🕙: 10 min.
image_pdfimage_print

(continuação do artigo anterior)

Capítulo IX. Batalha de Lepanto.

            Tendo assim exposto alguns dos muitos fatos que confirmam, em geral, como Maria protege os braços dos cristãos quando lutam pela fé, passemos a outros mais particulares que deram à Igreja razão para chamar Maria pelo glorioso título de Auxilium Christianorum [Auxílio dos Cristãos]. A principal delas é a batalha de Lepanto.
            Em meados do século XVI, nossa península gozava de certa paz quando uma nova insurreição vinda do Oriente veio para causar confusão entre os cristãos.
            Os turcos, que estavam estabelecidos em Constantinopla há mais de cem anos, lamentavam que o povo da Itália, e particularmente os venezianos, possuíssem ilhas e cidades no meio de seu vasto império. Portanto, começaram a pedir aos venezianos a ilha de Chipre. Diante da recusa, pegaram em armas e, com um exército de oitenta mil soldados a pé, três mil cavalos e uma artilharia formidável, liderados por seu próprio imperador Selim II, sitiaram Nicósia e Famagusta, as cidades mais fortes da ilha. Após uma defesa heroica, essas cidades caíram em poder do inimigo.
            Os venezianos, então, apelaram ao Papa para que viesse em seu auxílio para lutar e diminuir o orgulho dos inimigos do cristianismo. O romano pontífice, que na época era São Pio V, temendo que, se os turcos saíssem vitoriosos, trariam desolação e ruína entre os cristãos, pensou em recorrer à poderosa intercessão daquela que a Santa Igreja proclama tão terrível quanto um exército ordenado para a batalha: Terribilis ut castrorum acies ordinata. Portanto, ele ordenou orações públicas para toda a cristandade: apelou ao rei Filipe II da Espanha e ao duque Emanuel Filiberto.
            O rei da Espanha montou um poderoso exército e o confiou a um irmão mais novo conhecido como D. João da Áustria. O duque de Saboia enviou de bom grado um número seleto de homens valentes, que se uniram ao restante das forças italianas e foram se juntar aos espanhóis perto de Messina.
            O confronto com o exército inimigo ocorreu perto da cidade grega de Lepanto. Os cristãos atacaram os turcos galhardamente; os turcos resistiram ferozmente. Todos os navios viraram repentinamente em meio a redemoinhos de chamas e fumaça e pareciam vomitar relâmpagos de uma centena de canhões com os quais estavam armados. A morte tomou todas as formas, os mastros e as cordas dos navios, arrebentados pelas balas de canhão, caíam sobre os combatentes e os esmagavam. Os gritos agonizantes dos feridos se misturavam ao rugido das ondas e dos canhões. Em meio à desordem comum, Vernieri, líder do exército cristão, percebeu que a confusão estava começando a entrar nos navios turcos. Imediatamente, ele colocou em ordem algumas galés rasas cheias de artilheiros habilidosos, cercou os navios inimigos e, com tiros de canhão, despedaçou-os e fulminou-os. Naquele momento, à medida que a confusão entre os inimigos aumentava, surgiu um grande entusiasmo entre os cristãos e, de todos os lados, gritava-se Vitória! Vitória! e a vitória estava com eles. Os navios turcos fugiram em direção à terra, os venezianos os perseguiram e os esmagaram; não era mais uma batalha, era um massacre. O mar está repleto de roupas, panos, navios despedaçados, sangue e corpos mutilados; trinta mil turcos estão mortos; duzentas de suas galés estão em poder dos cristãos.
            A notícia da vitória trouxe alegria universal aos países cristãos. O senado de Gênova e Veneza decretou que o dia 7 de outubro deveria ser um dia solene e festivo para sempre, porque foi nesse dia, no ano de 1571, que ocorreu a grande batalha. Entre as orações que o santo pontífice havia ordenado para o dia dessa grande batalha estava o Rosário, e na hora exata em que esse evento ocorreu, ele mesmo o recitou com uma multidão de fiéis reunidos com ele. Naquele momento, a Santíssima Virgem apareceu a ele e lhe revelou o triunfo dos navios cristãos, triunfo esse que São Pio V anunciou rapidamente em Roma, antes que qualquer outra pessoa pudesse trazer a notícia. Em seguida, o santo pontífice, em gratidão a Maria, a cujo patrocínio atribuiu a glória daquele dia, ordenou que se acrescentasse: à Ladainha lauretana a oração jaculatória: Maria Auxilium Christianorum, ora pro nobis. Maria Auxiliadora dos Cristãos, rogai por nós. Para que a memória daquele prodigioso acontecimento fosse perpétua o mesmo Pontífice instituiu a Solenidade do Santíssimo Rosário, a ser celebrada todos os anos no primeiro domingo de outubro.


