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Como pastor de uma diocese cuja grande maioria era composta por aldeões e montanheses analfabetos, herdeiros de uma cultura ancestral e prática, Francisco de Sales também foi o promotor de uma cultura erudita entre a elite intelectual.Para transmitir a mensagem que lhe interessava, percebeu que precisava conhecer seu público e levar em conta suas necessidades e gostos.Quando falava com as pessoas e, especialmente, quando escrevia para pessoas instruídas, seu método era o que ele estabeleceu no Prefácio de seu “Tratado sobre o Amor de Deus”: “É claro que levei em consideração a condição das mentes deste século, e tinha que fazê-lo: é muito importante considerar a época em que se escreve”.


Francisco de Sales e a cultura popular
            Nascido numa família nobre com fortes laços com a terra, Francisco de Sales nunca foi alheio à cultura popular. O ambiente em que cresceu já o colocava em contato próximo com as pessoas comuns, a ponto de ele mesmo seguir de bom grado os costumes dos montanheses quando se levantavam pela manhã. Durante suas visitas pastorais, ele usava o patoá [dialeto local] para se fazer entender melhor. De qualquer modo, é certo que o contato direto com o conjunto da população dava à sua experiência pastoral uma tonalidade concreta e calorosa.
            Por outro lado, os autores que se interessaram pela transmissão da cultura popular naquela época sublinham que não havia limites rigorosos entre a mensagem religiosa e a cultura popular, pois os elementos estranhos se fundiam espontaneamente com a religião ensinada oficialmente. Como se sabe, a cultura popular é muito mais bem expressa na forma de narrativa do que na escrita. É preciso lembrar que certa porcentagem da população não sabia ler e a maioria não sabia escrever. De modo geral, os velhos, os sábios e os homens sabiam ler, enquanto as crianças, o povo simples e as mulheres eram analfabetos.
            No entanto, começavam a aparecer os livros expostos nas livrarias ou os dos vendedores ambulantes, não apenas nas cidades, mas também nos vilarejos. Essa produção de livretos baratos deve ter sido bastante variada, com a maioria, sem dúvida, proveniente da literatura popular que transmitia uma sensibilidade ainda medieval: vidas de santos, romances de cavalaria, histórias de bandidos ou almanaques com suas previsões do tempo e conselhos para homens e animais. Mas estavam chegando também produções mais modernas: romances, talvez até manuais de boa educação, ou ainda obras de piedade na linha do Concílio de Trento.
            Mas a cultura popular também era transmitida por meio de encontros cotidianos e de festas, quando as pessoas saíam para comer e beber juntas em tabernas e restaurantes, especialmente por ocasião de casamentos, batizados, funerais e irmandades, durante os bailes e festivas cantigas de roda, nas feiras e nos mercados. Talvez Francisco de Sales tenha prestado um bom serviço à sociedade não banindo sistematicamente todas as formas de convívio e divertimentos públicos, limitando-se a impor algumas restrições aos eclesiásticos, que eram obrigados a certa reserva.

Sabedoria e habilidade
            Observador simpático da natureza e das pessoas, Francisco de Sales aprendeu muito por meio de seu contato com elas. Foram os agricultores e os que lavravam a terra que lhe disseram que, “quando neva no inverno, a colheita será melhor no ano seguinte”. Quanto aos pastores e criadores montanheses, o cuidado com seus rebanhos e seu gado é um exemplo de zelo “pastoral”.
            No mundo das profissões, muitas vezes Francisco de Sales pôde observar de perto as admiráveis habilidades: “Os lavradores só semeiam os campos depois tê-los arado e limpado os arbustos espinhosos; os pedreiros só usam as pedras depois de cortá-las; os serralheiros só trabalham o ferro depois de batê-lo; os ourives só cinzelam o ouro depois de tê-lo purificado no cadinho”.
            Em certas histórias por ele contadas não falta uma pitada de humorismo. Desde os tempos antigos, os barbeiros têm a fama de serem grandes faladores; quando um deles perguntou a um rei: “Como gostaria que eu fizesse sua barba? O rei respondeu: «Sem dizer uma palavra»”. Se alguém “se ufana de estar vestido com elegância”, “quem não sabe que essa glória (se houver glória nisso) é do alfaiate e do sapateiro?” Com seu trabalho, o carpinteiro realiza pequenos milagres e “alguém que não entende nada de entalhe, ao ver troncos retorcidos na oficina de um marceneiro, ficaria estupefato ao ouvir dizer que daquela madeira se possa produzir uma obra-prima”. Os fabricantes de vidro também são surpreendentes, criando maravilhas com o sopro de suas bocas.
            Além disso, a arte da tipografia era objeto de sua grande admiração, mesmo que para ele os motivos religiosos prevalecessem em relação com qualquer outra consideração; é o que emerge de uma carta escrita em italiano ao Núncio de Turim, em maio de 1598: “Entre outras coisas necessárias, deveria haver um tipógrafo em Annecy. Os hereges estão publicando livros muito perniciosos o tempo todo, enquanto muitas obras católicas permanecem nas mãos de seus autores porque não podem ser enviadas com segurança para Lião e eles não têm um impressor à sua disposição”.

