas não compreendereis nada; porque o coração deste povo se endureceu, taparam os ouvidos e fecharam os olhos”.
            “Estejam certos”, prosseguia Paulo, “que a salvação que vós não quereis, Deus não a dará a vós; ao contrário, a levará aos Gentios, que a acolherão”.
            As palavras de Paulo foram quase inúteis para os Judeus. Eles partiram, continuando as disputas e as vãs discussões sobre o que ouviram, sem abrir o coração à graça que lhes era oferecida. Portanto, profundamente entristecido, Paulo se voltou para os Gentios, que com humildade de coração iam ouvi-lo e em grande número abraçavam a fé.
            O santo Apóstolo expressa ele mesmo a grande consolação pelo progresso que fazia o Evangelho durante sua prisão, escrevendo aos fiéis de Filipos: “Quando vós, irmãos, soubestes que eu estava preso em Roma, sentistes pena, não tanto por minha pessoa, quanto pela pregação do Evangelho. Sabei, portanto, que é bem ao contrário. Minhas correntes serviram à honra de Jesus Cristo e serviram para melhor fazê-lo conhecer não somente àqueles da cidade que vinham a mim para se instruírem na fé, mas também na corte e no palácio do próprio imperador. Sobre isso deveis alegrar-vos comigo e agradecer a Deus”.

CAPÍTULO XXVI. São Lucas — Os Filipenses enviam ajuda a São Paulo — Doença e cura de Epafrodito — Carta aos Filipenses — Conversão de Onésimo — Ano de Jesus Cristo 61

            Quanto temos dito até agora sobre as ações de São Paulo foi quase literalmente extraído do livro dos Atos dos Apóstolos, escrito por São Lucas. Este pregador do Evangelho continuou a ser fiel companheiro de São Paulo; ele pregou o Evangelho na Itália, na Dalmácia, na Macedônia e terminou a vida com o martírio em Patras, cidade da Acaia. Era médico, pintor e escultor. Existem muitas estátuas e pinturas da Bem-Aventurada Virgem veneradas em diferentes países que são atribuídas a São Lucas. Voltemos a São Paulo.
            Dois fatos são especialmente memoráveis na vida deste santo Apóstolo enquanto estava preso em Roma: um diz respeito aos fiéis de Filipos, o outro à conversão de Onésimo.
            Entre os muitos povos a quem o santo Apóstolo pregou o Evangelho, nenhum lhe deu maiores sinais de afeto do que os Filipenses. Eles já lhe haviam fornecido copiosas esmolas quando ele pregava em sua cidade, em Tessalônica e em Corinto.
            Quando souberam que Paulo estava preso em Roma, imaginaram que ele estivesse em necessidade; por isso, fizeram uma considerável coleta e, para que fosse mais cara e honrosa, a enviaram pelas mãos de Santo Epafrodito, seu bispo.
            Este santo prelado, ao chegar a Roma, encontrou Paulo que não só precisava de ajuda financeira, mas também de assistência pessoal, pois estava aflito por uma grave enfermidade causada pela prisão. Epafrodito se dedicou a servi-lo com tanta solicitude, caridade e fervor, que, tornando-se ele mesmo doente, estava à beira da morte. Mas Deus quis recompensar a caridade do santo e fazer com que não se acrescentasse aflição sobre aflição ao coração de Paulo, e lhe devolveu a saúde.
            Os Filipenses, ao saberem que Epafrodito estava mortalmente doente, ficaram imersos na mais profunda consternação. Por isso, Paulo achou por bem enviá-lo de volta a Filipos com uma carta, na qual explica o motivo que o levou a devolver-lhes Epafrodito, a quem chama de seu irmão, cooperador, colega e seu apóstolo. Ele os exorta, então, a recebê-lo com toda alegria e a honrar toda pessoa de semelhante mérito, que, à imitação dele, esteja pronta a dar a própria vida pelo serviço de Cristo. Ele também diz aos Filipenses que em breve enviaria Timóteo, para que lhe trouxesse notícias precisas daquela comunidade; afirma ainda que esperava ser libertado e poder vê-los mais uma vez.
            Epafrodito foi acolhido pelos Filipenses como um anjo enviado pelo Senhor, e a carta de Paulo encheu o coração daqueles fiéis da maior consolação.
            O outro fato que torna célebre a prisão de São Paulo foi a conversão de Onésimo, servo de Filêmon, rico cidadão de Colossos, cidade da Frígia. Este Filêmon havia sido conquistado para a fé por São Paulo e correspondeu tão bem à graça do Senhor que era considerado como modelo dos cristãos, e sua casa era chamada de igreja porque estava sempre aberta para as práticas de piedade e para o exercício da caridade em relação aos pobres. Ele tinha muitos escravos que o serviam, e entre eles um chamado Onésimo. Este, tendo-se dado infelizmente aos vícios, esperou a oportunidade de fugir, e roubando uma grande quantia de dinheiro do seu senhor, escapuliu-se para Roma. Lá, entregando-se à devassidão e a outros excessos, consumiu o dinheiro roubado e em breve se encontrou na mais profunda miséria. Por acaso, ouviu falar de São Paulo, que talvez tivesse visto e servido na casa de seu senhor. A caridade e benignidade do santo Apóstolo lhe inspiraram confiança, e decidiu se apresentar a ele. Foi e se lançou de joelhos aos seus pés, manifestou seu erro e o estado infeliz de sua alma, e se entregou completamente a ele. Paulo reconheceu naquele escravo um verdadeiro filho pródigo. Recebeu-o com bondade, como fazia com todos, e depois de fazê-lo conhecer a gravidade de sua falta e o infeliz estado de sua alma, dedicou-se a instruí-lo na fé. Quando viu nele as disposições necessárias para se tornar um bom cristão, batizou-o na mesma prisão. O bom Onésimo, após ter recebido a graça do batismo, permaneceu cheio de gratidão e afeto por seu pai e mestre, e começou a dar-lhe provas disso servindo-o lealmente nas necessidades de sua prisão. Paulo desejava mantê-lo ao seu lado, mas não queria fazê-lo sem a permissão de Filêmon. Pensou, portanto, em enviar o próprio Onésimo de volta ao seu senhor. E como ele não se atrevia a se apresentar a ele, Paulo quis acompanhá-lo com uma carta, dizendo-lhe: “Tome esta carta e vá ao seu senhor, e tenha certeza de que você obterá mais do que deseja”.

