Os sonhos de Dom Bosco são presentes do alto para guiar, advertir, corrigir, encorajar. Alguns deles foram registrados por escrito e foram preservados. Um deles – ocorrido no início da missão do santo dos jovens – é o do caramanchão de rosas, feito em 1847. Nós o apresentamos na íntegra.
Em 1864, uma noite, depois das orações, reuniu em sua antecâmara, como costumava fazer de quando em quando, os que já pertenciam à sua Congregação, entre eles, os Padres Vitório Alasonatti, Miguel Rua, João Cagliero, Celestino Durando, José Lazzero e Júlio Barberis. Depois de lhes falar do desapego do mundo e das próprias famílias para seguir o exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo, continuou com estes termos:
Contei-lhes diversas coisas em forma de sonhos pelas quais podemos conhecer como Nossa Senhora nos ama e nos ajuda. Como estamos aqui somente nós, a fim de que cada um de vocês tenha a certeza de que a Virgem Maria quer a nossa Congregação e para que nos animemos sempre mais a trabalhar para a maior glória de Deus, conto-lhes, não a descrição de um sonho, mas o que a Bem-aventurada Mãe de Deus, em pessoa, teve a bondade de me mostrar. Ela quer que ponhamos nela toda a nossa confiança. Eu lhes falo com toda a sinceridade, mas desejo que o que estou para contar não seja referido aos outros da casa ou de fora do Oratório, para que não se dê oportunidade a críticas dos mal-intencionados.
Certo dia, em 1847, após muito meditar sobre o modo de fazer o bem, particularmente em favor da juventude, apareceu-me a Rainha do Céu e me levou a um jardim encantador. Nele havia um longo pórtico, rústico, porém belíssimo, em forma de vestíbulo. Trepadeiras ornavam e envolviam os pilares. Seus ramos carregados de folhas e de flores se estendiam para o alto; voltados uns para os outros, entrelaçados, formavam um gracioso caramanchão. Esse pórtico dava para uma estrada muito bonita, coberta a perder de vista por um caramanchão encantador, ladeado e coberto de maravilhosas roseiras em plena florescência. Também o chão estava todo atapetado de rosas. Nossa Senhora me disse:
– Tire os sapatos! – Apenas tirei, ela acrescentou:
– Vá para a frente por esse caramanchão: esta é a estrada que você deve percorrer. – Gostei de tirar os sapatos porque tinha pena de pisar em rosas tão belas. E comecei a andar. Logo, porém, percebi que as rosas escondiam espinhos muito agudos, e meus pés começaram a sangrar. Dados apenas alguns passos, fui obrigado a parar e voltar.
– Aqui é preciso usar sapatos – eu disse à minha guia.
– Sem dúvida – respondeu. – São necessários sapatos, e dos bons.
Calcei os sapatos e retomei o caminho junto com certo número de companheiros que haviam aparecido naquele momento e me pediam para ficar comigo. Eles vieram atrás de mim sob o caramanchão, que era de uma beleza incrível, mas que, ao avançar por ele, se tornava mais estreito e baixo. Do alto pendiam muitos ramos e para lá voltavam em forma de festões. Outros pendiam perpendicularmente sobre o caminho. Outros ainda, a partir dos caules das roseiras, espalhavam-se de cá e de lá a intervalos, horizontalmente. Havia também os que, formando uma sebe mais densa, invadiam uma parte do caminho. Finalmente, alguns serpeavam a pouca altura do chão. Todos eram revestidos de rosas, e eu só via rosas por todos os lados, acima de mim, diante de mim.
Enquanto eu ainda sentia fortes dores nos pés e me contorcia um pouco, tocava as rosas aqui e ali; no entanto, pungiam-me espinhos ainda mais agudos escondidos sob as rosas. Todavia, continuei a caminhar. Minhas pernas se enroscavam nos ramos estendidos pelo chão e se machucavam. Eu afastava um ramo transversal que me impedia de caminhar, ou então para esquivar-me dele, passava perto do muro, mas acabava sempre me ferindo, de modo que me sangravam não só as mãos, como também o corpo inteiro. Na parte superior, as rosas que pendiam do alto escondiam grande quantidade de espinhos que também me espetavam a cabeça. Apesar disso, encorajado pela Bem-aventurada Virgem, continuei meu caminho. De quando em quando, porém, eu recebia picadas mais agudas e penetrantes, que me causavam espasmos muito doloridos.