Capítulo X. A libertação de Viena.

            No ano de 1683, os turcos, a fim de vingar sua derrota em Lepanto, fizeram planos para levar suas armas através do Danúbio e do Reno, ameaçando assim toda a cristandade. Com um exército de duzentos mil homens, avançando em marchas forçadas, eles chegaram a sitiar as muralhas de Viena. O Sumo Pontífice, que na época era Inocêncio XI, pensou em apelar aos príncipes cristãos, instando-os a ajudar a cristandade ameaçada. Poucos, entretanto, responderam ao convite do Pontífice, pelo que ele, como seu predecessor Pio V, decidiu colocar-se sob a proteção daquela que a Igreja proclama terribilis ut castrorum acies ordinata. Ele orava e convidava os fiéis de todo o mundo a orar com ele.
            Nesse meio tempo, houve uma consternação geral em Viena, e o povo, temendo cair nas mãos dos infiéis, deixou a cidade e abandonou tudo. O imperador não tinha forças para se opor e abandonou sua capital. O príncipe Carlos de Lorena, que mal havia conseguido reunir trinta mil alemães, conseguiu entrar na cidade para, de alguma forma, tentar defendê-la. As aldeias vizinhas foram incendiadas. No dia 14 de agosto, os turcos abriram suas trincheiras a partir do portão principal e acamparam ali, apesar do fogo dos sitiados. Eles então cercaram todas as muralhas da cidade, incendiaram e queimaram vários edifícios públicos e privados. Um caso doloroso aumentou a coragem dos inimigos e diminuiu a dos sitiados.
            Eles atearam fogo à Igreja dos Escoceses, que consumiu aquele magnífico edifício e, chegando ao arsenal, onde estavam guardadas a pólvora e as munições, estava prestes a abrir a cidade para os inimigos, se, por uma proteção muito especial da Santíssima Virgem Maria, no dia de sua gloriosa Assunção, o fogo não tivesse sido extinto, dando-lhes tempo para salvar as munições militares. Essa sensível proteção da Mãe de Deus reavivou a coragem dos soldados e dos habitantes. No dia 22 do mesmo mês, os turcos tentaram derrubar mais edifícios lançando um grande número de balas de canhão e bombas, com as quais causaram muitos danos, mas não puderam impedir que os habitantes implorassem dia e noite pela ajuda do céu nas igrejas, nem que os pregadores os exortassem a depositar toda a sua confiança, depois de Deus, naquela que tantas vezes lhes dera ajuda poderosa. No dia 31, os sitiantes levaram as obras à conclusão, e os soldados de ambos os lados lutaram corpo a corpo.
            A cidade era um monte de ruínas, quando, no dia da Natividade da Virgem Maria, os cristãos redobraram suas orações e, como que por milagre, receberam a notícia de um socorro próximo. De fato, no dia seguinte, o segundo dia da oitava da Natividade, eles viram a montanha, que fica em frente à cidade, toda coberta de tropas. Era João Sobieski, rei da Polônia, que quase sozinho entre os príncipes cristãos, atendendo ao convite do Pontífice, vinha em socorro com seus bravos homens. Convencido de que, com o pequeno número de seus soldados, a vitória lhe seria impossível, ele também recorreu àquela que é formidável em meio aos exércitos mais organizados e aguerridos. No dia 12 de setembro, ele foi à igreja com o príncipe Carlos e lá assistiram à santa missa, que ele mesmo quis ajudar, com os braços estendidos em forma de cruz. Depois de comungar e receber a santa bênção para si mesmo e para seu exército, o príncipe levantou-se e disse em voz alta: “Soldados, para a glória da Polônia, para a libertação de Viena, para a salvação de toda a cristandade, sob a proteção de Maria, podemos marchar com segurança contra nossos inimigos e a vitória será nossa”.
            O exército cristão então desceu das montanhas e avançou em direção ao acampamento dos turcos, que, depois de lutar por algum tempo, recuaram para o outro lado do Danúbio com tanta pressa e confusão que deixaram no acampamento o estandarte otomano, cerca de cem mil homens, a maioria de seus equipamentos, todas as suas munições de guerra e cento e oitenta peças de artilharia. Nunca houve uma vitória mais gloriosa que custasse tão pouco sangue aos vencedores. Soldados carregados de saques podiam ser vistos entrando na cidade, conduzindo à sua frente muitos rebanhos de bois que os inimigos haviam abandonado.
            O Imperador Leopoldo, tendo ouvido falar da derrota dos turcos, retornou a Viena no mesmo dia, mandou cantar um Te Deum com a maior solenidade e, em seguida, reconhecendo que uma vitória tão inesperada se devia inteiramente à proteção de Maria, mandou trazer para a igreja principal o estandarte que havia encontrado na tenda do Grão-Vizir. O de Maomé, ainda mais rico, e que estava hasteado no meio do campo, foi enviado a Roma e apresentada ao Papa. Esse santo pontífice, também intimamente persuadido de que a glória desse triunfo era toda devida à grande Mãe de Deus, e desejoso de perpetuar a memória desse benefício, ordenou que a festa do Santo Nome de Maria, já praticada há algum tempo em alguns países, fosse futuramente celebrada em toda a Igreja no domingo entre a oitava de sua Natividade.