CAPÍTULO XXVII. Carta de São Paulo a Filêmon — Ano de Jesus Cristo 62

            A carta de São Paulo a Filêmon é a mais fácil e breve de suas cartas, e como pela beleza dos sentimentos pode servir de modelo a qualquer cristão, a oferecemos inteira ao benevolente leitor. É do seguinte teor:
                        “Paulo, prisioneiro do Cristo Jesus, e o irmão Timóteo, a Filêmon, nosso amado colaborador, à nossa querida irmã Ápia e a Arquipo, nosso companheiro de luta, e à igreja que se reúne em tua casa: para vós, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo.
                        Dou continuamente graças a meu Deus, fazendo menção de ti em minhas orações, pois ouço falar do teu amor e da tua fé, fé no Senhor Jesus e amor para com todos os santos. Que a tua comunhão na fé seja eficaz, fazendo-te conhecer todo o bem que somos capazes de realizar para o Cristo. De fato, tive grande alegria e consolação por causa do teu amor fraterno, pois reconfortaste o coração dos santos, irmão.  Por isso, embora em Cristo eu me sinta muito à vontade para te ordenar o que deves fazer, prefiro apelar ao teu amor. Eu, Paulo, na condição de idoso e, agora, também, prisioneiro do Cristo Jesus,
                        faço-te um pedido em favor do meu filho Onésimo, a quem gerei na prisão. Outrora, ele te foi inútil mas, agora, ele é útil a ti e a mim. Eu o estou mandando de volta a ti: ele é como o meu próprio coração. Gostaria de retê-lo junto de mim, para que, em teu lugar, ele me servisse, enquanto carrego estas correntes por causa do evangelho. Mas não quis fazer nada sem o teu acordo, para que o teu benefício não pareça forçado, e sim, espontâneo. Talvez Onésimo tenha sido afastado de ti por algum tempo, precisamente para que o recebas de volta para sempre: agora, não mais como escravo, mas muito mais do que isto, como irmão querido; querido especialmente por mim, e muito mais por ti, não só segundo a carne, mas sobretudo no Senhor!
                        Se, pois, me tens como companheiro, recebe-o como se fosse a mim mesmo. E se ele te deu algum prejuízo ou te deve alguma coisa, põe isso na minha conta. Eu, Paulo, o escrevo de próprio punho: sou eu que pagarei. Isto, para não te dizer que tu também tens uma dívida para comigo: a tua própria pessoa! Sim, irmão, que eu tire algum proveito de ti no Senhor: reconforta-me em Cristo!  Escrevo-te, contando com a tua obediência e sabendo que farás ainda mais do que peço. Ao mesmo tempo, prepara-me também um alojamento, pois espero que, graças às vossas orações, vos serei restituído.
                        Epafras, meu companheiro de prisão, em Cristo Jesus, te saúda; igualmente, Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus colaboradores. A graça do Senhor Jesus Cristo esteja com o vosso espírito. Amém.”