Todos os que me observavam, e eram muitíssimos, a percorrer aquele caramanchão, diziam: – Oh! Como Dom Bosco caminha sempre sobre rosas. Ele vai para a frente tranquilíssimo. Tudo lhe corre bem. – Não viam, porém, que os espinhos rasgavam meus pobres membros.
Muitos Clérigos, Padres e leigos por mim convidados haviam-se posto a me seguir, alegres, atraídos pela beleza das flores. Ao perceberem, no entanto, que deviam caminhar sobre espinhos que despontavam de todos os lados, começaram a gritar: – Fomos enganados!
Eu respondi: – Quem quiser caminhar prazerosamente sobre rosas volte para trás; os outros que me sigam.
Não poucos deram para trás. Percorrida boa parte do caminho, voltei-me para dar uma olhada em meus companheiros. Qual não foi a minha dor quando vi que uma parte deles desaparecera; outra parte já me havia voltado as costas e se afastava. Eu também voltei para trás a fim de chamá-los, mas tudo foi inútil, pois sequer me davam ouvidos. Então comecei a chorar copiosamente e a me queixar: – Será possível que deverei percorrer sozinho esta estrada tão cansativa?
Contudo, fui logo consolado. Vi avançar para mim um grupo de Padres, Clérigos, leigos, que me disseram: – Aqui estamos. Somos todos seus e estamos prontos para segui-lo. – Precedendo-os, reiniciei o caminho. Só alguns desanimaram e pararam. Grande parte deles chegou comigo até a meta.
Percorrido todo o caramanchão, encontrei-me em um belíssimo jardim, onde me rodearam os meus poucos seguidores, todos macilentos, desgrenhados, ensanguentados. Levantou-se, então, uma brisa suave; a seu sopro, todos ficaram curados. Soprou outra brisa e, como por encanto, eu me vi circundado de um número imenso de jovens e Clérigos, de ajudantes leigos e também de Padres, que se puseram a trabalhar comigo, guiando aquela juventude. Reconheci alguns, mas muitos outros eu não conhecia.
Nesse ínterim, tendo chegado a um lugar mais elevado do jardim, vi diante de mim um edifício monumental, surpreendente pela sua magnificência artística. Passado o limiar do edifício, entrei em uma sala imensa, tão rica que nenhum Palácio real no mundo poderia orgulhar-se de algo igual. Era toda coberta e adornada de rosas fresquíssimas e sem espinhos, das quais emanava uma suavíssima fragrância. Então, a Santa Virgem, que fora a minha guia, perguntou-me: – Sabe o que significa o que você está vendo e viu antes?
– Não – eu respondi. – Peço que me explique.
Então ela me disse: – Saiba que o caminho que você percorreu por entre rosas e espinhos significa o cuidado que deverá ter com a juventude. Você vê que deverá andar com o calçado da mortificação. Os espinhos no chão significam as afeições sensíveis, as simpatias ou antipatias humanas que desviam o educador do seu verdadeiro objetivo, ferem-no, imobilizam-no em sua missão e o impedem de continuar a recolher coroas para a vida eterna. As rosas são o símbolo da caridade ardente que deve distinguir você e todos os seus ajudantes. Os outros espinhos significam os obstáculos, os padecimentos, os desgostos que lhes caberão. Todavia, não desanimem. Com a caridade e com a mortificação, superarão tudo e chegarão às rosas sem espinhos.
Logo que a Mãe de Deus acabou de falar, acordei e me encontrei no meu quarto.
Dom Bosco, que tinha compreendido o sentido do sonho, concluiu afirmando que, depois daquela data, via muito bem o caminho a percorrer. Que já identificava melhor as oposições e os artifícios com que tentavam pará-lo e que, embora muitas vezes devessem ser os espinhos entre os quais teria de caminhar, estava certo e seguro da vontade de Deus e do bom êxito do seu grande empreendimento.
Mediante esse sonho, Dom Bosco era alertado também para que não desanimasse pelas defecções que aconteceriam entre os que pareciam destinados a ajudá-lo na sua missão. Os primeiros a se afastarem do caramanchão são os Padres Diocesanos e os leigos que, no princípio, tinham se dedicado ao Oratório festivo. Os outros que chegaram depois representam os Salesianos, aos quais é prometida a ajuda e o conforto divino, significado pelo sopro da brisa suave.
Mais tarde, Dom Bosco confessou que esse sonho ou visão se repetiu em diversas ocasiões, isto é, em 1848 e em 1856, e que cada vez ocorria com a variação de algumas circunstâncias. Nós o apresentamos aqui fundido em uma única narração, para evitar repetições supérfluas.
(MBp III, 38-42)
Um caramanchão de rosas (1847)
🕙: 5 min.