A arte e os artistas
            Nas artes, o triunfo da Renascença brilhava em obras inspiradas na antiguidade. Francisco de Sales pôde contemplá-las durante sua permanência na Itália e na França. Em Roma, durante sua viagem em 1599, ele admirou a grande cúpula da Basílica de São Pedro, concluída apenas alguns anos antes: “Grande o palácio, a basílica, o monumento de São Pedro”.
            Escrevia Francisco de Sales: A escultura clássica era então objeto de tal admiração que até “pedaços de estátuas antigas são conservados para lembrar a antiguidade”. Ele mesmo nomeia vários escultores antigos, começando por Fídias, o artista que “não representava nada tão perfeitamente como as divindades”. Veja Policleto, “o meu Policleto, que me é tão querido”, afirmava, que com sua “mão de mestre” transfigurava o bronze. Recorda também o colosso de Rodes, símbolo da providência divina, na qual “não há mudança nem sombra de variação”.
            E agora os famosos pintores mencionados por Plínio e Plutarco: Arélio, um homem “que pintava todos os rostos de seus retratos à semelhança das mulheres que ele amava”; Apeles, pintor “único”, preferido por Alexandre Magno; Timante que cobria a cabeça de Agamenon, frustrado por não poder expressar a consternação do seu rosto à vista da filha Efigênia”; Zêuxis, que pintou uvas tão magistralmente que “os pássaros criam que a uva pintada fosse de verdade, tanto a arte tinha imitado a natureza”.
            Percebe-se em Francisco de Sales um verdadeiro apreço pela beleza da obra de arte enquanto tal, e ao mesmo tempo a capacidade de comunicar suas emoções aos leitores. A pintura não seria talvez uma arte divina? A palavra de Deus não se situa apenas no plano da audição, mas também no plano da visão e da contemplação estética: “Deus é o pintor, a nossa fé é a pintura, as cores são a palavra de Deus, o pincel é a Igreja”.
            Francisco se sentia especialmente atraído pela pintura religiosa, que foi fortemente recomendada por seu ex-diretor espiritual Possevino, que lhe enviou sua “obra encantadora” De poesi et pictura [Poesia e pintura].  Ele mesmo se considerava um pintor, porque, como escreveu no prefácio de sua Filoteia, “Deus quer que eu pinte no coração das pessoas não apenas as virtudes comuns, mas também a sua muito querida e amada devoção devida a ele”.
            Amava também o canto e a música. Sabemos que ele mandava cantar hinos durante as aulas de catecismo, mas gostaríamos de saber o que era cantado em sua catedral. Certa vez, numa carta, no dia seguinte a uma cerimônia em que foi cantado um texto do Cântico dos Cânticos, ele exclamou: “Ah! Como tudo isto foi bem cantado ontem em nossa igreja e em meu coração!” Ele conhecia e sabia distinguir os sons dos diferentes instrumentos: “Entre os instrumentos, os tambores e as trombetas fazem mais barulho, mas os alaúdes e as espinetas produzem melodia melhor; o som de uns é mais alto, o outro é mais suave e espiritual”.