            Epafras, de quem fala aqui São Paulo, havia sido convertido à fé por ele quando pregava na Frígia. Tornando-se depois apóstolo de sua pátria, foi feito bispo de Colossos. Foi a Roma para visitar São Paulo e foi preso com ele. Depois de ser libertado, voltou a governar sua Igreja de Colossos, onde concluiu a vida com a coroa do martírio.
            Marcos, de quem se fala aqui, é João Marcos, que depois de ter trabalhado muito com São Barnabé na pregação do Evangelho, uniu-se a São Paulo, reparando assim a fraqueza demonstrada quando abandonou São Paulo e São Barnabé para voltar para casa.
            Ao chegar Onésimo a Colossos, apresentou-se com a carta ao seu senhor, que o acolheu com a máxima amorosidade, contente por reaver não um escravo, mas um cristão. Ele lhe deu pleno perdão e, como da carta do santo Apóstolo havia entendido que Onésimo poderia prestar algum serviço, o enviou de volta a ele com mil saudações e bênçãos.
            Este servo se mostrou verdadeiramente fiel à vocação de cristão. São Paulo, vendo-o adornado das virtudes e da ciência necessária para ser um pregador do Evangelho, o ordenou sacerdote e mais tarde o consagrou bispo de Éfeso. Ele recebeu a coroa do martírio, e a Igreja católica faz memória dele no dia 16 de fevereiro.

CAPÍTULO XXVIII. São Paulo escreve aos Colossenses, aos Efésios e aos Hebreus — Ano de Cristo 62

            O zelo do nosso Apóstolo era incansável e, como suas correntes o mantinham em Roma, ele se esforçava para enviar seus discípulos ou escrever cartas onde quer que conhecesse a necessidade. Entre outras coisas, foi-lhe relatado que em Colossos, onde habitava Filêmon, surgiram questões devido a alguns falsos pregadores que queriam obrigar à circuncisão e às cerimônias legais todos os gentios que aderiam à fé. Além disso, haviam introduzido um culto supersticioso dos anjos. Paulo, como Apóstolo dos Gentios, informado dessas perigosas novidades, escreveu uma carta que deve ser lida integralmente para se apreciar a beleza e a sublimidade dos sentimentos. Merecem, porém, ser notadas as palavras que dizem respeito à tradição: “As coisas”, ele diz, “mais importantes para mim, serão ditas a vocês verbalmente por Tíquico e Onésimo, que para tal fim estão sendo enviados a vocês”. Essas palavras demonstram como o Apóstolo tinha coisas de grande importância não escritas, mas que enviava para comunicar verbalmente na forma de tradição.
            Uma coisa que causou não leve inquietação ao nosso Apóstolo foram as notícias de Éfeso. Quando se encontrava em Mileto e convocou os principais pastores, havia dito a eles que, devido aos males que deveria suportar, acreditava que não veriam mais seu rosto. Isso deixou aqueles afeiçoados fiéis na maior consternação. O santo Apóstolo, ciente da tristeza que afligia os efésios, escreveu uma carta para consolá-los.
            Entre outras coisas, recomenda considerar Jesus Cristo como cabeça da Igreja e manter-se unido a ele na pessoa de seus Apóstolos. Recomenda calorosamente que se mantenham longe de certos pecados que não devem ser nem mesmo nomeados entre os cristãos: “A fornicação”, ele diz, “a impureza e a avareza não sejam nem mesmo nomeadas entre vocês” (capítulo 5, versículo 5).
            Dirigindo-se então aos jovens, diz estas afetuosas palavras: “Filhos, eu vos recomendo no Senhor, sede obedientes a vossos pais, porque é coisa justa. Honra teu pai e tua mãe, diz o Senhor. Se observares este mandamento, serás feliz e viverás longamente sobre a terra”.
            Depois fala assim aos pais: “E vocês, pais, não irritem seus filhos, mas os criem na disciplina e na instrução do Senhor. Vocês, servos, obedeçam a seus senhores como a Cristo, não para serem vistos pelos homens, mas como servos de Cristo, fazendo a vontade de Deus de coração. Vocês, patrões, façam o mesmo para com eles, deixando de lado as ameaças, sabendo que o Senhor deles e o seu está nos céus, e que junto dele não há preferência de pessoas”.
            Esta carta foi levada a Éfeso por Tíquico, aquele fiel discípulo que, com Onésimo, havia levado a carta escrita aos Colossenses.
            De Roma, ele também escreveu sua carta aos Hebreus, ou seja, aos judeus da Palestina convertidos à fé. Seu objetivo era consolá-los e preveni-los contra as seduções de alguns outros judeus. Demonstra como os sacrifícios, as profecias e a antiga lei se realizaram em Jesus Cristo e que a ele somente se deve render honra e glória por todos os séculos. Insiste para que permaneçam constantemente unidos ao Salvador pela fé, sem a qual ninguém pode agradar a Deus; mas enfatiza que essa fé não justifica sem as obras.

