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            Em seu famoso Tratado sobre o Amor de Deus, São Francisco de Sales quis apresentar ao leitor um resumo de toda a sua doutrina em doze pontos. Como Jesus, que praticou doze “atos de amor”, ele quer nos incentivar a praticar os seguintes atos: complacência, benevolência e união; humildade, êxtase e admiração; contemplação, descanso e ternura; ciúme, doença e morte do amor. Ao falar de atos de amor, ele não minimiza de forma alguma o papel dos sentimentos, mas propõe os exercícios práticos que o verdadeiro amor exige. Não é de surpreender que o autor desse tratado tenha sido proclamado “doutor do amor”.

O prazer do coração humano
            O primeiro ato de amor a Deus – mas isso também se aplica ao amor ao próximo – é praticar a “complacência”, ou seja, buscar e encontrar prazer com Ele e Nele. Não existe amor sem prazer, como se diz. Para ilustrar essa verdade, São Francisco de Sales oferece o exemplo da abelha: “Assim como a abelha nasce no mel, alimenta-se de mel e voa apenas pelo mel, assim também o amor nasce da complacência, é mantido pela complacência e tende à complacência”. Isso é verdade para o amor humano, mas também é verdade para o amor divino.
            Quando Francisco era jovem estudante em Paris, ele havia procurado e encontrado esse prazer na história de amor contada naquele maravilhoso livro da Bíblia chamado “Cântico dos Cânticos”, a ponto de exclamar em um acesso de alegria: “Encontrei Aquele que meu coração ama, e nunca mais O deixarei!”
            O prazer move nosso coração na direção de uma beleza que nos atrai, de uma bondade que nos encanta, de uma gentileza que nos faz felizes. Assim como no amor humano, o prazer é o grande motor do amor de Deus. A amada do Cântico dos Cânticos ama seu amado porque sua visão, sua presença, todas as suas qualidades lhe trazem grande felicidade.
            Ao meditar sobre o Cântico dos Cânticos, o doutor do amor não quis se deter nos prazeres carnais nele descritos. Não que eles sejam ruins em si mesmos, pois foi o Criador que os ordenou em sua sabedoria, mas em certos casos eles podem dar origem a um comportamento errado. Daí a advertência: “Aquele que não souber espiritualizá-los bem só os desfrutará no mal”.
            Para evitar inconvenientes, Francisco de Sales muitas vezes prefere descrever o prazer da criança no seio da mãe: “O seio e as mamas da mãe são os aposentos dos tesouros da criança; ela não tem outras riquezas além dessas, que lhe são mais preciosas do que o ouro e o topázio, mais amáveis do que o resto do mundo”.
            Com essas considerações sobre o amor humano, São Francisco de Sales quer nos apresentar o amor de Deus. Sabemos pela fé que “a Divindade é um abismo incompreensível de toda perfeição, soberanamente infinita em excelência e infinitamente soberana em bondade”. Portanto, se considerarmos cuidadosamente a imensidão das perfeições que existem em Deus, é impossível não sentirmos grande prazer. É esse prazer que faz com que a amada do Cântico diga: “Como és belo, meu amado, como és encantador! Tu és todo desejável, na verdade és o próprio desejo!”.

O prazer de Deus
            O mais belo é que, no amor divino, o prazer é recíproco, o que nem sempre acontece no amor humano. Por um lado, a alma humana tem prazer em descobrir todas as perfeições de Deus; por outro lado, Deus se alegra em ver o prazer que Ele lhe dá. Dessa forma, esses prazeres mútuos “tornam o amor um deleite incomparável”. Assim, a alma pode clamar: “Ó meu Rei, como são belas as tuas riquezas e como são ricos os teus amores! Ei, quem se alegra mais com eles, você que os desfruta ou eu que me alegro com eles?”
            No dueto de amor entre Deus e nós, na verdade é Deus quem tem mais prazer do que nós. Francisco de Sales afirma isso explicitamente: Deus tem “mais prazer em dar suas graças do que nós em recebê-las”. Jesus nos amou com um amor de complacência porque, como diz a Bíblia, “seu prazer era estar com os filhos dos homens”.
            Deus não se tornou homem com relutância, mas de bom grado e com alegria, porque nos amou desde o princípio. Sabendo disso, e sabendo que o próprio Deus é a fonte do nosso amor, “nos deleitamos no prazer de Deus infinitamente mais do que no nosso próprio”.
            Quando pensamos nessa felicidade mútua, como não pensar em uma refeição compartilhada com amigos? É essa felicidade que faz o Senhor dizer em Apocalipse: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, eu entrarei na sua casa e tomaremos a refeição, eu com ele, e ele comigo”.
            Outra imagem, também encontrada no Cântico dos Cânticos, é a do jardim cheio de “macieiras de delícias”. É nesse jardim, a imagem da alma humana, que o divino Esposo vem morar com todos os seus dons. Ele vai até lá de bom grado, pois se deleita em estar com os filhos dos homens que ele fez à sua imagem e semelhança. E nesse jardim foi ele mesmo quem plantou o prazer amoroso que temos em sua bondade.
            Nada expressa melhor a felicidade mútua daqueles que se amam do que a expressão usada pela noiva no Cântico para descrever sua pertença mútua: “Meu amado é meu e eu sou dele”. Em outras palavras, ela também pode dizer: “A bondade de Deus é toda minha, pois desfruto de suas excelências, e sou toda dele, pois seus prazeres me possuem”.