A Academia Florimontana (1606)

            “A cidade de Annecy”, escrevia pomposamente seu sobrinho Carlos Augusto de Sales, “era semelhante à de Atenas sob um tão grande bispo como Francisco de Sales e sob um grande presidente como Antônio Favre, e era habitada por um grande número de doutores, teólogos ou jurisconsultos, e de insignes literatos”.
            As pessoas têm-se perguntado como Francisco de Sales teve a ideia de fundar uma academia com seu amigo Antônio Favre no final de 1606, que eles chamaram de “Florimontana”, “porque as musas floresceram nas montanhas da Saboia”. Provavelmente seus contatos com a Itália não eram estranhos a essa realização. Nascidas na Itália no final do século XIV, as academias tiveram uma grande expansão. Entre elas distinguia-se a Academia Platônica de Florença, animada por Marcílio Ficino, cujo influxo é reconhecível no autor de Teótimo. Em Turim havia a Academia “Papiniana”, da qual tinha participado Antônio Favre.  Não se deve esquecer que os calvinistas em Genebra tinham a sua própria academia, e isso deve ter desempenhado um papel importante na criação de uma “rival” católica.
            A Academia Florimontana tinha seu próprio emblema: uma laranjeira, admirada por Francisco de Sales porque era cheia de flores e de frutas durante quase todo o ano (flores fructusque perennes). De fato, explicava Francisco, “na Itália, na costa de Gênova, e mesmo em regiões da França, como na Provença, ao longo das costas, pode-se vê-las cobertas de folhas, flores e frutos em todas as estações”.
            O programa das reuniões tinha um caráter enciclopédico, pois, de acordo com os Estatutos, “as lições versarão sobre teologia, política, filosofia, retórica, cosmografia, geometria ou aritmética”. De qualquer modo, reservava-se uma atenção especial às letras e à beleza formal. Um dos artigos dos Estatutos dizia: “O estilo na fala e na leitura, será sério, refinado, elegante e evitará qualquer forma de pedantismo”.
            A Academia era formada por cientistas e mestres reconhecidos, mas eram previstos também cursos públicos que a tornavam uma pequena universidade popular. De fato, as assembleias gerais podiam ser frequentadas por “todos os competentes mestres das artes honestas, como pintores, escultores, carpinteiros, arquitetos e afins”.
            Pode-se intuir que o objetivo dos dois fundadores era reunir a elite intelectual de Saboia e colocar a literatura, as ciências e as artes a serviço da fé e da piedade, de acordo com o ideal do humanismo cristão. As reuniões eram realizadas na casa de Antônio Favre, na qual sua esposa e filhos ajudavam a receber os convidados. Portanto, havia uma atmosfera familiar. De fato, como dizia um artigo, “todos os acadêmicos serão unidos entre si por amor mútuo e fraterno”.
            Entre os acadêmicos ou membros ou membros correspondentes da Academia destacava-se o abade comendador de Hautecombe, Afonso Delbene, descendente de uma grande família de Florença, amigo de Justo Lipsio e de Ronsard, que lhe dedicou a sua Arte Poética; foi qualificado como uma ponte entre a cultura italiana e a cultura francesa.
            Os inícios da Academia foram brilhantes e promissores. Segundo Carlos Augusto de Sales, o primeiro ano se abriu com “o curso de matemática com a Aritmética de Jacques Pelletier, os Elementos de Euclides, a esfera e a cosmografia com suas partes, a geografia, a hidrografia e a topografia; seguiu-se a arte de navegar e a teoria dos planetas, por fim, a música teórica”. Quanto ao mais, é bem pouco o que se sabe.
            Em 1610, não mais do que três anos após seu início, Antônio Favre foi nomeado Presidente do Senado da Saboia e partiu para Chambéry. O bispo, por sua vez, não conseguia manter a Academia por conta própria, e ela declinou e desapareceu. Mas, embora sua existência tenha sido curta, sua influência foi duradoura. O projeto cultural que lhe deu origem foi retomado pelos Barnabitas, que chegaram ao Colégio de Annecy em 1614.