CAPÍTULO XXIX. São Paulo é libertado — Martírio de São Tiago, o Menor — Ano de Cristo 63

            Já se haviam passado quatro anos desde que o santo Apóstolo estava preso: dois os passou em Cesareia e dois em Roma. Nero o havia feito comparecer diante de seu tribunal e reconhecido sua inocência; mas, fosse por ódio à religião cristã ou pela indiferença daquele cruel imperador, continuou a enviar Paulo de volta à prisão. Finalmente, resolveu conceder-lhe plena liberdade. Comumente se atribui essa decisão aos grandes remorsos que aquele tirano sentia pelas atrocidades cometidas. Ele chegou até a mandar assassinar sua mãe. Após tais crimes, sentia os mais agudos remorsos, pois os homens, por mais ímpios que sejam, não podem deixar de sentir em si os tormentos da consciência.
            Nero, portanto, para apaziguar de alguma forma sua alma, pensou em realizar algumas boas obras e, entre outras, conceder a liberdade a Paulo. Assim, feito senhor de si mesmo, o grande Apóstolo usou da liberdade para levar com maior ardor a luz do Evangelho a outras nações mais remotas.
            Talvez alguém se pergunte o que os judeus de Jerusalém fizeram quando viram Paulo retirado de suas mãos. Direi em breve. Eles dirigiram toda a sua fúria contra São Tiago, chamado o Menor, bispo daquela cidade. O governador Festo havia morrido; seu sucessor ainda não havia assumido o cargo. Os judeus aproveitaram aquela ocasião para se apresentar em massa ao sumo sacerdote, chamado Anano, filho daquele Anás e cunhado de Caifás, que haviam feito condenar o Salvador.
            Decididos a fazê-lo condenar, temiam grandemente o povo que o amava como um terno pai e se espelhava em suas virtudes; era chamado por todos de o Justo. A história nos diz que ele orava com tal assiduidade que a pele de seus joelhos havia se tornado como a de um camelo. Não bebia vinho nem outras bebidas embriagantes; era rigoroso no jejum, moderado na alimentação, na bebida e no vestir-se. Tudo que era supérfluo doava aos pobres.
            Apesar dessas belas qualidades, aqueles obstinados encontraram um modo de dar à sentença pelo menos uma aparência de justiça com uma astúcia digna deles. De acordo com o sumo sacerdote, os saduceus, os fariseus e os escribas organizaram um tumulto e correram até Tiago, dizendo entre mil gritos: “Você deve imediatamente tirar do erro este inumerável povo, que acredita que Jesus é o Messias prometido. Como você é chamado o Justo, todos acreditam em você; portanto, suba ao topo deste templo, para que todos possam vê-lo e ouvi-lo, e dê testemunho da verdade”.
            Assim, o conduziram a uma alta varanda do lado de fora do templo e, quando o viram lá em cima, exclamaram fingindo: “Ó homem justo, diga-nos o que se deve crer sobre Jesus crucificado”. O lugar não poderia ser mais solene. Ou renegar a fé, ou, pronunciando uma palavra a favor de Jesus Cristo, ser imediatamente condenado à morte. Mas o zelo do santo Apóstolo soube tirar todo o proveito daquela ocasião.
            “E por que”, exclamou em alta voz, “por que me interrogam sobre Jesus, Filho do homem e ao mesmo tempo Filho de Deus? Em vão fingem colocar em dúvida minha fé neste verdadeiro Redentor. Eu declaro diante de vocês que ele está no céu, assentado à direita de Deus Onipotente, de onde virá a julgar todo o mundo”. Muitos creram em Jesus Cristo e, na simplicidade de seus corações, começaram a exclamar: “Glória ao Filho de Davi”.
            Os judeus, frustrados em suas expectativas, começaram a gritar furiosamente: “Ele blasfemou! Que seja imediatamente lançado e morto”. Correram logo e o empurraram para baixo na laje da praça.
            Não morreu instantaneamente e, conseguindo se levantar, ajoelhou-se e, a exemplo do Salvador, invocava a divina misericórdia sobre seus inimigos, dizendo: “Perdoa-os, Senhor, porque não sabem o que fazem”.
            Então, os furiosos inimigos, instigados pelo pontífice, lhe lançaram uma chuva de pedras até que um, dando-lhe um golpe de maça na cabeça, o estendeu morto. Muitos fiéis foram trucidados junto a este Apóstolo, sempre pela mesma causa, ou seja, em ódio ao cristianismo (cf. Eusébio, História Eclesiástica).