Capítulo XI. Associação de Maria Auxiliadora em Munique.

            A vitória de Viena aumentou maravilhosamente a devoção a Maria entre os fiéis e deu origem a uma piedosa sociedade de devotos sob o título de Confraria de Maria Auxiliadora. Um padre capuchinho, que pregava com grande zelo na igreja paroquial de São Pedro, em Munique, com expressões fervorosas e comoventes, exortava os fiéis a se colocarem sob a proteção de Maria Auxiliadora e a implorar seu patrocínio contra os turcos que ameaçavam invadir a Baviera a partir de Viena. A devoção à Bem-Aventurada Virgem Maria Auxiliadora cresceu a tal ponto que os fiéis quiseram continuá-la mesmo após a vitória de Viena, embora os inimigos já tivessem sido forçados a deixar a cidade. Foi então que uma Confraria sob o título de Maria Auxiliadora foi estabelecida para eternizar a memória do grande favor obtido da Santíssima Virgem.
            O duque da Baviera, que comandava uma parte do exército cristão, enquanto o rei da Polônia e o duque da Lorena comandavam o restante da milícia, a fim de dar continuidade ao que havia sido feito em sua capital, pediu ao Sumo Pontífice, Inocêncio XI, a criação da Confraria. O papa concordou de bom grado e concedeu a instituição implorada com uma bula datada de 18 de agosto de 1684, enriquecendo-a com indulgências. Assim, em 8 de setembro do ano seguinte, enquanto o príncipe sitiava a cidade de Buda, a Confraria foi estabelecida por sua ordem com grande solenidade na Igreja de São Pedro, em Munique. A partir de então, os irmãos dessa Associação, unidos em seus corações no amor de Jesus e Maria, reuniram-se em Munique e ofereceram orações e sacrifícios a Deus para implorar sua infinita misericórdia. Por meio da proteção da Santíssima Virgem, essa Confraria se espalhou rapidamente, de modo que as maiores personalidades se interessaram em se inscrever nela para garantir a assistência dessa grande Rainha do Céu nos perigos da vida e especialmente na hora da morte. Imperadores, reis, rainhas, prelados, sacerdotes e uma infinidade de pessoas de todas as partes da Europa ainda consideram uma grande sorte estar inscritos nela. Os papas concederam muitas indulgências àqueles que fazem parte dessa irmandade. Os sacerdotes que são agregados podem agregar outros. Milhares de missas e rosários são rezados durante a vida e após a morte para aqueles que são seus membros.


Capítulo XII. Conveniência da festa de Maria Auxiliadora.