Um caso Galileu em Annecy?
            O Colégio de Annecy era famoso pela pessoa do padre Redento Baranzano. Esse barnabita do Piemonte, que adotou as novas teorias científicas, era um professor brilhante que despertava a admiração e até mesmo o entusiasmo de seus alunos. Em 1617, sem a permissão de seus superiores, seus discípulos publicaram um resumo de suas palestras, com o título de Uranoscopia, nas quais ele desenvolvia o sistema planetário de Copérnico e as ideias de Galileu. O livro em questão imediatamente causou tanto alvoroço que o autor foi chamado de volta a Milão por seus superiores. Em setembro de 1617, Francisco de Sales escreveu uma carta em italiano ao superior geral do barnabitas, para defender o interessado do ponto de vista pessoal, sem acenar às suas ideias, a fim de que retomasse as suas funções.
            O desejo do bispo foi atendido e o P. Baranzano retornou a Annecy no final de outubro daquele mesmo ano. No final de novembro, o bispo manifestou sua satisfação ao superior geral. Em 1618, o padre Baranzano publicou um novo opúsculo, como sinal de boa vontade, mas não há evidências de que ele tenha renunciado às suas ideias.
            Em 1619, ele publicou Novae opiniones physicae [Novas teorias da física] em Lião, o primeiro volume da segunda parte de uma ambiciosa Summa philosophica anneciensis [Suma Filosófica de Annecy]. O bispo tinha dado a sua aprovação oficial a “essa obra erudita de um homem erudito” e tinha autorizado sua impressão. O cônego que, a pedido do bispo, tinha examinado a obra, tinha considerado que não continha “nada contrário à fé, aos ensinamentos da Igreja Católica e aos bons costumes”; esta obra apresentava “a todos os amantes da filosofia uma doutrina filosófica muito digna, de alto valor pela clara articulação, pela singular exatidão, pela agradável brevidade, pela erudição incomum e na sua matéria bastante rara”.
            Deve-se observar que Baranzano adquiriu uma reputação internacional e entrou em contato com Francisco Bacon, o promotor inglês da reforma das ciências, com o astrônomo alemão João Kepler e com o próprio Galileu. Era a época em que imprudentemente foi instaurado um processo contra Galileu com a finalidade de salvaguardar a autoridade da Bíblia, que se considerava comprometida pelas novas teorias sobre a rotação da Terra em torno do Sol. Enquanto o Cardeal Belarmino estava preocupado com os perigos das novas teorias, para Francisco de Sales não poderia haver contradição entre razão e fé. E não era o sol o símbolo do amor celestial, em torno do qual tudo se move, e o centro da devoção?

Poesia religiosa
            A Renascença havia reabilitado a poesia antiga e pagã, que Francisco havia estudado na escola e da qual os jesuítas haviam expurgado as passagens mais perturbadoras para a sensibilidade dos jovens. Quando jovem, ele foi seduzido pela poesia bíblica do Cântico dos Cânticos e dos Salmos, que o acompanhariam por toda a vida. Ele mesmo escreveu vários poemas religiosos que chegaram até nós.
            O fato é que não foram alguns versos um tanto desajeitados que garantiram sua reputação literária, que, durante sua vida, foi suficientemente estabelecida para que escritores e poetas buscassem contato com ele. Esse foi o caso do magistrado e poeta provençal João de la Ceppède, um dos grandes expoentes da poesia religiosa barroca, que lhe enviou uma cópia de seus Théorèmes sur le sacré mystère de la Rédemption [Teoremas sobre o sagrado mistério da Redenção]. O que mais o encantou nos versos desse poeta foi o fato de ele ter conseguido “transformar as musas pagãs em cristãs, retirá-las desse velho Parnaso e alojá-las no novo e sagrado Calvário”.
            Francisco de Sales conhecia e admirava o poder da poesia, “pois é maravilhoso o poder que o discurso comprimido nas leis do verso tem de penetrar nos corações e subjugar a memória”. Em 1616, o poeta Lyonnais René Gros de Saint-Joyre enviou-lhe o manuscrito de La mire de vie à l’amour parfait [O guia da vida para o amor perfeito], um poema em verso francês dividido em estrofes de oito linhas, dedicado à abadessa do mosteiro beneditino de São Pedro de Lião.
            Do poeta e humanista nascido na Basca, Jean de Sponde, ele cita não os Sonnets d’amour [Sonetos de amor] ou as Stances sur la mort [Posturas sobre a morte] mas a Réponse au Traité des marques de l’Église de Théodore de Bèze [Resposta ao tratado das marcas da Igreja de Teodoro de Beza] e a Déclaration sur les motifs de la conversion [Declaração sobre os motivos da conversão] desse ex-calvinista, que ele considerava uma “grande mente”. Ele também estava em contato com o poeta e memorialista borgonhês João de Lacurne, que era considerado “o deleite de Apolo e de todas as musas”, e a quem ele declarou: “Eu gosto muito de seus escritos”.