CAPÍTULO XXX. Outras viagens de São Paulo — Escreve a Timóteo e a Tito — Seu retorno a Roma — Ano de Cristo 68

            Liberado das correntes da prisão, São Paulo dirigiu-se para aqueles lugares onde tinha intenção de ir. Foi, portanto, à Judeia visitar os judeus, mas ficou pouco, pois aqueles obstinados já estavam reacendendo a primitiva perseguição. Foi a Colossos, conforme a promessa feita a Filêmon. Dirigiu-se a Creta, onde pregou o Evangelho e onde ordenou Tito como bispo daquela ilha. Retornou à Ásia para visitar as Igrejas de Trôade, Icônio, Listra, Mileto, Corinto, Nicópolis e Filipos. Desta cidade, escreveu uma carta ao seu Timóteo, que havia ordenado bispo de Éfeso.
            Nesta carta, o Apóstolo lhe dá diversas regras para a consagração dos bispos e sacerdotes e para o exercício de muitas coisas relacionadas à disciplina eclesiástica. Quase ao mesmo tempo, escreveu uma carta a Tito, bispo de Creta, dando-lhe quase os mesmos conselhos dados a Timóteo e convidando-o a vir logo vê-lo.
            Acredita-se comumente que ele tenha ido pregar na Espanha e em muitos outros lugares. Empregou cinco anos em missões e fadigas apostólicas. Mas os fatos particulares dessas viagens, as conversões operadas por sua causa nos vários países, não nos são conhecidos. Dizemos apenas com Santo Anselmo que “o santo Apóstolo correu do Mar Vermelho até o Oceano, levando em toda parte a luz da verdade. Ele foi como o sol que ilumina todo o mundo do Oriente ao Ocidente, de modo que foram mais o mundo e os povos a faltar a Paulo, do que Paulo a faltar a algum dos homens. Esta é a medida de seu zelo e de sua caridade”.
            Enquanto Paulo estava ocupado nas fadigas do apostolado, soube que em Roma havia estourado uma feroz perseguição sob o império de Nero. Paulo imediatamente imaginou a grave necessidade de sustentar a fé em tais ocasiões e tomou imediatamente o caminho para Roma.
            Chegando à Itália, encontrou por toda parte publicados os editais de Nero contra os fiéis. Sentia os crimes e as calúnias que lhes eram imputadas; via por toda parte cruzes, fogueiras e outros tipos de suplícios preparados para os confessores da fé, e isso dobrava em Paulo o desejo de estar logo entre aqueles fiéis. Assim que chegou, como quem oferecia a Deus a si mesmo, começou a pregar nas praças públicas, nas sinagogas, tanto para os gentios quanto para os judeus. A estes últimos, que quase sempre se mostraram obstinados, pregava o iminente cumprimento das profecias do Salvador, que previam a destruição da cidade e do templo de Jerusalém com a dispersão de toda aquela nação. Sugeriu, porém, um meio para evitar os flagelos divinos: converter-se de coração e reconhecer seu Salvador naquele Jesus que haviam crucificado.
            Aos gentios pregava a bondade e a misericórdia de Deus, que os convidava à penitência; por isso, exortava a abandonar o pecado, a mortificar as paixões e a abraçar o Evangelho. A tal pregação, confirmada por contínuos milagres, os ouvintes vinham em massa pedir o batismo. Assim, a Igreja, perseguida com ferro, fogo e mil terrores, aparecia mais bela e florescente e aumentava a cada dia o número de seus eleitos.
            O que mais dizer? São Paulo levou seu zelo e sua caridade a tal ponto que conseguiu ganhar um certo Próculo, intendente do palácio imperial, e a própria esposa do imperador. Estes abraçaram com ardor a fé e morreram mártires.

CAPÍTULO XXXI. São Paulo é novamente aprisionado — Escreve a segunda carta a Timóteo — Seu martírio — Ano de Cristo 69-70