            Os fatos que expusemos até agora em honra de Maria Auxiliadora deixam claro o quanto Maria gosta de ser invocada sob esse título. A Igreja Católica observou, examinou e aprovou tudo, orientando as práticas dos próprios fiéis, para que nem o tempo nem a malícia dos homens deturpassem o verdadeiro espírito de devoção.
            Recordemos aqui o que já dissemos muitas vezes sobre as glórias de Maria como auxílio dos cristãos. Nos livros sagrados, ela é simbolizada na arca de Noé, que salva do dilúvio universal os seguidores do verdadeiro Deus; na escada de Jacó, que se eleva até o céu; na sarça ardente de Moisés; na arca da aliança; na torre de Davi, que defende contra todos os ataques; na rosa de Jericó; na fonte selada; no jardim bem cultivado e guardado de Salomão; ela é figurada em um aqueduto de bênçãos; no velo de Gedeão. Em outros lugares, ela é chamada de estrela de Jacó, bela como a lua, eleita como o sol, íris da paz, pupila dos olhos de Deus, aurora, portadora de consolações, Virgem, Mãe e Mãe de seu Senhor. Esses símbolos e expressões que a Igreja aplica a Maria tornam manifestos os desígnios providenciais de Deus, que quis torná-la conhecida para nós antes de seu nascimento como a primogênita entre todas as criaturas, a mais excelente protetora, ajuda e apoio do gênero humano.
            No Novo Testamento, portanto, as figuras e expressões simbólicas cessam; tudo é realidade e cumprimento do passado. Maria é saudada pelo arcanjo Gabriel, que a chama de cheia de graça; Deus admira a grande humildade de Maria e a eleva à dignidade de Mãe do Verbo Eterno. Jesus, Deus imenso, torna-se filho de Maria; por ela ele nasce, por ela é educado, assistido. E o Verbo Eterno feito carne se submete em tudo à obediência de sua augusta Mãe. A pedido dela, Jesus realiza o primeiro de seus milagres em Caná da Galileia; no Calvário, ela se torna de fato a Mãe comum dos cristãos. Os apóstolos fazem dela sua guia e mestra de virtude. Com ela, eles se reúnem para orar no cenáculo; com ela, eles participam da oração e, no final, recebem o Espírito Santo. Aos apóstolos ela dirige suas últimas palavras e gloriosamente voa para o céu.
            De seu mais alto trono de glória, ela diz: Ego in altissimis habito ut ditem diligentes me et thesauros corum repleam. Eu habito o mais alto trono de glória para enriquecer com bênçãos aqueles que me amam e para encher seus tesouros com favores celestiais. Assim, a partir de sua Assunção ao céu, começou o constante e ininterrupto concurso dos cristãos a Maria, e nunca se ouviu falar, diz São Bernardo, de alguém que confiantemente apelasse a ela e não fosse ouvido. Daí a razão pela qual cada século, cada ano, cada dia e, podemos dizer, cada momento é marcado na história por algum grande favor concedido àqueles que a invocaram com fé. Daí também a razão pela qual cada reino, cada cidade, cada país, cada família tem uma igreja, uma capela, um altar, uma imagem, uma pintura ou algum sinal que lembra uma graça concedida àqueles que recorreram a ela nas necessidades da vida. Os acontecimentos gloriosos contra os nestorianos e contra os albigenses; as palavras que Maria disse a São Domingos na época em que lhe recomendou a pregação do Rosário, que a Bem-Aventurada Virgem chamou de magnum in Ecclesia praesidium [grande defesa da Igreja]; a vitória de Lepanto, de Viena, de Buda, a Confraria de Munique, a de Roma, a de Turim e muitas outras erigidas em vários países da cristandade, deixam suficientemente claro quão antiga e difundida é a devoção a Maria Auxiliadora, quanto esse título lhe agrada e quanto benefício traz aos povos cristãos. Assim, Maria pôde proferir com toda a razão as palavras que o Espírito Santo colocou em sua boca: In omni gente primatum habui. Sou reconhecida como senhora entre todas as nações.
            Esses fatos, tão gloriosos para a Santíssima Virgem, faziam com que se desejasse a intervenção expressa da Igreja para dar o limite e o modo pelo qual Maria poderia ser invocada sob o título de Auxílio dos Cristãos; e a Igreja já havia intervindo de certa forma com a aprovação das confrarias, orações e muitas práticas piedosas às quais estão ligadas as santas indulgências, e que em todo o mundo proclamam Maria Auxilium Christianorum.
            Ainda faltava uma coisa: um dia estabelecido do ano para honrar o título de Maria Auxiliadora, ou seja, um dia de festa com um rito, uma missa e um ofício aprovados pela Igreja, e o dia dessa solenidade foi fixado. Para que os Pontífices determinassem essa importante instituição, era necessário algum evento extraordinário, que não demorou muito para se manifestar aos homens.


(continua)