Um desejo sem fim
            Aqueles que já provaram o amor de Deus não deixarão de desejar prová-lo mais e mais, porque “ao nos saciarmos, sempre queremos comer, assim como ao comer nos sentimos saciados”. Os anjos que veem a Deus continuam a desejá-lo.
            O prazer não é diminuído pelo desejo, mas aperfeiçoado por ele; o desejo não é sufocado, mas refinado pelo prazer. O prazer de um bem que sempre satisfaz nunca murcha, mas é continuamente renovado e floresce; é sempre amável e, ao mesmo tempo, sempre desejável.
            Dizem que existe uma erva com propriedades extraordinárias: quem a segura na boca nunca tem fome ou sede, de tão cheia que está, e ainda assim nunca faz perder o apetite. O descanso do coração não consiste em ficar parado, mas em não precisar de nada além de Deus; não consiste em não se mover, mas em não ter nenhum impedimento para se mover.
            Diz-se que o camaleão vive do ar e do vento; aonde quer que vá, ele tem algo para comer. Então, por que ele sempre vai de um lugar para outro? Não porque esteja procurando algo para satisfazer sua fome, mas porque está sempre praticando a alimentação no ar do tempo. Aquele que deseja Deus por possuí-Lo não O deseja para buscá-Lo, mas para exercer a afeição da qual gosta.
            Quando caminhamos até um belo jardim, não paramos de andar quando chegamos lá, mas aproveitamos para passear e passar o tempo agradavelmente.
            Portanto, sigamos a exortação do salmista: “Buscai o Senhor com grande coragem, sem cessar de buscar a sua face.” Busquemos sempre aquele que amamos, diz Santo Agostinho; o amor busca o que encontrou, não para tê-lo, mas para tê-lo sempre.

O prazer além do sofrimento
            O sofrimento não é contrário ao prazer. De acordo com São Francisco de Sales, Jesus tinha prazer no sofrimento, porque amava seus tormentos. No auge de sua paixão, ele se contentou em morrer de dor por mim. Foi esse prazer que o levou a dizer na cruz: “Tudo está consumado”.
            Será o mesmo para nós se compartilharmos nossos sofrimentos com os dele. “Quanto mais nosso amigo nos é caro”, diz o doutor do amor, “mais gostamos de compartilhar suas alegrias e tristezas”. “Vou morrer feliz”, disse Jacó depois de ver seu filho José, que ele pensava estar morto. Foi o prazer na paixão de Jesus que atraiu seus estigmas em São Francisco e Santa Catarina de Sena. Curiosamente, o mel torna o absinto ainda mais amargo, mas o doce aroma das rosas é aguçado pela proximidade do alho azedo. Da mesma forma, a compaixão que sentimos pelos sofrimentos de Jesus não tira nosso prazer em seu amor.
            São Francisco de Sales quer nos ensinar tanto o sofrimento que vem do amor quanto o amor ao sofrimento, a compaixão amorosa e a complacência dolorosa, o êxtase amorosamente doloroso e o êxtase dolorosamente amoroso. Quando as grandes almas santas foram estigmatizadas, elas experimentaram o “alegre amor de perseverança por seu amigo” que morreu na cruz. O amor lhes proporcionou tanta felicidade que o fato de compartilharem os sofrimentos de Jesus os encheu de um sentimento de consolo e felicidade.
            O amor de São Paulo pela vida, paixão e morte de seu Senhor era tão grande que ele sentia um prazer extraordinário com isso. Vemos isso claramente quando ele diz que queria se gloriar na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo. Em outro lugar, ele também diz: “Não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e o que vivo agora na carne, vivo na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”. Santa Clara se alegrou tanto com a paixão do Salvador que atraiu para si todos os sinais de sua paixão: “seu coração se tornou semelhante às coisas que ele amava”.
            Todos deveriam saber o quanto o Salvador deseja entrar em nossas almas por meio desse amor de dolorosa compaixão. No Cântico dos Cânticos, o amado implora à sua amada: “Abre para mim, minha querida irmã, meu amor, minha pomba, minha pura, pois minha cabeça está cheia de orvalho e meus cabelos de gotas da noite. Esse orvalho e essas gotas da noite são as aflições e as dores de sua paixão. O divino Amante, carregado com as dores e os suores de sua paixão, também me diz: “Abre teu coração para mim, e eu derramarei sobre ti o orvalho de minha paixão, que se transformará em pérolas de consolação”.

P. Wirth MORAND
Salesiano de Dom Bosco, professor universitário, estudioso bíblico e historiador salesiano, membro emérito do Centro de Estudos Dom Bosco, autor de vários livros.