            Com São Paulo, também veio a Roma São Pedro, que há 25 anos aí mantinha a sede da cristandade. Ele também havia ido a outros lugares pregar a fé e, ao ser informado da perseguição levantada contra os cristãos, voltou imediatamente a Roma. Trabalharam em comum acordo os dois príncipes dos Apóstolos até que Nero, irritado pelas conversões que haviam sido feitas em sua corte e mais ainda pela morte ignominiosa que coube ao mago Simão (como narrado na vida de São Pedro), ordenou que fossem procurados com o máximo rigor São Pedro e São Paulo e conduzidos à prisão Mamertina, aos pés do monte Capitolino. Nero tinha em mente fazer conduzir os dois Apóstolos ao suplício imediatamente, mas foi desviado por assuntos políticos e por uma conspiração tramada contra ele. Além disso, havia deliberado tornar glorioso seu nome cortando o istmo de Corinto, uma língua de terra larga cerca de nove milhas. Esta empreitada não pôde ser realizada, mas deixou um ano de tempo a Paulo para ganhar ainda mais almas para Jesus Cristo.
            Ele conseguiu converter muitos prisioneiros, alguns guardas e outros personagens de destaque, que por desejo de se instruírem ou por curiosidade iam ouvi-lo, pois São Paulo durante sua prisão podia ser livremente visitado e escrevia cartas onde conhecia a necessidade. É da prisão de Roma que escreveu a segunda carta a Timóteo.
            Nesta carta, o Apóstolo anuncia próxima sua morte, demonstra vivo desejo de que o mesmo Timóteo vá até ele para assisti-lo, estando quase abandonado por todos. Esta carta pode ser chamada de testamento de São Paulo; e, entre muitas coisas, fornece também uma das maiores provas a favor da tradição. “O que você ouviu de mim”, lhe diz, “procure transmitir a homens fiéis e capazes de ensiná-lo a outros depois de você”. Dessas palavras aprendemos que, além da doutrina escrita, existem outras verdades não menos úteis e certas que devem ser transmitidas oralmente, em forma de tradição, com uma sucessão ininterrupta por todos os tempos futuros.
            Dá então muitos conselhos úteis a Timóteo para a disciplina da Igreja, para reconhecer várias heresias que estavam se espalhando entre os cristãos. E, para mitigar a ferida que a notícia de sua iminente morte lhe causaria, o encoraja assim: “Não te entristeças por mim, antes, se me queres bem, alegra-te no Senhor. Combati o bom combate, terminei a minha corrida, conservei a fé. Agora não me resta senão receber a coroa de justiça que o Senhor, justo juiz, me entregará naquele dia, quando, tendo oferecido em sacrifício a minha vida, me apresentarei a ele. Tal coroa não será dada apenas a mim, mas a todos aqueles que, com boas obras, se preparam para recebê-la em sua vinda”.
            Paulo teve em sua prisão um conforto de um certo Onésiforo. Este, tendo vindo a Roma e sabendo que Paulo, seu antigo mestre e pai em Jesus Cristo, estava na prisão, foi visitá-lo e se ofereceu para servi-lo. O Apóstolo sentiu grande consolação por uma tão terna caridade e, escrevendo a Timóteo, faz muitos elogios a ele e ora a Deus por ele.
            “Que Deus”, lhe escreve, “tenha misericórdia da família de Onésiforo, que muitas vezes me confortou e não se envergonhou de minhas correntes; ao contrário, vindo a Roma, me procurou com solicitude e me encontrou. O Senhor lhe conceda encontrar misericórdia diante dele naquele dia. E você sabe bem quantos serviços me prestou em Éfeso”.
            Entretanto, Nero voltou de Corinto todo irritado porque a empreitada do istmo não havia sido bem-sucedida. Ele se pôs com ainda mais raiva a perseguir os cristãos; e seu primeiro ato foi fazer executar a sentença de morte contra São Paulo. Antes de tudo, foi espancado com varas, e ainda se mostra em Roma a coluna à qual estava atado quando sofreu aquela flagelação. É verdade que com isso perdia o privilégio de cidadania romana, mas adquiria o direito de cidadão do céu; por isso sentia a maior alegria em se assemelhar ao seu divino Mestre. Esta flagelação era o prelúdio de ser depois decapitado.
            Paulo foi condenado à morte porque havia ultrajado os deuses; por este único título era permitido cortar a cabeça de um cidadão romano. Que bela culpa! Ser considerado ímpio porque, em vez de adorar pedras e demônios, se quer adorar o único Deus verdadeiro e seu Filho Jesus Cristo. Deus já lhe havia revelado o dia e a hora de sua morte; por isso sentia uma alegria já toda celestial. Exclamava: Cupio dissolvi et esse cum Christo (Desejo ser solto deste corpo para estar com Cristo). Finalmente, uma turba de capangas o tirou da prisão e o conduziu para fora de Roma pela porta que se chama Ostiense, fazendo-o caminhar em direção a um pântano ao longo do Tibre; chegaram a um lugar chamado Águas Sálvias, cerca de três milhas distante de Roma.
            Contam que uma matrona, chamada Plautila, esposa de um senador romano, vendo o santo Apóstolo maltratado no corpo e conduzido à morte, começou a chorar copiosamente. São Paulo a consolou dizendo: “Não chore, deixarei uma lembrança minha que será muito querida para você. Dê-me seu véu”. Ela lhe deu. Com este véu, vendaram os olhos ao santo antes de ser decapitado. E, por ordem do santo, uma pessoa piedosa o restituiu ensanguentado a Plautila, que o conservou como relíquia.
            Chegando Paulo ao lugar do suplício, dobrou os joelhos e, com o rosto voltado para o céu, recomendou a Deus sua alma e a Igreja; depois inclinou a cabeça e recebeu o golpe da espada que lhe cortou a cabeça do tronco. Sua alma voou para encontrar aquele Jesus que há tanto tempo desejava ver.
            Os anjos o acolheram e o introduziram entre imenso júbilo para participar da felicidade do céu. É certo que o primeiro a quem ele deve agradecer foi Santo Estêvão, a quem, depois de Jesus, era devedor de sua conversão e de sua salvação.