A cultura erudita e a teologia
            Além disso, Francisco também se mantinha informado sobre os livros de teologia que estavam aparecendo. Depois de ter “visto com extremo prazer” um projeto de Suma de teologia de um padre cisterciense, enviou ao autor alguns conselhos por escrito. Sua opinião era que era necessário cortar todas as palavras “metódicas”, “supérfluas” e “importunas”, para evitar que a Suma se tornasse demasiadamente “grande” e para garantir que ela fosse “totalmente suco e polpa”, tornando-a “mais nutritiva e apetitosa”, e para não ter medo de usar o “estilo afetivo”, isto é, capaz de emocionar. Mais tarde, escrevendo para um de seus padres que estava envolvido em trabalhos literários e científicos, fez mais ou menos as mesmas recomendações: “Devo dizer-lhe que o conhecimento que vou adquirindo cada dia mais a respeito dos humores do mundo me leva a augurar-me apaixonadamente que a divina Bondade inspire algum de seus servos a escrever ao gosto deste pobre mundo”.
            Escrever “ao gosto deste pobre mundo” significava concordar em usar certos meios capazes de despertar o interesse do leitor da época:

De fato,Senhor, somos pescadores, e pescadores de homens.Devemos, portanto, usar não apenas cuidados, trabalhos e vigilância nessa pesca, mas também a isca, as indústrias, as abordagens e, se for lícito dizer, as santas astúcias.O mundo está se tornando tão delicado que, de agora em diante, só nos atreveremos a tocá-lo com luvas perfumadas, ou a tratar suas feridas com emplastros de civeta; mas o que importa, desde que os homens sejam finalmente curados e salvos definitivamente?Nossa rainha, a caridade, faz tudo por seus filhos.

            Outra falha, especialmente entre os teólogos, era a falta de clareza, a ponto de lhe dar a vontade de escrever na primeira página de certas obras: Fiat lux [Faça-se luz]. Seu amigo, Dom Camus, lembra-se deste comentário de seu herói sobre a obra de um autor ininteligível: “Esse homem deu vários livros ao público, mas não sei se algum deles trouxe luz. É uma grande pena ser tão culto e ainda assim não conseguir se expressar. É como aquelas mulheres que estão grávidas de vários filhos e não conseguem dar à luz nenhum deles. Ele acrescentou com convicção: “Acima de tudo, viva a clareza; sem ela, nada pode ser agradável”. De acordo com Camus, as obras de Francisco de Sales certamente contêm dificuldades, mas a obscuridade é um defeito que nunca foi encontrado em sua pena.

Um escritor cheio de projetos
            No final de sua vida, sua mente ainda estava ocupada com vários projetos. Miguel Favre declarou que Francisco planejava escrever um tratado Sobre o amor ao próximo, bem como uma História teândrica em quatro volumes: uma tradução em linguagem popular dos quatro evangelhos em forma de concordância; uma demonstração dos principais pontos da fé da Igreja Católica; uma instrução sobre os bons costumes e sobre a prática das virtudes cristãs; enfim, uma história dos Atos dos Apóstolos. Também tinha em mente um Livro sobre os quatro amores, no qual queria ensinar como deveríamos amar a Deus, amar a nós mesmos, amar nossos amigos e amar nossos inimigos.
            Nenhuma dessas obras jamais será publicada. “Morrerei como aquelas mulheres grávidas”, escreveu ele, “sem dar à luz o que tinham concebido”. Sua “filosofia” era essa: “É preciso assumir mais do que sabe fazer, como se fosse viver muito tempo; mas sem se preocupar em fazer mais do que alguém faria, sabendo que iria morrer no dia seguinte”.

P. Wirth MORAND
Salesiano de Dom Bosco, professor universitário, estudioso bíblico e historiador salesiano, membro emérito do Centro de Estudos Dom Bosco, autor de vários livros.