CAPÍTULO XXXII. Sepultamento de São Paulo — Maravilhas realizadas junto ao seu túmulo — Basílica a ele dedicada

            No dia em que São Paulo foi executado fora de Roma, nas Águas Sálvias, foi o mesmo em que São Pedro obteve a palma do martírio aos pés do monte Vaticano, no dia 29 de junho, tendo São Paulo 65 anos de idade. Barônio, que é chamado de pai da história eclesiástica, conta como da cabeça de São Paulo, assim que foi cortada do corpo, jorrou leite em vez de sangue. Dois soldados, ao ver tal milagre, se converteram a Jesus Cristo. Sua cabeça, então, ao cair ao chão, deu três saltos, e onde tocou o solo brotaram três fontes de água viva. Para conservar a memória desse glorioso acontecimento, foi erguida uma igreja cujas paredes cercam essas fontes, que ainda hoje são chamadas Fontes de São Paulo (cf. F. Barônio, ano 69-70).
            Muitos viajantes (cf. Cesário e Tillemont) foram ao local para serem testemunhas desse fato e nos asseguram que aquelas três fontes que viram e provaram têm um sabor como de leite. Naqueles primeiros tempos, havia uma grande solicitude dos cristãos para recolher e sepultar os corpos daqueles que davam a vida pela fé. Duas mulheres, chamadas uma Basilissa e a outra Anastácia, estudaram a maneira e o tempo para recuperar o cadáver do santo Apóstolo e, à noite, o sepultaram a duas milhas do local onde ele havia sofrido o martírio, a uma milha de Roma. Nero, através de seus espiões, soube da obra daquelas piedosas mulheres e isso foi suficiente para que as fizesse morrer, cortando-lhes as mãos, os pés e depois a cabeça.
            Embora os Gentios soubessem que o corpo de Paulo havia sido sepultado pelos fiéis, nunca puderam saber o local exato. Isso era conhecido apenas pelos cristãos, que o mantinham em segredo como o tesouro mais precioso e lhe prestavam a maior honra possível. Mas a estima que os fiéis tinham por aquelas relíquias chegou a tal ponto que alguns mercadores do Oriente, que vieram a Roma, tentaram roubá-las e levá-las para seu país. Secretamente, desenterraram-nas nas catacumbas, a duas milhas de Roma, esperando o momento propício para transportá-las. Mas no ato de realizar seu plano, levantou-se uma horrível tempestade com relâmpagos e trovões terríveis, de modo que foram forçados a abandonar a empreitada. Sabendo disso, os cristãos de Roma foram buscar o corpo de Paulo e o trouxeram de volta ao seu primeiro local ao longo da via Ostiense.
            Na época de Constantino, o Grande, foi edificada uma basílica magnífica em honra e sobre o sepulcro do nosso Apóstolo. Em todos os tempos, reis e imperadores, esquecendo-se de sua grandeza, cheios de temor e veneração, foram a esse sepulcro para beijar a caixa que guarda os ossos do santo Apóstolo.
            Os próprios Romanos Pontífices não se aproximavam, nem se aproximam, do local de seu sepultamento se não cheios de veneração, e nunca permitiram que alguém retirasse uma partícula daqueles ossos veneráveis. Vários príncipes e reis fizeram insistentes pedidos, mas nenhum Papa julgou poder atendê-los. Essa grande reverência era muito aumentada pelos contínuos milagres que se realizavam junto a esse sepulcro. São Gregório Magno relata muitos e assegura que ninguém entrava naquele templo para rezar sem tremer. Aqueles que ousassem profaná-lo ou tentassem levar até mesmo uma pequena partícula eram punidos por Deus com manifesta vingança.
            Gregório XI foi o primeiro que, em uma calamidade pública, quase forçado pelas orações e insistências do povo de Roma, tomou a cabeça do Santo, levantou-a bem alto, mostrou-a à multidão que chorava de ternura e devoção e, imediatamente, a recolocou de onde a havia retirado.
            Agora, a cabeça deste grande Apóstolo está na igreja de São João de Latrão; o resto do corpo sempre foi conservado na basílica de São Paulo fora dos muros, ao longo da via Ostiense, a uma milha de Roma.
            Até suas correntes foram objeto de devoção entre os fiéis cristãos. Pelo contato daqueles ferros gloriosos se realizaram muitos milagres, e as mais importantes personalidades do mundo sempre consideraram uma relíquia preciosa poder ter um pouco de limalha delas.

CAPÍTULO XXXIII. Retrato de São Paulo — Imagem de seu espírito — Conclusão

            Para que permaneça mais bem impressa a devoção a este príncipe dos Apóstolos, é útil dar uma ideia de sua aparência física e de seu espírito.
            Paulo não tinha uma aparência muito atraente, como ele mesmo afirma. Era de estatura pequena, de constituição forte e robusta, e deu prova disso com as longas e graves fadigas que suportou em sua carreira, sem nunca ter estado doente, exceto pelos males causados pelas correntes e pela prisão. Somente no final de seus dias caminhava um pouco curvado. Tinha o rosto claro, a cabeça pequena e quase totalmente calva, o que denotava um caráter sanguíneo e ardente. Tinha a testa ampla, sobrancelhas negras e baixas, nariz aquilino, barba longa e espessa. Mas seus olhos eram extremamente vivos e brilhantes, com um ar doce que temperava o ímpeto de seus olhares. Este é o retrato de sua aparência física.
            Mas o que dizer de seu espírito? Conhecemos isso por seus próprios escritos. Tinha um intelecto agudo e sublime, ânimo nobre, coração generoso. Tal era sua coragem e firmeza que extraía força e vigor das próprias dificuldades e perigos. Era muito experiente na ciência da religião judaica. Era profundamente erudito nas Sagradas Escrituras e tal ciência, ajudada pelos esclarecimentos do Espírito Santo e pela caridade de Jesus Cristo, o tornou aquele grande Apóstolo que foi apelidado de Doutor dos Gentios. São João Crisóstomo, devotíssimo de nosso santo, desejava grandemente poder ver São Paulo do púlpito, porque, dizia, os maiores oradores da antiguidade pareceriam lânguidos e frios em comparação a ele. Não é necessário dizer mais sobre suas virtudes, pois o que temos exposto até agora não é outra coisa senão uma tecelagem das virtudes heroicas que ele fez brilhar em todo lugar, em todo tempo e com todo tipo de pessoas.
            Para concluir o que foi dito sobre este grande santo, merece ser notada uma virtude que ele fez brilhar acima de todas as outras: a caridade para com o próximo e o amor a Deus. Ele desafiava todas as criaturas a separá-lo do amor de seu divino Mestre. “Quem me separará”, exclamava, “do amor de Jesus Cristo? Talvez as tribulações ou as angústias, ou a fome, ou a nudez, ou os perigos, ou as perseguições? Não, certamente. Estou persuadido de que nem a morte nem a vida, nem anjos nem principados, nem potências, nem coisas presentes nem futuras, nem qualquer criatura poderá nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor”. Este é o caráter do verdadeiro cristão: estar disposto a perder tudo, a sofrer tudo, em vez de dizer ou fazer a menor coisa contrária ao amor de Deus.
            São Paulo passou mais de trinta anos de sua vida como inimigo de Jesus Cristo; mas assim que foi iluminado por sua graça celeste, entregou-se totalmente a ele, e nunca mais se separou dele. Depois, empregou mais de trinta e seis anos nas mais austeras penitências, nas mais duras fadigas, e isso para glorificar aquele Jesus que havia perseguido.
            Cristão leitor, talvez você que lê e eu que escrevo tenhamos passado uma parte da vida ofendendo ao Senhor! Mas não percamos a coragem: ainda há tempo para nós; a misericórdia de Deus nos espera.
            Mas não adiemos a conversão, porque se esperarmos até amanhã para resolver as coisas da alma, corremos o grave risco de não ter mais tempo. São Paulo trabalhou trinta e seis anos a serviço do Senhor; agora, há 1800 anos, goza da imensa glória do céu e a gozará por todos os séculos. A mesma felicidade está preparada também para nós, desde que nos entreguemos a Deus enquanto temos tempo e perseveremos no santo serviço até o fim. É nada o que se sofre neste mundo, mas é eterno o que gozaremos no outro. Assim nos assegura o próprio São Paulo.


Terceira edição
Livraria Salesiana Editora
1899
Propriedade do editor
S. Pier d’Arena, Escola Tipográfica Salesiana
Colégio São Vicente de Paulo
(N. 1267 — M)